Pesquisas recentes sugerem que alguns pacientes com doença diverticular (DD) podem desenvolver sintomas devido a uma inflamação crônica de baixo grau, porém sem complicações graves, dando origem ao termo doença diverticular sintomática não complicada (DDSNC).
Esta condição compartilha notáveis semelhanças com a síndrome do intestino irritável (SII), visto que ambas se caracterizam por episódios recorrentes de dor abdominal e alterações do hábito intestinal, oscilando entre diarreia e constipação. Consequentemente, esta sobreposição sintomática tem gerado considerável confusão tanto no diagnóstico quanto na abordagem terapêutica.
SII ou DD?
Em 2012, o renomado gastroenterologista Spiller decidiu investigar esta questão mais profundamente. Ele analisou, primeiramente, os elementos comuns entre as condições, como níveis elevados de ansiedade, depressão e somatização. Esses fatores frequentemente associados à hipersensibilidade visceral em ambos os quadros. Entretanto, identificou também diferenças significativas: enquanto a DDSNC predomina em pacientes idosos do sexo masculino e se manifesta através de episódios dolorosos mais intensos e prolongados, a SII afeta principalmente mulheres jovens com sintomas geralmente menos severos.
Além disso, Spiller observou distinções fundamentais na fisiopatologia das duas condições. Na DDSNC, as alterações orgânicas intestinais aparentemente desempenham papel predominante na gênese dos sintomas, ao passo que na SII o eixo cérebro-intestino exerce influência maior, sem evidências de anormalidades estruturais significativas. Por fim, ele concluiu que as abordagens terapêuticas deveriam ser personalizadas conforme a anormalidade predominante em cada paciente.
SII pós diverticulite?
Um estudo de 2017 revelou dados particularmente interessantes sobre esta sobreposição. Em pacientes sem histórico prévio de patologia intestinal funcional, o risco de desenvolver SII aumenta cinco vezes após um episódio de diverticulite aguda. Estes indivíduos apresentam maior sensibilidade à dor e distensão tanto no cólon sigmóide quanto no reto, confirmando a hipersensibilidade visceral como mecanismo subjacente. Pesquisadores propõem que o aumento de neuropeptídios e alterações na inervação entérica contribuem para esta hipersensibilidade, enquanto fatores psicológicos também podem estar associados à dor recorrente em pacientes com diverticulose.
Além disso, transtornos da motilidade intestinal têm sido observados em pacientes com DDSNC, especialmente nos segmentos afetados por divertículos. Estudos demonstram uma redução nas células de Cajal (importantes para a motilidade intestinal) nestes pacientes quando comparados a indivíduos saudáveis, reforçando a possibilidade de uma entidade clínica distinta.
DD e SII
Toda esta controvérsia permaneceu sem resolução definitiva até 2019, quando o pesquisador Alamo retomou o tema à luz de novos estudos. Desconsiderando cenários clínicos diretamente relacionados aos divertículos (como diverticulite, hemorragia diverticular e suas complicações), ele formulou questões cruciais. Elas foram: seriam a SII e a DDSNC a mesma condição? Ou seria a DDSNC simplesmente uma manifestação da SII em indivíduos que, coincidentemente, apresentam divertículos?
Diversas evidências sugerem que a DDSNC constitui, de fato, uma entidade distinta. Primeiro, caracteriza-se por dor mais frequente e intensa quando comparada à SII. Segundo, similarmente às interações entre SII e outras condições intestinais, evidências epidemiológicas e fisiopatológicas indicam que episódios de diverticulite aguda podem desencadear o desenvolvimento subsequente da SII, fenômeno conhecido como “SII pós-diverticulite aguda” – comparável à SII pós-infecciosa.
Conclusão
O maior desafio diagnóstico ocorre em pacientes com mais de 60 anos, uma vez que a DDSNC manifesta-se tipicamente após esta idade, enquanto a SII geralmente surge entre os 30-40 anos. Pesquisas sugerem que a localização da dor pode auxiliar na diferenciação, assim como o exame de calprotectina fecal, cujos níveis tendem a ser mais elevados em pacientes com DDSNC em comparação àqueles com diverticulose, SII ou indivíduos saudáveis.
Embora tanto Alamo quanto estudos posteriores tenham aprofundado a compreensão sobre a relação entre estas condições, a distinção precisa entre DDSNC e SII permanece parcialmente obscura. Infelizmente, estas investigações ainda não resultaram em novas abordagens terapêuticas específicas para nenhuma das condições. Esse fato destaca a necessidade de pesquisas adicionais para esclarecer definitivamente esta complexa sobreposição clínica.
Saiba mais sobre quem desenvolve SII e por que.
Referências
- https://scielo.conicyt.cl/pdf/rmc/v145n2/art09.pdf
- http://Dig Dis. 2012;30(1):64-9. doi: 10.1159/000335721. Epub 2012 May 3.
- http://Curr Opin Gastroenterol. 2019 Jan;35(1):27-33. doi: 10.1097/MOG.0000000000000499.
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Mas, lembre-se: não é indicado manter a fase de exclusão da dieta de exclusão por mais que 6 semanas e, além disso, o acompanhamento profissional é importante porque parte dos pacientes possuem outras condições clínicas associadas que o protocolo não resolverá por completo e, portanto, necessita de condutas adicionais.