Nutricionista Adriana Lauffer

Causas e diagnóstico da doença diverticular

Causas e diagnóstico da doença diverticular

A doença diverticular (DD) representa uma das condições gastrointestinais mais prevalentes no mundo ocidental, particularmente em nações industrializadas. Entretanto, apesar de sua alta incidência, os mecanismos exatos envolvidos em seu desenvolvimento e progressão continuam sendo objeto de intensas pesquisas científicas.

Mas afinal, o que são divertículos? Trata-se de pequenas herniações ou bolsas que se formam na parede do intestino, principalmente no cólon, quando a camada muscular intestinal enfraquece e permite que a mucosa se projete através dela. Quando existem apenas os divertículos, sem sintomas ou inflamação, a condição é chamada de diverticulose. Quando ocorre inflamação ou infecção desses divertículos, denomina-se diverticulite.

A prevalência da diverticulose em adultos chega a impressionantes 50%, embora apenas 25% dessas pessoas desenvolvam sintomas e somente 5% apresentem complicações graves como sangramento, perfuração ou abscesso. A maior concentração de divertículos ocorre no cólon sigmóide, porção final do intestino grosso. Historicamente considerada uma “doença do envelhecimento”, estudos epidemiológicos recentes têm documentado um aumento preocupante de casos em pacientes mais jovens, frequentemente associados a um curso clínico mais agressivo.

Causas da diverticulose e diverticulite

Predisposição genética

Evidências crescentes sugerem uma importante contribuição genética para o desenvolvimento da diverticulose. Alterações no tecido conjuntivo intestinal, particularmente relacionadas aos níveis de elastina e à expressão de colágeno, podem predispor à formação de divertículos. Pesquisadores identificaram modificações na reticulação das fibras colágenas e na expressão das metaloproteinases (enzimas que regulam a degradação da matriz extracelular), resultando em enfraquecimento da parede intestinal.

Estudos com gêmeos demonstraram uma concordância significativamente maior para doença diverticular em gêmeos monozigóticos (idênticos) comparados aos dizigóticos (fraternos), sugerindo que fatores hereditários contribuem com aproximadamente 40-50% do risco de desenvolvimento da doença.

Impacto da obesidade e gordura visceral

A correlação entre obesidade e doença diverticular está bem estabelecida na literatura científica. Pesquisas epidemiológicas demonstram que indivíduos com Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 30 kg/m² apresentam um risco até quatro vezes maior de hospitalização por complicações relacionadas à doença diverticular quando comparados àqueles com IMC inferior a 21 kg/m².

Particularmente significativa é a distribuição corporal dessa gordura. A gordura visceral (acumulada internamente, ao redor dos órgãos abdominais) exerce efeitos biológicos mais deletérios que a gordura subcutânea. O tecido adiposo visceral, localizado no mesentério (membrana que sustenta os intestinos), não é metabolicamente inerte, mas sim um órgão endócrino ativo que secreta diversas substâncias inflamatórias.

Nesse contexto, a gordura visceral promove a ativação de macrófagos (células do sistema imunológico) que, por sua vez, produzem citocinas pró-inflamatórias (moléculas sinalizadoras que promovem inflamação). Este ambiente inflamatório crônico compromete a integridade da barreira intestinal, favorecendo a translocação bacteriana (passagem de bactérias do intestino para outras partes do corpo) e o desenvolvimento da doença diverticular.

Papel da microbiota intestinal

O equilíbrio da microbiota intestinal (conjunto de microrganismos que habitam o intestino) exerce função crucial na saúde digestiva. Alterações dietéticas, particularmente a transição para uma alimentação rica em carboidratos refinados e carnes vermelhas, modificam significativamente a composição desta microbiota.

A estase fecal (lentidão na passagem das fezes) pode promover disbiose (desequilíbrio da microbiota) e fermentação anormal no cólon. Um estudo clínico conduzido por Tursi e colaboradores demonstrou que aproximadamente 60% dos pacientes com doença diverticular sintomática não complicada apresentavam supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO), uma condição caracterizada pela proliferação excessiva de bactérias nesta região.

Investigações recentes utilizando técnicas de sequenciamento genético compararam a microbiota intestinal de pacientes com diverticulite e indivíduos saudáveis. Embora a relação firmicutes/bacteroidetes (dois grupos predominantes de bactérias intestinais) e a quantidade total de proteobactérias (outro grupo bacteriano) fossem comparáveis entre os grupos, os pacientes com diverticulite apresentavam maior diversidade de proteobactérias e de todos os phyla (grupos taxonômicos) bacterianos, sugerindo uma disbiose específica associada à doença.

Hábito intestinal

Durante décadas, a constipação foi considerada um importante fator causal da diverticulose. Entretanto, evidências científicas recentes têm desafiado esta noção tradicional. Contrariando expectativas, um estudo de coorte prospectivo conduzido por Peery e colaboradores encontrou uma associação inversa entre constipação e diverticulose – pacientes com constipação apresentavam, na realidade, menor risco de desenvolver divertículos.

