Nutricionista Adriana Lauffer

Quando a dieta FODMAP não funciona

quando a dieta fodmap não funciona

A dieta baixa em FODMAPs (Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides, and Polyols) ganhou popularidade nos últimos anos como tratamento para síndrome do intestino irritável (SII) e outros distúrbios digestivos funcionais. Diversos estudos clínicos demonstram que esta abordagem alimentar pode reduzir significativamente os sintomas em até 75% dos pacientes com SII. No entanto, nem todos respondem positivamente a esta intervenção dietética. Neste artigo, exploraremos as razões pelas quais a dieta low FODMAP pode não funcionar para algumas pessoas e as possíveis alternativas a serem consideradas.

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Por que a dieta Low FODMAP pode falhar?

Diagnóstico de SII incorreto

O primeiro e mais fundamental aspecto a considerar quando a dieta low FODMAP não produz resultados é a possibilidade de um diagnóstico incorreto. Os sintomas gastrointestinais, como inchaço, gases, dor abdominal e alterações do hábito intestinal podem estar relacionados a diversas condições além da SII. Doença celíaca, doença inflamatória intestinal (DII), supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO), intolerância à histamina, ou mesmo neoplasias podem apresentar sintomas similares aos da SII, porém não respondem adequadamente à restrição de FODMAPs.

Por este motivo, antes de iniciar qualquer dieta restritiva, é fundamental realizar uma investigação diagnóstica completa com um gastroenterologista. Exames como colonoscopia, endoscopia, testes respiratórios e análises laboratoriais específicas podem ser necessários para descartar outras condições. Se você já fez os exames, convém rever o diagnóstico diferencial com seu médico.

Orientação inadequada da dieta Low FODMAP

A dieta low FODMAP é complexa e exige conhecimento detalhado sobre os alimentos permitidos e restringidos em cada fase. Muitas pessoas tentam implementá-la sem orientação profissional adequada, o que frequentemente leva a erros na identificação de alimentos problemáticos. A lista de alimentos ricos em FODMAPs é extensa e contra-intuitiva em alguns casos – por exemplo: pode comer laranja, mas é preciso evitar suco de laranja, ou, pode comer beterraba em conserva, mas sé preciso evitar beterraba crua ou cozida.

Além disso, é crucial seguir corretamente as três fases da dieta: eliminação, reintrodução e personalização. Muitos pacientes permanecem indefinidamente na fase restritiva, o que não apenas torna a dieta insustentável a longo prazo, mas também pode comprometer a saúde do microbioma intestinal.

Outros gatilhos desencadeantes dos sintomas da SII

Para muitas pessoas, os FODMAPs representam apenas uma parte do problema. Outros fatores alimentares, como gorduras, cigarro, cafeína, álcool ou mesmo o tamanho e a temperatura das refeições podem desencadear sintomas digestivos. Além disso, fatores não relacionados à dieta também exercem influência significativa:

  • Estresse e ansiedade: o eixo cérebro-intestino é uma via bidirecional pela qual o sistema nervoso central e o trato gastrointestinal se comunicam. Estados psicológicos alterados podem aumentar a sensibilidade visceral e exacerbar os sintomas da SII.
  • Distúrbios da motilidade intestinal: alterações no ritmo e na força das contrações intestinais podem ocorrer independentemente da ingestão de FODMAPs.
  • Disbiose intestinal: desequilíbrios no microbioma que não são corrigidos apenas com a modificação dietética podem fazer perpetuar os sintomas.
  • Distúrbios da função da barreira intestinal: aumento da permeabilidade intestinal (“leaky gut”) pode contribuir para sintomas persistentes.

Deficiências enzimáticas

Sabe-se que a intolerância à lactose pode estar presente em pessoas com SII. No entanto, estudos têm mostrado que pode haver a deficiência de uma enzima específica que contribui para a má digestão de carboidratos e amidos em pessoas com SII: a deficiência de sacarase-isomaltase.

A enzima sacarase-isomaltase (SI) é produzida nas microvilosidades intestinais e desempenha um papel crucial na digestão de carboidratos. Estudos genéticos revelaram que variantes genéticas que afetam a função da SI são mais comuns em pacientes com SII do que na população geral. Estas variantes resultam em atividade enzimática reduzida, o que explica por que muitos pacientes com SII reportam piora dos sintomas após consumo de alimentos ricos em sacarose e amido.

Esta relação ajuda a explicar porque a dieta low FODMAP é eficaz para muitos pacientes com SII, pois reduz a ingestão de carboidratos fermentáveis como a sacarose, frutanos e alguns amidos específicos.

