Nutricionista Adriana Lauffer

Pós-biótico butirato e síndrome do intestino irritável

Pós biótico butirato e síndrome do intestino irritável

A síndrome do intestino irritável (SII) afeta milhões de pessoas em todo o mundo, manifestando-se através de sintomas como dor abdominal, distensão, diarreia e constipação. No entanto, pesquisas recentes têm apontado para o uso de pós-bióticos, especialmente o butirato, como uma abordagem promissora para o manejo desta condição debilitante. Portanto, vamos entender como este nutriente pode revolucionar o tratamento da SII e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

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O que é o butirato?

O butirato é um ácido graxo de cadeia curta (AGCC) produzido naturalmente por bactérias benéficas em nosso intestino durante a fermentação de fibras alimentares. Ou seja, é um posbiótico. Além disso, este composto desempenha um papel fundamental na saúde intestinal, servindo como principal fonte de energia para as células do cólon e contribuindo para a integridade da barreira intestinal. Curiosamente, pesquisas têm demonstrado que pacientes com SII frequentemente apresentam níveis reduzidos de butirato. Isso sugere uma possível ligação entre esta deficiência e os sintomas da síndrome.

O que é o pós-biótico?

Os pós-bióticos são componentes bioativos ou metabólitos produzidos durante a fermentação por bactérias probióticas, que demonstram benefícios para a saúde mesmo quando separados das células microbianas vivas. Entre estes compostos destacam-se os ácidos graxos de cadeia curta (como o butirato), enzimas, peptídeos antimicrobianos, polissacarídeos e vitaminas, que exercem efeitos anti-inflamatórios, fortalecem a barreira intestinal e modulam o sistema imunológico. Portanto, diferentemente dos probióticos, os pós-bióticos não são organismos vivos. Isso os proporciona maior estabilidade, segurança para pacientes imunocomprometidos e potencial para aplicações terapêuticas mais direcionadas em condições como a síndrome do intestino irritável, doença inflamatória intestinal e outras desordens gastrointestinais

Durante a fermentação de fibras pré-bióticas, as bactérias probióticas produzem ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), principalmente butírico, acético e propiônico. O ácido butírico, ou butirato, destaca-se como um importante pós-biótico. As células epiteliais do cólon utilizam preferencialmente estes ácidos como fonte energética, absorvendo-os rapidamente. Uma alimentação balanceada, rica em probióticos, prebióticos e fibras diversas cria o ambiente ideal para a produção de butirato.

O ácido butírico endógeno resulta da fermentação bacteriana de carboidratos não digeríveis, como polissacarídeos, amido resistente, oligossacarídeos (inulina e oligofrutose) e lactose. O amido resistente, presente em grãos integrais, batatas, banana verde e diversos vegetais, está particularmente associado à produção eficiente de butirato.

Infelizmente, a dieta contemporânea, caracterizada pelo alto consumo de alimentos processados ricos em açúcares simples e pobres em fibras, compromete a produção natural de ácido butírico no intestino. Neste contexto, a suplementação de butirato emerge como alternativa eficaz para garantir sua ingestão adequada diária.

Qual a diferença entre pró-, pré-, sim-, para- e pós-biótico?

Sabemos que existem:

  • Pró-bióticos: são alimentos ou suplementos fontes de bactérias vivas benéficas para a saúde;
  • Pré-bióticos: são as fibras das quais essas bactérias fermentam e se alimentam;
  • Simbióticos: são os suplementos ou alimentos que contêm os 2 juntos: pró e pré-biótico;
  • Parabióticos: são suplementos das bactérias pró-bióticas na sua versão inativada;
  • Pós-bióticos: como o butirado que são o produto resultante da fermentação das bactérias pró-bióticas sobre as fibras pré-bióticas.

Mecanismos de ação do butirato na SII

As bactérias produtoras de butirato no intestino efetivamente suprimem a proliferação de patógenos nocivos, como Escherichia coli e Salmonella. No tratamento de infecções intestinais, o butirato atua reduzindo significativamente o infiltrado de células inflamatórias nas biópsias de colonoscopia. Além disso, demonstrou diminuir a presença de sangue ou muco nas fezes, sintomas comuns em colites e SII, respectivamente.

Por regular ativamente a absorção de água pelas células intestinais, o butirato desempenha papel crucial no controle e recuperação de quadros diarreicos. Simultaneamente, este composto exerce efeito trófico sobre as células intestinais, nutrindo-as eficientemente. Consequentemente, pesquisas demonstram sua capacidade de promover o alongamento das vilosidades intestinais, estruturas frequentemente achatadas em pacientes celíacos e essenciais para a absorção adequada de nutrientes.

Como potente anti-inflamatório e imunorregulador do epitélio intestinal, o butirato reduz expressivamente a atividade de citocinas pró-inflamatórias, particularmente interleucina 8 e TNF-alfa, que contribuem diretamente para o aumento da permeabilidade intestinal – fator desencadeante de sensibilidades e alergias alimentares. Portanto, este efeito encontra-se amplamente documentado na literatura científica.

