A dieta FODMAP para síndrome do intestino irritável (SII) atualmente tem sido considerada a principal conduta dietoterápica para pacientes com SII a fim de reduzir os sintomas. Embora a dieta sofra algumas críticas sobre ser pobre em fibras ou diminuir a quantidade de bactérias da microbiota, todas essas críticas e controvérsias sobre a dieta FODMAP já foram fundamentadas pelo próprio pesquisador Peter Gibson em seu artigo Controversies and reality of the FODMAP diet for patients with irritable bowel syndrome, março 2019.
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Até pouco tempo atrás a SII era considerada um distúrbio puramente funcional, ou seja, sem causa orgânica identificável. Esse cenário está mudando, visto que estudos científicos, inclusive o meu estudo de doutorado que eu executei na Bélgica, têm identificado algumas alterações na mucosa intestinal, como permeabilidade intestinal aumentada e disbiose intestinal.
A SII não causa maiores danos à saúde, como a retocolite ulcerativa e doença de Crohn. Mas, pode prejudicar muito a qualidade de vida dos pacientes devido aos seus sintomas.
Sintomas da síndrome do intestino irritável
Os sintomas são:
- Dor abdominal;
- Distensão abdominal;
- Flatulência;
- Estes 3 sintomas anteriores melhoram com a evacuação;
- Alteração da evacuação;
- Alternância do formato das fezes;
- Muitas vezes ainda há presença de dispepsia funcional (má digestão sem causa orgânica identificável);
- Disbiose (alteração da microbiota intestinal) é comum.
Porém, esses sintomas todos podem se confundir com sensibilidade não celíaca ao glúten, que é de difícil diagnóstico, e até mesmo com doença diverticular sintomática não complicada. Portanto, o diagnóstico médico é fundamental.
Dieta Fodmap
FODMAP é um termo acrônimo, em inglês, para “Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides and Polyols”, ou seja, oligossacarídeos (frutanos e galactanos), dissacarídeos (lactose), monossacarídeos (frutose) e polióis fermentavéis. A dieta FODMAP foi desenvolvida na Universidade de Monash, em Melbourne, por Peter Gibson e Susan Shepherd, em 2010.
Nesta dieta a pessoa tem que evitar algumas frutas, vegetais, cereais, oleaginosas, leguminosas, e lácteos com lactose. Esses alimentos precisam ser evitados por serem fonte dos tipos de carboidratos que fermentam, que são os citados anteriormente: frutose, lactose, oligossacarídeo, frutanas, galactanas e poliol.
A má absorção dos Fodmap’s
A má absorção da maioria dos carboidratos acima (FODMAP’s) é comum a todos. Embora a maioria das pessoas não sofra sintomas significativos, os pacientes com SII podem ter muito desconforto por terem uma maior sensibilidade visceral. Por isso, a redução dos FODMAPs da dieta resulta em efeito benéfico para esses pacientes. E, realmente, os efeitos são realmente muito positivos.
Quando o intestino delgado é incapaz de digerir esses carboidratos, eles são transportados para o intestino grosso, e lá são fermentados pela microbiota local. Durante a fermentação, hidrogênio, dióxido de carbono, ácidos graxos de cadeia curta e outros gases são produzidos. Esses gases levam aos sintomas de inchaço, dor e desconforto, pela pressão que causam dentro do intestino.
Essa má absorção e fermentação também exerce um efeito osmótico, causando um aumento da reabsorção de água a partir da mucosa intestinal para o lúmen. Este aumento da água acelera a motilidade do intestino, causando a diarreia.
A dieta funciona muito bem em 90% dos casos de pacientes com SII tipo diarreia ou alternado. Os 10% restantes podem ser refratários à dieta Fodmap devido a altos níveis de ansiedade ou até mesmo traços de hipocondria. Sabe-se que pacientes com SII tendem a ter sintomas de depressão, ansiedade, neuroticismo ou outros quadros psiquiátricos. Saiba mais no post sobre as causas da SII.
Já para pacientes com SII tipo constipação nem sempre o mesmo sucesso é esperado; é comum a melhora significativa dos sintomas de dor, distensão e gases, mas nem sempre uma melhora importante na constipação e, então, se for necessário, pode ser ajustada a quantidade de fibra da dieta. Quando a dieta Fodmap não funciona, é preciso verificar outros aspectos.
A Universidade de Monash fez um vídeo explicando esses mecanismos de fermentação.
Como funciona o protocolo da dieta Fodmap
Eu sigo o protocolo criado pelo próprio Peter Gibson, no qual ele recomenda o tratamento de 3 fases. Portanto, primeiramente recomenda-se manter a dieta isenta de FODMAPs por 4-6 semanas.
Depois desse período, é necessário reavaliar os sintomas para avaliar a melhora do paciente. Normalmente o paciente melhora muito e, então, orienta-se os testes de desafio para determinar o nível de tolerância de cada carboidrato.
Os testes de desafio servem para identificar quais carboidratos realmente causam desconforto no paciente. A boa notícia é que você provavelmente poderá voltar a comer alguns alimentos naturalmente ou esporadicamente. Ou seja, você não estará privado de todos deles para o resto da sua vida.