O diagnóstico pode ser realizado através de testes respiratórios de hidrogênio após carga de sacarose ou testes genéticos para identificar variantes da SI. O tratamento geralmente inclui modificações dietéticas e suplementação com a enzima que, até o momento, não está disponível no Brasil.

O que fazer quando a dieta Low FODMAP não funciona

Avaliar SIBO

O supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) é frequentemente encontrado em pacientes com SII e pode ser a razão pela qual a dieta low FODMAP oferece apenas alívio parcial ou temporário. O SIBO ocorre quando bactérias que normalmente habitam o intestino grosso colonizam o intestino delgado em quantidades anormais. Saiba mais sobre SIBO.

Investigar intolerância à histamina

A intolerância à histamina resulta de um desequilíbrio entre a histamina acumulada e a capacidade de degradá-la. Pessoas com esta condição frequentemente experimentam sintomas digestivos, intestinais, cutâneos, respiratórios e neurológicos após a ingestão de alimentos ricos em histamina. Saiba mais sobre Intolerância à histamina.

Avaliar outras intolerâncias alimentares

Além da intolerância à histamina, várias outras condições relacionadas a intolerâncias alimentares frequentemente se sobrepõem aos sintomas da SII, confundindo o diagnóstico e complicando o tratamento. A sensibilidade não-celíaca ao glúten, diferente da doença celíaca, manifesta-se com sintomas que mimetizam a SII.

As intolerâncias aos salicilatos (presentes em frutas, vegetais, chás, condimentos e medicamentos) e aos oxalatos (encontrados em vegetais de folhas verdes, nozes e chocolate) também podem desencadear respostas inflamatórias que se manifestam com sintomas gastrointestinais facilmente confundidos com a SII.

A mucosite do níquel é outra condição importante que pode ser confundida com a Síndrome do Intestino Irritável (SII), apresentando sintomas gastrointestinais semelhantes que complicam o diagnóstico diferencial.

Por fim, as aminas biogênicas (tiramina e feniletilamina em queijos maturados, chocolate e fermentados) podem provocar reações sistêmicas e gastrointestinais em indivíduos suscetíveis, especialmente quando há desregulação das enzimas de detoxificação como a monoamina oxidase.

Incluir terapias mente-corpo para SII

A eficácia de intervenções psicológicas para distúrbios digestivos funcionais está bem estabelecida na literatura científica. Técnicas como:

  • Hipnoterapia dirigida ao intestino: apresenta resultados impressionantes em ensaios clínicos para SII.
  • Terapia cognitivo-comportamental: ajuda a modificar pensamentos e comportamentos que perpetuam ou amplificam os sintomas.
  • Técnicas de relaxamento e mindfulness: reduzem a ativação do sistema nervoso simpático que pode desencadear ou amplificar sintomas digestivos e intestinais.

Estas abordagens podem ser especialmente úteis quando fatores de estresse psicológico desempenham papel importante na sintomatologia. Afinal, sabe-se que as emoções contribuem para os sintomas da SII.

Conclusão

A dieta low FODMAP, embora eficaz para muitos, não é uma solução universal para todos os problemas digestivos. Quando esta abordagem falha, é fundamental adotar uma visão mais ampla, considerando outros fatores alimentares e não alimentares que possam estar contribuindo para os sintomas.

Se você implementou corretamente a dieta low FODMAP sob supervisão profissional e não obteve melhora significativa após 2-6 semanas na fase de eliminação, é recomendável consultar um gastroenterologista para reavaliar seu diagnóstico e estratégia de tratamento.

A chave para o sucesso no manejo de distúrbios gastrointestinais complexos frequentemente reside em uma abordagem integrada e personalizada, combinando modificações dietéticas específicas, suplementos adequados, manejo do estresse e, quando necessário, intervenções farmacológicas sob orientação médica.

Lembre-se de que cada organismo é único, e o que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. Portanto, perseverança e trabalho conjunto com profissionais de saúde qualificados são essenciais para encontrar a combinação de estratégias que melhor atenda às suas necessidades individuais.

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No entanto, para os passos seguintes do protocolo é preciso de um profissional experiente para orientar como fazer os testes, para interpretá-los e sobre como personalizar a sua alimentação. Lembre-se de que os profissionais não indicam a manutenção da fase de exclusão da dieta por mais de 6 semanas. Além disso, o acompanhamento profissional é importante porque parte dos pacientes possuem outras condições clínicas associadas que o protocolo não resolverá por completo e, portanto, necessita de condutas adicionais.

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