Por décadas, profissionais de saúde têm recomendado dietas ricas em fibras para pacientes com doença diverticular, tanto para tratamento quanto para prevenção de recorrências. Esta recomendação surgiu principalmente de dados epidemiológicos que mostravam uma correlação entre dietas pobres em fibras e maior incidência de diverticulose. No entanto, a análise crítica da literatura científica recente revela uma relação mais complexa entre consumo de fibras e saúde diverticular, demandando uma análise mais profunda sobre este tema. Vamos entender o que as evidências atuais realmente indicam.
Fibras evitam diverticulite?
Uma revisão sistemática conduzida por Carabotti e colaboradores (2017) analisou 19 estudos sobre o tema, incluindo ensaios clínicos e estudos observacionais. Destes, nove investigaram o efeito da fibra dietética (proveniente de alimentos) e dez avaliaram suplementos de fibras. Os pesquisadores enfrentaram dificuldades na análise comparativa devido à heterogeneidade metodológica, variações na quantidade e tipos de fibras estudadas, e diferenças nos desfechos avaliados.
Apesar destas limitações, os resultados principais sugeriram que tanto fibras dietéticas quanto suplementos podem oferecer benefícios para pacientes com doença diverticular sintomática não complicada. Os benefícios observados incluíram:
- Redução da dor abdominal em pacientes com diverticulose sintomática
- Potencial prevenção de crises agudas de diverticulite em alguns subgrupos de pacientes
Contudo, a revisão apontou importantes ressalvas que merecem consideração na prática clínica:
- A resposta às fibras variou significativamente entre os indivíduos estudados
- A qualidade metodológica de vários estudos era limitada
- Faltavam estudos de longo prazo com desfechos clínicos robustos
Considerações importantes
A abordagem “mais fibras é sempre melhor” pode ser inadequada e potencialmente prejudicial para alguns pacientes. Esta observação é particularmente relevante pelos seguintes motivos:
Individualização necessária: a tolerância e resposta às fibras variam consideravelmente entre indivíduos, necessitando uma abordagem personalizada.
Transição dietética abrupta: aumentar drasticamente o consumo de fibras, passando de uma dieta pobre para uma muito rica em fibras, pode ocasionar efeitos adversos. O aumento na produção de gases intestinais devido à fermentação bacteriana das fibras pode elevar a pressão intraluminal, potencialmente agravando a situação em pacientes com paredes colônicas já enfraquecidas.
Sobreposição com Síndrome do Intestino Irritável (SII): aproximadamente 10-25% dos pacientes desenvolvem sintomas semelhantes à SII após um episódio de diverticulite aguda, um fenômeno similar à SII pós-infecciosa observada após gastroenterites. Nestes casos, certos tipos de fibras fermentáveis, especialmente os carboidratos fermentáveis de cadeia curta (FODMAPs – Oligossacarídeos, Dissacarídeos, Monossacarídeos e Polióis Fermentáveis), podem exacerbar sintomas como distensão abdominal, dor e alterações do hábito intestinal.
Padrão alimentar saudável
Uma perspectiva mais holística sobre alimentação e doença diverticular emergiu do estudo de coorte prospectivo conduzido por Strate e colaboradores (2017), que acompanhou 46.295 homens sem histórico de diverticulite por 26 anos (1986-2012). Em vez de focar apenas no consumo de fibras, os pesquisadores avaliaram padrões alimentares completos utilizando análise de componentes principais, uma técnica estatística que identifica agrupamentos de alimentos frequentemente consumidos juntos.
Dois padrões alimentares distintos foram identificados:
- Padrão “Ocidental”: caracterizado pelo alto consumo de carnes vermelhas processadas e não processadas, grãos refinados, doces, sobremesas e laticínios com alto teor de gordura.
- Padrão “Prudente”: marcado pelo consumo predominante de vegetais, frutas, leguminosas, peixes, aves e grãos integrais.