Na terceira fase do protocolo nutricionista e paciente avaliam os resultados dos testes e, então, fazem a personalização da alimentação para que o paciente consiga administrar sozinho a própria alimentação.
Outro aspecto importante é o do comportamento alimentar. Por ser uma dieta restritiva que deve ser executada corretamente por um período relativamente longo, pacientes com uma relação com a comida problemática podem experienciar uma piora no seu comportamento alimentar e, assim abandonar o protocolo sem experimentar a melhora dos sintomas. Portanto, um nutricionista experiente em comportamento alimentar e em dieta Fodmap saberá qual o melhor caminho para você: a dieta Fodmap restritiva ou a dieta Fodmap gentil.
Como fazer a dieta Fodmap
Olhar na internet a dieta e fazê-la é relativamente fácil, é “só excluir” os alimentos proibidos, apesar de ter muitas informações desencontradas na internet, que deixam o paciente bastante confuso. As listas de alimentos fornecem informações contraditórias e equivocadas, que levam o paciente ao erro e ele não experiencia a melhora com a dieta.
O grande desafio – que provavelmente você não vai conseguir sozinho – é fazer os testes de desafio e depois interpretá-los para personalizar a sua alimentação “de manutenção”. Afinal, o objetivo não é permanecer nessa dieta, e sim descobrir quais alimentos realmente causam desconforto para evitar restrições alimentares desnecessárias.
Então, pelo menos no meu consultório, o tratamento é relativamente simples – e normalmente muito eficaz: no primeiro encontro é a avaliação da alimentação, dos sintomas e orientação da dieta com entrega do plano alimentar, receitas adaptadas e probióticos.
No segundo encontro acontece a reavaliação dos sintomas e orientação dos testes e, no terceiro encontro, é feita a avaliação dos resultados dos testes e definição da alimentação dali para frente, para que o paciente consiga se alimentar sozinho e sem tantas restrições e sem sintomas ou muito pouco sintomas.
Sintomas intestinais e alimentos liberadores de histamina
Alimentos ricos em aminas biogênicas, tais como: vinho e cerveja, salame e queijo e alimentos liberadores de histamina são considerados causadores de sintomas de SII. Além disso, 52% dos indivíduos referiram ter sintomas após consumir alimentos fritos e gordurosos.
Emoções, comportamento alimentar a dieta Fodmap
Pacientes com SII normalmente possuem algum quadro psiquiátrico, como depressão, níveis altos de ansiedade, neuroticismo ou até mesmo algum traço de hipocondria.
Além disso, é comum uma pessoa ansiosa ou deprimida, acabar exagerando na alimentação (“descontando na comida”, como se costuma dizer). Exageros alimentares também podem levar a sintomas como os da SII, como: diarreia, flatulência, distensão e dor abdominal, má digestão.
Algo que tenho observado muito nos pacientes com SII é que muitos já se submetem a dietas restritivas, com ou sem orientação nutricional ou médica. Sabe-se que restrição alimentar gera compulsão/exagero posteriormente. Em algum momento, seja pela sensação de restrição alimentar ou ansiedade, esses pacientes acabam exagerando nas porções dos alimentos e sentindo-se muito mal depois.
Portanto, fique atento ao seu comportamento alimentar: momentos de exagero, o que leva ao exagero, má mastigação, comer com pressa, etc. Parte dos seus sintomas podem ser consequência também da forma como você se alimenta e da sua relação com a comida.
Eu, como nutricionista com formação em gastroenterologia e em transtornos alimentares, com bastante experiência nessas duas áreas e em comportamento alimentar, te asseguro que isso é muito importante.
Outras indicações para fazer a dieta FODMAP
Doença celíaca, doença inflamatória intestinal (colites), depressão, fibromialgia, distúrbios funcionais/isolados que não se encaixam completamente no quadro diagnóstico de SII: como dor abdominal, distensão, inchaço, constipação/diarreia. Má digestão, dores de cabeça e cansaço também podem melhorar porque podem se apresentar como sintomas extra intestinais ou mesmo devido à baixa qualidade de vida do paciente.
Sugestões de livros, aplicativos e sites
- Low-fodmap diet. 28 day-plan
- The complete low-fodmap diet
- Site da Universidade de Monash: http://www.med.monash.edu/cecs/gastro/fodmap/
- Aplicativo: Monash University Low FODMAP Diet 7,99 dólares (existem outros apps sem custo).
Nutrição e Gastroenterologia: uma união muito importante!
Interessado em fazer o protocolo Fodmap?
Aqui abaixo você encontra o meu livro sobre o Protocolo Low FODMAP, baseado nas orientações originais da Universidade de Monash, bem como um e-book de Receitas Low FODMAP e uma sugestão de cardápio Low FODMAP para que você consiga fazer o protocolo mantendo uma alimentação equilibrada, adequada em fibras e variada, mesmo sem orientação profissional.
Mas, lembre-se: não é indicado manter a fase de exclusão da dieta de exclusão por mais que 6 semanas e, além disso, o acompanhamento profissional é importante porque parte dos pacientes possuem outras condições clínicas associadas que o protocolo não resolverá por completo e, portanto, necessita de condutas adicionais.