Nutricionista Adriana Lauffer

Como deixar de usar laxante

como deixar de usar laxante

O uso regular de laxantes tornou-se extremamente comum na sociedade moderna, principalmente devido ao estilo de vida sedentário, alimentação pobre em fibras e estresse crônico. Entretanto, muitas pessoas não percebem que o uso contínuo dessas substâncias pode levar à dependência intestinal e comprometer seriamente a saúde digestiva no longo prazo. Felizmente, é possível reverter esse quadro e restaurar a função intestinal natural através de mudanças graduais e consistentes nos hábitos diários. Neste artigo, apresentaremos estratégias baseadas em evidências científicas para abandonar os laxantes de forma segura, enquanto promovemos a saúde intestinal de maneira sustentável.

Por que deixar de usar laxantes?

O uso prolongado de laxantes, especialmente os estimulantes como bisacodil e senna, altera significativamente o funcionamento natural do intestino. Primeiramente, esses medicamentos interrompem o ritmo natural de contrações intestinais, criando um ciclo de dependência onde o corpo gradualmente perde a capacidade de evacuar sem estímulo farmacológico. Além disso, os laxantes podem causar desequilíbrios eletrolíticos, principalmente de potássio, sódio e magnésio, aumentando o risco de arritmias cardíacas e fraqueza muscular. Consequentemente, muitas pessoas desenvolvem o chamado “intestino preguiçoso”, condição em que o órgão perde progressivamente sua motilidade natural.

Planejando a transição

Abandonar os laxantes requer um planejamento cuidadoso e, preferencialmente, supervisão médica. Inicialmente, converse com um gastroenterologista sobre sua intenção de interromper o uso, principalmente se você utiliza laxantes regularmente há muito tempo. Este profissional poderá recomendar uma redução gradual da dosagem ou a substituição por alternativas mais suaves. Paralelamente, comece a implementar mudanças no estilo de vida que favorecerão seu processo de recuperação intestinal. Finalmente, mantenha expectativas realistas, pois a recuperação completa da função intestinal pode levar de algumas semanas a alguns meses, dependendo da duração e intensidade do uso anterior.

Estratégias nutricionais

A alimentação desempenha papel fundamental na constipação intestinal. Portanto, aumente gradativamente o consumo de fibras solúveis e insolúveis, encontradas em frutas, vegetais, leguminosas e grãos integrais. As fibras solúveis, presentes em aveia, maçãs e sementes de chia, formam um gel que amolece as fezes e facilita sua passagem pelo intestino. Já as fibras insolúveis, abundantes em farelos, nozes e cascas de frutas, aumentam o volume do bolo fecal e estimulam os movimentos peristálticos.

Hidratação adequada

A hidratação adequada também é crucial nesse processo. Consuma pelo menos 2 litros de água diariamente, pois a desidratação torna as fezes ressecadas e dificulta sua eliminação. Além da água pura, chás de ervas como camomila e hortelã podem auxiliar na hidratação e promover relaxamento intestinal. Paralelamente, reduza ou elimine alimentos que tendem a causar constipação, como alimentos processados, carnes vermelhas em excesso, laticínios e alimentos ricos em açúcares refinados.

O papel da atividade física

O exercício físico regular estimula naturalmente a motilidade intestinal. No entanto, priorize atividades aeróbicas moderadas como caminhadas, natação ou ciclismo durante pelo menos 30 minutos diários. Estas atividades aumentam o fluxo sanguíneo para os órgãos abdominais e estimulam contrações intestinais mais eficientes. Adicionalmente, exercícios específicos para o assoalho pélvico podem melhorar significativamente a coordenação dos músculos envolvidos na evacuação. Yoga e pilates, por exemplo, incluem posições que massageiam os órgãos internos e estimulam o peristaltismo intestinal de forma natural.

Estabelecendo uma rotina intestinal

Seu intestino funciona melhor quando segue padrões regulares. Por isso, tente evacuar todos os dias no mesmo horário, preferencialmente após uma refeição, quando o reflexo gastrocólico está naturalmente ativo. Não ignore o desejo de evacuar quando ele surgir, pois reprimir esse impulso pode levar a reabsorção de água das fezes, tornando-as mais duras e difíceis de eliminar. Durante a evacuação, adote uma posição que facilite o processo – estudos mostram que uma leve elevação dos pés, simulando a posição de cócoras, alinha melhor o reto e facilita a passagem das fezes.