Por outro lado, essa mesma pesquisa não identificou relação significativa entre diarreia e doença diverticular. Outros estudos têm confirmado a associação entre frequência evacuatória e risco de diverticulose, concluindo que pacientes com menos evacuações (menos de 7 por semana) apresentavam menor número de divertículos quando comparados àqueles com maior frequência evacuatória (mais de 7 por semana).

Estas descobertas contradizem diretamente as teorias anteriores e sugerem que mecanismos fisiopatológicos mais complexos, além da simples pressão intraluminal, estão envolvidos no desenvolvimento da doença diverticular.

Outros fatores de risco estabelecidos

Além dos fatores já mencionados, diversos outros fatores contribuem para o desenvolvimento e agravamento da doença diverticular, incluindo:

  • Medicamentos: uso prolongado de opióides (que diminuem a motilidade intestinal) e corticosteroides (que alteram a integridade do tecido conjuntivo)
  • Condições médicas: diabetes mellitus, hipertensão arterial, policitose (aumento anormal na contagem de células sanguíneas) e estados de imunossupressão
  • Fatores comportamentais: consumo excessivo de álcool e tabagismo
  • Dieta ocidental: pobre em fibras e rica em carnes vermelhas e gorduras de origem animal
  • Alterações fisiológicas: anormalidades na motilidade intestinal e na inervação do cólon

Processo diagnóstico da doença diverticular

O processo diagnóstico inclui dados clínicos, exames de rotina de laboratório para inflamação, exame de calprotectina nas fezes (para ver se há sinal de inflamação no intestino), colonoscopia, ultrassom, e ressonância magnética. Também inclui diferenciação de doença diverticular sintomática não complicada e síndrome do intestino irritável.

Um desafio importante é a diferenciação entre doença diverticular sintomática não complicada e síndrome do intestino irritável (SII), já que ambas podem apresentar dor abdominal e alterações do hábito intestinal. A presença de “sinais de alarme” como sangramento, anemia, perda de peso ou massa abdominal palpável favorecem causas orgânicas como a diverticulite sobre a SII.

Curso da doença

Compreender o curso natural da doença diverticular é essencial para decisões terapêuticas apropriadas. Dos muitos pacientes com diverticulose assintomática, aproximadamente 20% (1 em cada 5) desenvolvem doença diverticular sintomática ao longo da vida, caracterizada por dor abdominal recorrente e alterações do hábito intestinal.

Episódios prolongados de dor, particularmente quando acompanhados de febre, podem indicar diverticulite aguda, que por sua vez pode complicar-se com abscessos, perfuração, fístulas (comunicações anormais entre o intestino e outros órgãos) ou estenoses (estreitamentos do lúmen intestinal).

O que determina a transição da forma assintomática para a sintomática permanece obscuro, mas evidências sugerem que alterações neuromusculares intestinais, possivelmente secundárias a episódios subclínicos de inflamação, desempenham papel significativo. Adicionalmente, a severidade dos sintomas experimentados pelo paciente depende do processamento cerebral da dor, fortemente influenciado por fatores psicossociais como ansiedade, depressão e experiências prévias.

Como você pode ver, são vários fatores que podem estar envolvidos. Desde mecanismos subjacentes que causam a diverticulose, que incluem enfraquecimento da parede colônica e/ou mudanças degenerativas nos nervos entéricos (dos intestinos), até alterações na alimentação, na microbiota e na resposta inflamatória do paciente. Tudo isso pode estar subjacente ao desenvolvimento da diverticulite aguda ou crônica, bem como o seu curso e suas sequelas.

Conclusão

A doença diverticular representa uma condição multifatorial cuja prevalência continua aumentando globalmente. Seu desenvolvimento envolve uma complexa interação entre fatores genéticos, ambientais, inflamatórios e alterações da microbiota intestinal.

Contrariamente às noções tradicionais, evidências recentes sugerem que constipação não aumenta – e pode até reduzir – o risco de diverticulose, enquanto a obesidade, particularmente a gordura visceral, desempenha papel muito mais significativo do que anteriormente reconhecido.

O diagnóstico preciso requer combinação de avaliação clínica criteriosa e exames complementares apropriados, com a tomografia computadorizada representando o padrão-ouro para diagnóstico de complicações agudas.

Compreender os múltiplos fatores envolvidos no desenvolvimento da doença diverticular – desde o enfraquecimento da parede colônica e alterações neurodegenerativas entéricas até modificações na dieta, microbiota e resposta inflamatória – revela-se fundamental para o manejo adequado dos pacientes e desenvolvimento de estratégias preventivas eficazes.

Saiba mais sobre orientações sobre o consumo de sementes e sobre alimentação geral.

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