Nutricionista Adriana Lauffer

Probióticos Antes dos Antibióticos: Vale a Pena?

uso de probióticos antes dos antibióticos

Os antibióticos desempenham um papel essencial no combate a infecções bacterianas, salvando incontáveis vidas desde sua descoberta. No entanto, estes medicamentos atuam como “armas de largo espectro”, eliminando tanto bactérias patogênicas quanto microrganismos benéficos que compõem nossa microbiota intestinal. Este efeito colateral indesejado frequentemente resulta em desequilíbrios do ecossistema intestinal, causando desde sintomas leves como diarreia, até disbiose e condições potencialmente graves como a infecção por Clostridioides difficile.

Diante deste cenário, muitos pesquisadores e clínicos têm investigado estratégias para minimizar o impacto negativo dos antibióticos na microbiota. Uma dessas abordagens envolve o uso de probióticos – microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro. Mas quando exatamente devemos iniciar a suplementação probiótica? Antes, durante ou após o tratamento antibiótico?

O impacto dos antibióticos na microbiota

Para compreender a importância dessa questão, precisamos primeiro explorar como os antibióticos afetam nosso ecossistema intestinal. Estudos de sequenciamento metagenômico revelam que um único ciclo de antibióticos pode reduzir dramaticamente a diversidade microbiana intestinal em até 30%, com algumas populações bacterianas demorando meses ou até anos para se recuperarem completamente.

Esta perturbação ecológica causa vários efeitos em cascata:

  1. Alteração na função de barreira intestinal: a diminuição de bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (como butirato) enfraquece a integridade do epitélio intestinal, aumentando sua permeabilidada.
  2. Modulação imunológica prejudicada: a microbiota alterada produz menos compostos imunomoduladores, afetando a maturação e função das células imunes intestinais.
  3. Expansão de patógenos oportunistas: a redução da competição ecológica permite a proliferação de microrganismos potencialmente prejudiciais, como C. difficile, resultando em infecção em 5-35% dos pacientes após antibioticoterapia, dependendo do tipo de antibiótico e do ambiente clínico.
  4. Distúrbios metabólicos: alterações na capacidade de fermentação de carboidratos complexos e metabolismo de ácidos biliares geram sintomas como flatulência, distensão abdominal e alterações no hábito intestinal.

Juntos, estes efeitos caracterizam a “disbiose associada a antibióticos” (DAA), que pode persistir por meses após o término do tratamento.

A estratégia do pré-condicionamento com probióticos

A ideia de iniciar probióticos antes dos antibióticos baseia-se no conceito ecológico de “resistência à invasão” – quanto mais estabelecida e diversa for a comunidade microbiana intestinal, maior sua capacidade de resistir a perturbações. Teoricamente, aumentar populações de bactérias benéficas antes do “ataque” antibiótico poderia:

  1. Fortalecer a microbiota residente: probióticos podem estimular o crescimento de bactérias comensais benéficas através da produção de bacteriocinas e modulação do pH intestinal.
  2. Ocupar nichos ecológicos: a colonização prévia com probióticos pode dificultar a expansão de patógenos após a perturbação antibiótica por competição por nutrientes e sítios de adesão.
  3. Preparar o sistema imune intestinal: certos probióticos estimulam a produção de IgA secretória e modulam as células dendríticas intestinais, o que pode atenuar a resposta inflamatória durante a antibioticoterapia.

O que dizem os estudos?

Apesar da lógica convincente, as evidências sobre o pré-condicionamento com probióticos ainda são limitadas em comparação com estudos sobre seu uso durante ou após antibióticos.

Um ensaio clínico randomizado por Engelbrektson et al. (2009) avaliou o efeito de um preparado multi-cepa iniciado 7 dias antes da antibioticoterapia, continuando durante e 14 dias após o tratamento. Os resultados mostraram uma redução significativa na disbiose induzida por antibióticos quando comparado ao grupo que iniciou probióticos apenas junto com o antibiótico.

Similarmente, um estudo de Kabbani et al. (2017) demonstrou que pacientes que já usavam probióticos regularmente antes de iniciar antibióticos apresentaram taxas significativamente menores de diarreia associada a antibióticos (12% vs. 34% no grupo controle).

Uma metanálise de 2018 incluindo 33 estudos com 6.352 participantes confirmou que probióticos reduzem o risco de diarreia associada a antibióticos em aproximadamente 60%, mas não analisou especificamente o momento ideal para início da suplementação.

As diretrizes da Organização Mundial de Gastroenterologia (2017) e da Associação Europeia de Gastroenterologia (2020) recomendam o uso de probióticos para prevenção da diarreia associada a antibióticos, mas não estabelecem consenso sobre a necessidade de pré-condicionamento, citando evidências insuficientes para uma recomendação formal.