Gerenciando o estresse

O estresse crônico afeta diretamente o funcionamento intestinal através do eixo cérebro-intestino. Pratique técnicas de relaxamento como meditação, respiração profunda ou mindfulness regularmente para reduzir esse impacto negativo. A respiração abdominal profunda, em particular, relaxa os músculos intestinais e pode promover movimentos peristálticos mais eficientes. Adicionalmente, garanta um sono de qualidade, pois a privação do sono altera o ritmo circadiano e pode prejudicar o funcionamento intestinal normal.

Suplementos e probióticos

Alguns suplementos podem auxiliar no processo de transição. Probióticos de qualidade comprovada ajudam a restaurar a microbiota intestinal saudável, que desempenha papel importante na motilidade e na consistência das fezes. Além disso, o Psyllium (Plantago ovata) e a goma acácia são fibras solúveis que podem ser suplementadas para aumentar o volume e a maciez das fezes sem causar dependência. Em alguns casos, a suplementação de magnésio pode ser recomendada por um profissional de saúde, pois este mineral relaxa os músculos intestinais e atrai água para o intestino, facilitando a evacuação.

Lidando com recaídas

Recaídas podem acontecer durante o processo de abandono dos laxantes. Se você tiver um período de constipação severa, não se desespere nem volte imediatamente aos laxantes. Intensifique temporariamente o consumo de fibras solúveis, hidratação, atividade física e inclua um coquetel laxativo natural e caseiro. Mas, em casos de desconforto significativo, consulte seu médico antes de recorrer a medicamentos. Ele poderá recomendar alternativas mais suaves e temporárias, como supositórios de glicerina, laxantes osmóticos ou enemas ocasionais, que não causam dependência sistêmica.

Quando procurar ajuda médica

Algumas situações exigem avaliação médica imediata. Procure um profissional de saúde se notar sangue nas fezes, dor abdominal intensa, perda de peso inexplicada ou constipação que persiste por mais de duas semanas apesar das mudanças implementadas. Estas podem ser sinais de condições subjacentes que requerem tratamento específico. Adicionalmente, pessoas com condições crônicas como síndrome do intestino irritável, doença de Crohn ou colite ulcerativa devem sempre seguir orientações médicas especializadas.

Quando é indicado usar laxante

O uso de laxantes é recomendado apenas em situações específicas e, idealmente, por períodos limitados. Assim, eles são indicados principalmente nos seguintes casos:

  1. Constipação ocasional e de curta duração: quando há mudanças temporárias na rotina, como viagens, estresse ou alterações na dieta que causam constipação passageira.
  2. Preparação para procedimentos médicos: para limpar o intestino antes de colonoscopias, cirurgias ou exames de imagem abdominal.
  3. Durante o uso de certos medicamentos: para prevenir constipação causada por analgésicos opioides, suplementos de ferro.
  4. Constipação crônica refratária: quando medidas não farmacológicas (aumento de fibras, hidratação, exercícios) foram tentadas sem sucesso, e sempre com supervisão médica. Isso pode acontecer com pessoas que possuem megacólon ou tortuosidade colônica, por exemplo.
  5. Impactação fecal: quando há fezes ressecadas e compactadas, os chamados fecalomas, que não conseguem ser eliminadas naturalmente.
  6. Pós-operatório: em alguns casos específicos após cirurgias, para facilitar o restabelecimento da função intestinal.

Conclusão

Abandonar os laxantes é um processo que requer paciência e consistência, mas os benefícios para a saúde digestiva e geral são imensos. Ao adotar uma abordagem holística que combina alimentação adequada, hidratação, exercícios físicos, gerenciamento do estresse e estabelecimento de rotinas saudáveis, você estará não apenas promovendo a independência do seu intestino, mas também melhorando significativamente sua qualidade de vida.

Lembre-se de que cada organismo é único e o tempo de recuperação varia, então seja gentil consigo mesmo durante essa transição. Com persistência e as estratégias corretas, seu intestino recuperará sua função natural, permitindo que você desfrute de uma vida livre de laxantes e com muito mais saúde digestiva.

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