Em estudos com modelos animais, a administração de ácido butírico durante fases agudas de colite induzida atenuou notavelmente diversos marcadores inflamatórios, fenômeno também observado em pacientes com colite ulcerativa. Finalmente, o alívio da dor abdominal emerge como resultado relevante nessas pesquisas, pois o butirato influencia positivamente a hipersensibilidade visceral e otimiza o peristaltismo intestinal.

Estudos clínicos e evidências científicas sobre o butirato

Diversos estudos têm investigado os efeitos do butirato em pacientes com SII, com resultados encorajadores. Em uma pesquisa publicada no World Journal of Gastroenterology, pacientes que receberam suplementação de butirato apresentaram melhora significativa nos sintomas gerais da SII, incluindo diminuição da dor abdominal e normalização dos hábitos intestinais. Por outro lado, outro estudo demonstrou que o butirato reduziu a hipersensibilidade visceral em modelos animais de SII, sugerindo seu potencial no alívio da dor.

Um estudo de particular relevância, publicado no Journal of Gastroenterology, avaliou a eficácia de um suplemento de butirato em pacientes com SII. Os resultados foram notáveis: após 4 semanas de tratamento, os participantes relataram melhora significativa na qualidade de vida e redução dos sintomas abdominais. Enquanto isso, pesquisadores da Universidade de Roma descobriram que a suplementação com butirato não apenas melhorou os sintomas, mas também normalizou a composição da microbiota intestinal em pacientes com SII.

Como aumentar o butirato no intestino

Existem várias estratégias para aumentar os níveis de butirato no organismo. A primeira abordagem consiste em consumir alimentos ricos em fibras prebióticas, como frutas, vegetais, leguminosas e grãos integrais, que servem como substrato para as bactérias produtoras de butirato. Em seguida, o consumo de probióticos contendo cepas bacterianas produtoras de butirato, como Faecalibacterium prausnitzii e espécies saudáveis de Clostridium, pode ajudar a aumentar a produção endógena deste AGCC.

No entanto, a suplementação direta com formulações de butirato tem ganhado popularidade devido à sua eficácia e conveniência. Atualmente, existem diversas opções disponíveis, incluindo sais de butirato (como butirato de sódio ou cálcio) e formulações encapsuladas para liberação direcionada no cólon. Por fim, abordagens combinadas, integrando mudanças dietéticas, probióticos e suplementação de butirato, podem oferecer os melhores resultados para pacientes com SII.

Como suplementar o pós biótico butirato

Porém, o ácido butírico puro, na forma de suplemento, possui um odor muito ruim, o que o torna de difícil manuseio. Além disso, a cápsula se abre no estômago e o butirato é de fácil absorção na parte superior do trato gastrointestinal e, então, acaba por ter uma ação reduzida no cólon. Essas características limitam um pouco o uso do suplemento de ácido butírico puro na prática clínica. Por isso, a indústria farmacêutica tem desenvolvido recentemente diversos suplementos nos quais o ácido butírico é encapsulado, permitindo sua liberação retardada durante o trânsito no trato gastrointestinal.Dessa forma, há maior chance de alcançar o intestino e lá exercer a suas funções.

Considerando os potenciais fatores fisiopatológicos envolvidos na etiologia da SII, que incluem a relação cérebro-intestino (ou eixo cérebro intestino), hipersensibilidade visceral, anormalidades na motilidade, inflamação intestinal, distúrbios intestinais pós infecção, alteração da microbiota e permeabilidade intestinal, vamos ver então de forma resumida os possíveis mecanismos de ação do butirato e como ele pode ser útil no tratamento da SII.

Considerações importantes e precauções

Apesar dos resultados promissores, é fundamental considerar algumas precauções. Inicialmente, a resposta ao butirato pode variar entre indivíduos, sendo mais eficaz em certos subtipos de SII. Por isso, consultar um profissional de saúde antes de iniciar qualquer suplementação é essencial, especialmente para pessoas com condições médicas preexistentes ou que tomam medicamentos.

Adicionalmente, alguns pacientes podem experimentar efeitos colaterais como flatulência, distensão abdominal ou desconforto gastrointestinal temporário ao iniciar a suplementação. Portanto, começar com doses mais baixas e aumentar gradualmente pode minimizar estes efeitos. Finalmente, é importante lembrar que o butirato deve ser considerado parte de uma abordagem integrada para o manejo da SII, que pode incluir modificações dietéticas, gerenciamento do estresse e outros tratamentos recomendados por profissionais de saúde.

Conclusão

O pós-biótico butirato representa uma abordagem inovadora e promissora para o tratamento da síndrome do intestino irritável. Afinal, através de seus múltiplos mecanismos de ação, incluindo efeitos anti-inflamatórios, melhora da barreira intestinal e modulação da sensibilidade visceral, o butirato pode oferecer alívio significativo para pacientes que sofrem com esta condição debilitante. Embora sejam necessárias mais pesquisas para estabelecer protocolos de tratamento otimizados, as evidências atuais sugerem que este composto natural pode se tornar um componente valioso no arsenal terapêutico contra a SII.

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Mas, lembre-se: não é indicado manter a fase de exclusão da dieta de exclusão por mais que 6 semanas e, além disso, o acompanhamento profissional é importante porque parte dos pacientes possuem outras condições clínicas associadas que o protocolo não resolverá por completo e, portanto, necessita de condutas adicionais.

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