Nutricionista Adriana Lauffer

Alimentos de difícil digestão

alimentos de difícil digestão

Você já sentiu aquela sensação de peso no estômago após uma refeição? Ou talvez gases, inchaço e desconforto que parecem durar horas? Provavelmente, seu corpo está enfrentando dificuldades para digerir certos alimentos. O processo digestivo, embora natural, pode se tornar um verdadeiro desafio quando consumimos alimentos que exigem maior trabalho do nosso sistema gastrointestinal.

Além disso, estes desconfortos não apenas comprometem nosso bem-estar imediato, mas também podem sinalizar problemas digestivos mais complexos quando ocorrem com frequência. Neste artigo, vamos entender quais são os principais alimentos de difícil digestão, por que eles desafiam nosso sistema digestivo e como podemos fazer escolhas mais inteligentes para manter nossa saúde digestiva.

Como funciona nossa digestão

Antes de aprofundarmos na lista de alimentos problemáticos, é importante entender brevemente como funciona a digestão. Este processo começa na boca, com a mastigação, onde enzimas salivares iniciam a quebra dos carboidratos. Depois, a digestão continua no estômago, onde o ácido gástrico trabalha arduamente para decompor proteínas. Posteriormente, no intestino delgado, ocorre a maior parte da absorção de nutrientes, enquanto o intestino grosso processa resíduos e absorve água e eletrólitos.

Diversos fatores podem influenciar a eficiência deste complexo sistema, incluindo:

  • A composição química dos alimentos
  • A presença de fibras, gorduras e proteínas
  • O grau de processamento dos alimentos
  • Condições individuais como sensibilidades alimentares
  • A saúde geral do microbioma intestinal

Alimentos de difícil de digestão

1. Alimentos ricos em gorduras saturadas

Hambúrgueres, pizzas, frituras, carnes gordurosas e alimentos ultraprocessados exigem muito do nosso sistema digestivo, principalmente do pâncreas e da vesícula biliar. A digestão das gorduras é naturalmente mais lenta, pois requer a produção de bile e enzimas específicas. Quando consumimos excesso de gorduras nosso corpo precisa de mais tempo para processá-las, resultando em sensação de estômago pesado e até mesmo refluxo ácido.

Por isso, opte por:

  • Técnicas de preparo como grelhar, assar ou cozinhar a vapor
  • Cortes magros de carne
  • Versões assadas de alimentos tradicionalmente fritos
  • Gorduras mais saudáveis como azeite de oliva e abacate (porém em quantidades moderadas)

2. Laticínios

Cerca de 65% da população mundial apresenta algum grau de intolerância à lactose após a infância. Isto ocorre porque, com o avançar da idade, muitas pessoas produzem menos lactase, a enzima responsável por quebrar o açúcar do leite. Consequentemente, quando consumimos laticínios, a lactose não digerida fermenta no intestino grosso, causando gases, inchaço e até diarreia.

Alternativas e dicas incluem:

  • Leites vegetais como os de amêndoa, aveia ou coco
  • Laticínios fermentados como iogurte e kefir, que contêm menos lactose
  • Queijos envelhecidos, que naturalmente têm menos lactose que os queijos frescos
  • Suplementos de lactase antes do consumo de laticínios

3. Leguminosas

Feijões, lentilhas, grão-de-bico e outras leguminosas são nutricionalmente excelentes, mas contêm frutanos e galacto-oligossacarídeos, tipos de carboidratos que nosso corpo não consegue digerir completamente. As bactérias intestinais fermentam estes carboidratos, produzindo gases. Além disso, as leguminosas contêm inibidores de enzimas e lectinas que podem dificultar ainda mais a digestão.