Cepas probióticas e dosagens são importantes

É fundamental ressaltar que os efeitos dos probióticos são cepa-específicos. As cepas mais extensivamente estudadas para prevenção de complicações associadas a antibióticos incluem:

  1. Lactobacillus rhamnosus GG: demonstrou eficácia na redução de diarreia associada a antibióticos em múltiplos ensaios clínicos, com dosagens entre 10⁹ a 10¹⁰ UFC/dia.
  2. Saccharomyces boulardii CNCM I-745: uma levedura não patogênica com evidências robustas para prevenção tanto de diarreia associada a antibióticos quanto de infecção recorrente por C. difficile, na dosagem de 250-500mg, duas vezes ao dia.
  3. Lactobacillus acidophilus CL1285 + L. casei LBC80R + L. rhamnosus CLR2 (combinação): Estudos mostram eficácia particularmente em ambiente hospitalar, com dosagem de 5×10¹⁰ UFC/dia.
  4. Bifidobacterium longum BB536: demonstrou capacidade de restaurar mais rapidamente a composição da microbiota após antibioticoterapia, em doses de 10⁹ UFC/dia.

A eficácia destas cepas depende significativamente da dosagem administrada, sendo geralmente necessárias concentrações acima de 10⁹ UFC diárias para observar efeitos clínicos relevantes.

Considerações e recomendações para o uso de probióticos antes de antibióticos

Com base na literatura científica atual, podemos estabelecer as seguintes recomendações para otimizar o uso de probióticos no contexto da antibioticoterapia:

Tempo de administração

Se possível, iniciar probióticos 5-7 dias antes do início dos antibióticos representa uma abordagem ideal, principalmente para:

  • Pacientes com histórico de diarreia associada a antibióticos;
  • Indivíduos em uso de antibióticos de amplo espectro (como fluoroquinolonas, clindamicina ou combinações de beta-lactâmicos com inibidores de beta-lactamase);
  • Idosos ou pacientes hospitalizados, que apresentam maior risco de infecção por C. difficile.

Para quem não iniciou previamente, ainda há benefício significativo em começar os probióticos simultaneamente ao antibiótico, continuando a suplementação por pelo menos 1-2 semanas após o término do tratamento antimicrobiano.

Intervalo entre administrações

Para maximizar a sobrevivência das cepas probióticas:

  • Administrar o probiótico pelo menos 2-3 horas após a dose do antibiótico;
  • Idealmente, tomar o probiótico com alimentos (exceto S. boulardii, que pode ser administrado com ou sem alimentos);
  • Evitar bebidas extremamente quentes junto com o probiótico, pois temperaturas elevadas inativam as bactérias vivas.

Populações especiais que requerem cautela

Certos grupos de pacientes devem consultar um médico antes de utilizar probióticos, incluindo:

  • Imunocomprometidos graves (neutropênicos, receptores recentes de transplante, pacientes em quimioterapia intensiva);
  • Recém-nascidos prematuros;
  • Pacientes com cateteres venosos centrais;
  • Indivíduos com pancreatite aguda grave.

Nestes casos, existe um risco teórico, embora extremamente raro, de translocação bacteriana ou fungemia associada a probióticos.

Interações medicamentosas

Além dos antibióticos, outros medicamentos podem interagir com probióticos:

  • Imunossupressores: podem aumentar o risco de infecção por probióticos em pacientes suscetíveis.
  • Antifúngicos sistêmicos: reduzem significativamente a eficácia de S. boulardii.
  • Anticoagulantes: alguns estudos sugerem uma interação teórica com S. boulardii, embora as evidências sejam limitadas.

Por outro lado, os probióticos podem potencializar os efeitos de certos medicamentos:

  • Melhoram a resposta a imunomoduladores em doenças inflamatórias intestinais.
  • Podem aumentar a biodisponibilidade de certos medicamentos ao melhorar a função da barreira intestinal.

Conclusão

O pré-condicionamento da microbiota intestinal com probióticos antes da antibioticoterapia representa uma estratégia promissora para reduzir os efeitos adversos gastrointestinais dos antibióticos. Embora as evidências específicas sobre esta abordagem ainda estejam evoluindo, os dados disponíveis sugerem benefícios potenciais, especialmente em populações de alto risco.

Uma consideração importante é que os probióticos não devem ser vistos como substitutos de antibióticos necessários ou como justificativa para o uso indiscriminado destes medicamentos. Em vez disso, representam uma ferramenta complementar para minimizar danos colaterais da antibioticoterapia quando esta é clinicamente indicada.

Futuros estudos, incluindo análises metagenômicas do microbioma intestinal antes e depois de diferentes protocolos de administração de probióticos, ajudarão a esclarecer os mecanismos exatos e a otimizar as recomendações nesta área em constante evolução.

Para decisões individualizadas, consulte sempre um gastroenterologista ou nutricionista especializado, que poderá avaliar seu caso específico e recomendar a abordagem mais adequada com base em seu histórico médico, tipo de antibiótico prescrito e fatores de risco pessoais.

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