Nutricionista Adriana Lauffer

Antidepressivos na Síndrome do Intestino Irritável

antidepressivo para síndrome do intestino irritável

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) afeta cerca de 10-15% da população mundial, causando sintomas como dor abdominal, alterações no hábito intestinal, distensão abdominal e desconforto digestivo crônico. Apesar do nome sugerir um problema exclusivamente intestinal, a SII é considerada um distúrbio da interação intestino-cérebro, onde tanto fatores psicológicos quanto gastrointestinais desempenham papéis fundamentais.

Esta perspectiva multifatorial explica por que medicamentos originalmente desenvolvidos para tratar condições psiquiátricas, como os antidepressivos, têm se mostrado surpreendentemente eficazes no tratamento da SII. Neste artigo, vamos entender o papel dos antidepressivos no manejo desta condição digestiva complexa, explicando seu mecanismo de ação, eficácia e considerações importantes para os pacientes.Muitos pacientes questionam o uso de antidepressivos na síndrome do intestino irritável (SII) por não entenderem bem as razões para isso.

Porque alguns pacientes com SII podem precisar de antidepressivos

Alguns pacientes com SII podem precisar de antidepressivos por várias razões importantes, mesmo quando não apresentam depressão clínica.

Primeiramente, muitos antidepressivos, especialmente os tricíclicos como a amitriptilina, possuem efeitos analgésicos diretos em doses mais baixas que as usadas para tratar depressão. Eles modulam a percepção da dor ao atuar nas vias de transmissão da dor entre o intestino e o cérebro, ajudando a reduzir a hipersensibilidade visceral característica da SII.

Além disso, a conexão intestino-cérebro desempenha papel fundamental na SII. Cerca de 95% da serotonina do corpo é produzida no intestino, não no cérebro, e esse neurotransmissor regula tanto a motilidade intestinal quanto a sensibilidade à dor. Dessa forma, os antidepressivos podem ajustar os níveis de serotonina e outros neurotransmissores, normalizando essa comunicação desregulada.

Os antidepressivos também têm efeitos diretos sobre o funcionamento intestinal. Por exemplo, os tricíclicos tendem a reduzir a motilidade intestinal, sendo úteis para pacientes com SII com predomínio de diarreia, enquanto os inibidores seletivos da recaptação de serotonina podem acelerar o trânsito intestinal, beneficiando pacientes com SII com constipação predominante.

Finalmente, como a SII frequentemente coexiste com ansiedade e estresse, mesmo que não em nível de transtorno clínico, os antidepressivos podem ajudar a quebrar o ciclo de amplificação mútua entre sintomas físicos e sofrimento psicológico, melhorando ambos os aspectos da condição.

Comunicação entre o cérebro e o intestino

Para compreender por que antidepressivos funcionam na SII, precisamos primeiro entender a relação bidirecional entre o intestino e o cérebro. O trato gastrointestinal possui seu próprio sistema nervoso, conhecido como sistema nervoso entérico, composto por mais de 100 milhões de neurônios – mais do que na medula espinhal. Este “segundo cérebro” se comunica constantemente com o sistema nervoso central (cérebro) através do nervo vago e outras vias neurais, hormonais e imunológicas.

Na SII, esta comunicação encontra-se desregulada de várias formas:

  • A sensibilidade visceral está aumentada (hipersensibilidade visceral), fazendo com que sensações intestinais normais sejam percebidas como dolorosas ou desconfortáveis
  • A motilidade intestinal pode estar alterada, levando à diarreia, constipação ou alternância entre ambas
  • O processamento central da dor é modificado, com alterações na forma como o cérebro interpreta os sinais vindos do intestino
  • Desequilíbrios nos neurotransmissores, como serotonina, noradrenalina e dopamina, afetam tanto o humor quanto a função intestinal

Curiosamente, até 80% da serotonina do corpo é produzida no intestino, não no cérebro, evidenciando ainda mais esta importante conexão.

Como os antidepressivos atuam na SII

Os antidepressivos utilizados no tratamento da SII incluem principalmente duas classes: antidepressivos tricíclicos (ADTs) e inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). Cada classe funciona de maneira ligeiramente diferente, mas ambas influenciam os neurotransmissores envolvidos tanto na regulação do humor quanto na função intestinal.

Antidepressivos tricíclicos (ADTs)

Os ADTs, como amitriptilina, nortriptilina e desipramina, são geralmente os mais estudados e utilizados para SII. Eles funcionam através de vários mecanismos:

  • Modulam a percepção da dor ao afetar os canais de sódio nas vias nervosas que transmitem sinais de dor
  • Atuam no sistema nervoso central para alterar como o cérebro processa os sinais de dor vindos do intestino
  • Influenciam a motilidade intestinal, sendo particularmente úteis na SII com predomínio de diarreia
  • Reduzem a hipersensibilidade visceral, diminuindo a intensidade com que sensações intestinais são percebidas

Um aspecto importante é que as doses utilizadas para SII são significativamente menores que as doses para depressão – geralmente um terço ou menos da dose antidepressiva padrão. Isso permite benefícios em termos de controle da dor e função intestinal com menor risco de efeitos colaterais.

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs)

Os ISRSs, como fluoxetina, paroxetina, sertralina e citalopram, funcionam aumentando a disponibilidade de serotonina nas sinapses nervosas. Na SII, eles podem:

  • Melhorar os sintomas da ansiedade e depressão que frequentemente coexistem com a SII e podem exacerbá-la
  • Normalizar a motilidade intestinal, sendo mais úteis na SII com predomínio de constipação
  • Reduzir a intensidade da dor através de vias descendentes de inibição da dor

Ao contrário dos ADTs, os ISRSs geralmente são utilizados em doses semelhantes às usadas para tratar depressão.