Para facilitar a digestão:

  • Deixe-as de molho por 8-12 horas antes do cozimento, trocando a água algumas vezes
  • Cozinhe-as adequadamente até ficarem bem macias
  • Adicione ervas como cominho, funcho ou louro, que ajudam a reduzir a formação de gases no remolho e no cozimento
  • Introduza leguminosas gradualmente na dieta para permitir que seu microbioma se adapte

CURIOSIDADE:

Você pode adicionar as ervas tanto na água de remolho (caso você deixe as leguminosas de molho antes de cozinhar, o que é recomendado) quanto durante o cozimento propriamente dito. Quando você adiciona cominho, funcho ou louro durante todo o tempo de cozimento, esses compostos interagem diretamente com os oligossacarídeos e outros componentes indigestos das leguminosas, começando a quebra desses elementos antes mesmo do consumo. O calor prolongado também permite que as ervas liberem mais compostos benéficos do que seria possível em um molho frio ou adicionado no final da preparação.

4. Alimentos ricos em glúten

O glúten, proteína presente no trigo, centeio e cevada, pode ser problemático não apenas para celíacos, mas também para pessoas com sensibilidade não-celíaca ao glúten. Esta proteína pode irritar o revestimento intestinal de pessoas sensíveis, dificultando a digestão e a absorção de nutrientes. Os sintomas incluem inchaço, gases, dores abdominais e alterações intestinais.

Opções sem glúten incluem:

  • Cereais naturalmente livres de glúten como arroz, milho, quinoa e amaranto
  • Farinhas alternativas como a de amêndoas, coco ou arroz
  • Massas feitas com farinha de milho ou arroz

5. Vegetais crucíferos

Brócolis, couve-flor, repolho e couve de Bruxelas são extremamente saudáveis, mas contêm rafinose, um carboidrato complexo que o corpo humano não consegue digerir completamente. Quando as bactérias intestinais fermentam estes carboidratos, produzem metano e dióxido de carbono, resultando em gases e distensão abdominal.

Para aproveitar seus benefícios com menos desconforto:

  • Cozinhe-os em vez de consumi-los crus
  • Consuma porções moderadas
  • Adicione ervas carminativas como cominho ou erva-doce
  • Mastigue bem esses vegetais

CURIOSIDADE:

Quando você mastiga bem vegetais como brócolis e couve, você rompe as células vegetais e permite que a enzima mirosinase entre em contato com compostos chamados glucosinolatos, transformando-os em isotiocianatos – substâncias com propriedades benéficas para a saúde que são melhor aproveitadas quando este processo começa na boca.

6. Frutas ricas em frutose

Maçãs, peras, mangas e frutas secas contêm frutose em excesso, um açúcar natural que muitas pessoas têm dificuldade em absorver completamente. A frutose não absorvida passa para o intestino grosso, onde é fermentada pelas bactérias, causando gases, inchaço e até diarreia em pessoas sensíveis.

Dicas para o consumo:

  • Prefira consumir estas frutas junto com proteínas (como iogurtes) ou gorduras (como oleaginosas) para regular a absorção da frutose
  • Opte por frutas com menor teor de frutose como frutas vermelhas, bananas e frutas cítricas
  • Evite sucos concentrados e opte pela fruta inteira, que contém fibras que ajudam a regular a absorção da frutose

7. Alimentos picantes

Pimentas, molhos apimentados e especiarias fortes podem irritar o revestimento do esôfago e do estômago, além de aumentar a produção de ácido gástrico. Para algumas pessoas, isso resulta em azia, refluxo e desconforto digestivo geral. A capsaicina, substância que dá o sabor picante, também pode acelerar o trânsito intestinal, causando urgência intestinal.

Para quem ama comida picante:

  • Consuma essas especiarias com moderação
  • Consuma alimentos picantes junto com amidos como arroz ou pão
  • Evite combiná-los com outros alimentos de difícil digestão, como alimentos gordurosos

8. Alimentos altamente processados

Salgadinhos, embutidos, refeições congeladas e outros alimentos ultraprocessados geralmente contêm uma combinação de gorduras saturadas, sódio, aditivos, conservantes e açúcares refinados. Este coquetel de ingredientes artificiais sobrecarrega o sistema digestivo e, a longo prazo, pode alterar a composição da microbiota intestinal, prejudicando ainda mais a digestão.