Os resultados foram reveladores:
- Homens no quintil mais alto do padrão “Ocidental” apresentaram um risco 55% maior de desenvolver diverticulite comparados àqueles no quintil mais baixo.
- Em contraste, o padrão “Prudente” associou-se a uma redução de 25% no risco de diverticulite quando comparados os quintis extremos.
Análises estatísticas adicionais indicaram que estes efeitos eram principalmente mediados pelo consumo de fibras e carne vermelha. Contudo, o padrão alimentar como um todo ofereceu informações mais abrangentes do que a análise isolada destes nutrientes.
Recomendações sobre o consumo de fibras para evitar diverticulite
Considerando o conjunto de evidências disponíveis, é possível estabelecer algumas diretrizes gerais para orientação nutricional em pacientes com doença diverticular:
- Aumento gradual do consumo de fibras: para pacientes com baixo consumo habitual, o incremento deve ser progressivo, aumentando 5g a cada semana até atingir o consumo diário recomendado (25-30g para mulheres e 30-38g para homens).
- Foco em fibras solúveis inicialmente: fibras solúveis (como as presentes na aveia, frutas sem casca, vegetais cozidos e leguminosas bem cozidas) tendem a ser melhor toleradas e podem ajudar a normalizar o trânsito intestinal sem produzir excessiva fermentação.
- Atenção à tolerância individual: monitoramento cuidadoso dos sintomas após introdução de novos alimentos ricos em fibras, ajustando conforme a resposta individual.
- Priorização de padrão alimentar equilibrado: em vez de concentrar-se exclusivamente nas fibras, adotar um padrão alimentar similar ao “Prudente”, com adequado consumo de vegetais, frutas, grãos integrais e limitação de carnes vermelhas e processadas.
- Moderação no consumo de carnes vermelhas: limitar a ingestão a 500g por semana (peso cozido), preferindo métodos de preparo que minimizem a formação de compostos potencialmente pró-inflamatórios.
- Hidratação adequada: o aumento no consumo de fibras deve ser acompanhado por aumento proporcional na ingestão de líquidos (mínimo de 2 litros diários para adultos saudáveis).
- Consideração especial para pacientes com sintomas semelhantes à SII: para indivíduos que desenvolveram sensibilidade visceral aumentada após diverticulite, uma abordagem de restrição temporária de FODMAPs pode ser considerada, com posterior reintrodução seletiva, sempre sob orientação profissional.
Conclusão
A relação entre fibras alimentares e doença diverticular é mais complexa do que anteriormente se pensava. As evidências atuais não apoiam uma abordagem simplista de “quanto mais fibras, melhor”. Ao invés disso, sugerem que um padrão alimentar equilibrado, com quantidade adequada de fibras (conforme recomendações para população geral), consumo moderado de carnes vermelhas e introdução gradual de alimentos fonte de fibras, representa a estratégia mais prudente.
O conceito de “adequado” em termos de fibras refere-se às recomendações nutricionais estabelecidas por órgãos oficiais: 25-30g diários para mulheres adultas e 30-38g diários para homens adultos, idealmente provenientes de fontes alimentares variadas que forneçam diferentes tipos de fibras (solúveis e insolúveis).
Cada paciente com doença diverticular deve receber orientação nutricional individualizada, considerando seu histórico clínico, quadro atual, tolerância alimentar e preferências. Esta abordagem personalizada, fundamentada em evidências científicas atualizadas, oferece o melhor potencial para manejo efetivo da condição e melhora da qualidade de vida.
É fundamental ressaltar que estas orientações representam diretrizes gerais e simplificadas que não substituem a avaliação e acompanhamento por profissionais de saúde qualificados, que poderão adaptar as recomendações às necessidades específicas de cada indivíduo.
Referências
- Carabotti M, Annibale B, Severi C, Lahner E. Role of Fiber in Symptomatic Uncomplicated Diverticular Disease: A Systematic Review. Nutrients. 2017;9(2):161.
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