Eficácia comprovada por pesquisas

Diversos estudos e meta-análises têm demonstrado a eficácia dos antidepressivos no tratamento da SII. Uma meta-análise publicada no American Journal of Gastroenterology concluiu que os antidepressivos são significativamente mais eficazes que o placebo na melhora global dos sintomas da SII, com um número necessário para tratar (NNT) de aproximadamente 4, indicando alta eficácia.

Os benefícios específicos observados incluem:

  • Redução da dor abdominal em 55-70% dos pacientes
  • Melhora na consistência e frequência das evacuações
  • Redução da urgência intestinal
  • Diminuição da sensação de inchaço e distensão abdominal
  • Melhora na qualidade de vida relacionada à saúde digestiva

É importante ressaltar que a resposta aos antidepressivos na SII não depende da presença de depressão ou ansiedade comórbidas, embora pacientes com essas condições possam experimentar benefícios adicionais.

Escolhendo o antidepressivo adequado

A seleção do antidepressivo depende principalmente do subtipo predominante de SII e do perfil de sintomas:

  • SII com predomínio de diarreia (SII-D): os ADTs são geralmente preferidos devido a seus efeitos anticolinérgicos que reduzem a motilidade intestinal e as secreções, diminuindo a frequência de evacuações.
  • SII com predomínio de constipação (SII-C): os ISRSs tendem a ser mais úteis, pois podem acelerar o trânsito intestinal e melhorar a constipação.
  • SII com padrão misto ou alternante (SII-M): a escolha pode depender de outros fatores, como efeitos colaterais, preferências do paciente e sintomas predominantes em um determinado momento.
  • SII com dor abdominal significativa: os ADTs são frequentemente mais eficazes para o componente de dor.

Efeitos colaterais

Embora eficazes, os antidepressivos não são isentos de efeitos colaterais, que podem incluir:

Para ADTs:

  • Boca seca
  • Visão turva
  • Constipação (pode ser benéfico na SII-D)
  • Sonolência (pode ser útil se tomado à noite para pacientes com insônia)
  • Retenção urinária
  • Ganho de peso com uso prolongado

Para ISRSs:

  • Náusea (geralmente transitória)
  • Diarreia (pode ser benéfico na SII-C)
  • Disfunção sexual
  • Inquietação ou nervosismo inicial
  • Insônia ou sonolência

Os efeitos colaterais são uma das principais razões pelas quais muitos pacientes descontinuam o tratamento. Por isso, é crucial iniciar com doses baixas e aumentar gradualmente, além de manter uma comunicação aberta com o médico sobre quaisquer efeitos adversos.

Abordagem Integrada ao Tratamento

É importante entender que os antidepressivos representam apenas uma parte de uma abordagem integrada para o tratamento da SII. Outras intervenções importantes incluem:

  • Modificações dietéticas: como a dieta baixa em FODMAPs, que reduz carboidratos fermentáveis que podem exacerbar os sintomas
  • Terapias psicológicas: especialmente terapia cognitivo-comportamental e hipnoterapia dirigida ao intestino, que têm evidências robustas de eficácia
  • Exercício físico regular: que melhora a motilidade intestinal e reduz o estresse
  • Técnicas de manejo do estresse: como mindfulness, yoga e meditação
  • Probióticos: alimentos fermentados equilibrar a microbiota intestinal
  • Outros medicamentos: direcionados a sintomas específicos, como antiespasmódicos, laxantes ou antidiarreicos, também podem ser necessários

Quando Considerar Antidepressivos para SII?

Os antidepressivos geralmente não são a primeira linha de tratamento para todos os pacientes com SII. Eles são mais frequentemente considerados quando:

  • Os sintomas são moderados a graves
  • Tratamentos de primeira linha (como modificações dietéticas e antiespasmódicos) não foram suficientes
  • A dor abdominal é um componente significativo
  • Há comorbidades como ansiedade ou depressão
  • A qualidade de vida está significativamente comprometida

Conclusão

Os antidepressivos representam uma opção terapêutica valiosa no arsenal de tratamentos para a Síndrome do Intestino Irritável, especialmente para pacientes com sintomas moderados a graves que não responderam adequadamente a outras intervenções. Sua eficácia não se limita aos pacientes com distúrbios de humor concomitantes, demonstrando o papel fundamental da conexão intestino-cérebro na fisiopatologia da SII.

Entretanto, como qualquer medicamento, os antidepressivos devem ser usados sob supervisão médica cuidadosa, com monitoramento regular dos efeitos colaterais e da resposta terapêutica. A abordagem ideal envolve uma combinação personalizada de tratamentos, considerando as características individuais de cada paciente, o subtipo de SII e as comorbidades existentes.

Se você sofre de SII e está considerando essa opção de tratamento, converse com seu gastroenterologista sobre os potenciais benefícios e riscos dos antidepressivos para seu caso específico. Lembre-se que o objetivo final é melhorar não apenas os sintomas físicos, mas também recuperar a qualidade de vida e o bem-estar geral.

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Mas, lembre-se: não é indicado manter a fase de exclusão da dieta de exclusão por mais que 6 semanas e, além disso, o acompanhamento profissional é importante porque parte dos pacientes possuem outras condições clínicas associadas que o protocolo não resolverá por completo e, portanto, necessita de condutas adicionais.

Referências

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