Substitua por:

  • Refeições caseiras preparadas com ingredientes frescos
  • Lanches naturais como nozes, frutas e iogurte
  • Grãos integrais em vez de refinados

Fatores individuais que tornam difícil a digestão

É crucial reconhecer que a digestibilidade dos alimentos varia enormemente de pessoa para pessoa. Afinal, diversos fatores podem influenciar como seu corpo responde a determinados alimentos:

Microbiota intestinal

O conjunto de bactérias que habita nosso intestino desempenha papel fundamental na digestão. Pessoas com microbiomas diferentes podem digerir os mesmos alimentos com eficiência variável.

Condições médicas

Doenças como síndrome do intestino irritável, doença inflamatória intestinal, gastrite, SIBO e refluxo gastroesofágico podem tornar certos alimentos particularmente difíceis de digerir.

Nível de produção de enzimas digestivas

A produção individual de enzimas digestivas varia, afetando a capacidade de processar proteínas, gorduras e carboidratos específicos.

Estresse

Estados emocionais como ansiedade e estresse crônico podem diminuir a eficiência digestiva, tornando até mesmo alimentos normalmente fáceis de digerir em um desafio.

Como melhorar a digestão

Mesmo quando consumimos alimentos potencialmente difíceis de digerir, podemos adotar estratégias para minimizar o desconforto:

Mindful eating

Comer devagar, mastigando bem cada bocado, pode significativamente melhorar a digestão. A digestão começa na boca, e alimentos bem mastigados são mais facilmente processados nas etapas posteriores.

Porções moderadas

Refeições menores e mais frequentes são mais fáceis de digerir do que grandes porções, que sobrecarregam o sistema digestivo.

Combinações alimentares inteligentes

Evite combinar vários alimentos de difícil digestão na mesma refeição. Por exemplo, uma pizza de quatro queijos com massa rica em glúten e sorvete de sobremesa pode se tornar um verdadeiro desafio digestivo.

Hidratação adequada

Beber água suficiente ajuda a manter o trânsito intestinal e facilita a digestão. Porém, evite grandes quantidades de líquidos durante as refeições, o que pode diluir os sucos digestivos.

Probióticos e prebióticos

Alimentos fermentados como kefir, kombucha e chucrute, ricos em probióticos, podem melhorar a saúde digestiva. Igualmente importantes são os prebióticos, encontrados em alimentos como banana, chicória e cebola, que alimentam as bactérias benéficas.

Quando procurar ajuda profissional

Se você experimenta desconforto digestivo regularmente, mesmo com uma dieta cuidadosa, pode ser hora de consultar um profissional. Sintomas que merecem atenção médica incluem:

  • Dor abdominal persistente
  • Alterações significativas nos hábitos intestinais
  • Perda de peso inexplicada
  • Sangue nas fezes
  • Vômitos recorrentes
  • Dificuldade para engolir

Estes sintomas podem indicar condições como doença celíaca, síndrome do intestino irritável, doença inflamatória intestinal ou outras condições que requerem tratamento específico.

Conclusão

Compreender quais alimentos são mais desafiadores para o sistema digestivo permite fazer escolhas mais conscientes e adaptar nossa alimentação às necessidades individuais. Entretanto, é importante lembrar que muitos dos alimentos considerados “difíceis de digerir” são nutricionalmente valiosos e não precisam ser completamente eliminados da dieta. Em vez disso, estratégias como preparo adequado, porções controladas e consumo mindful podem permitir que desfrutemos de uma dieta variada sem comprometermos nosso conforto digestivo.

Acima de tudo, escute seu corpo. Suas respostas individuais aos alimentos são o guia mais importante para construir uma dieta que seja tanto nutritiva quanto confortável para seu sistema digestivo.

Referências

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