Nutricionista Adriana Lauffer

Eixo Intestino-Pele: Como a sua Saúde Intestinal Influencia a Saúde da sua Pele

Eixo-Intestino-Pele

Seu intestino e sua pele estão conversando o tempo todo — e esta comunicação impacta diretamente na saúde da sua pele. Finalmente, a emergente compreensão científica deste fenômeno, conhecido como “eixo intestino-pele”, revoluciona nossa abordagem tanto a problemas cutâneos quanto intestinais.

Surpreendentemente, estes dois órgãos, aparentemente distintos, compartilham origens embrionárias similares e mantêm um sofisticado sistema de comunicação bidirecional através de mecanismos imunológicos, endócrinos e neurais. Consequentemente, desequilíbrios intestinais frequentemente se manifestam como problemas dermatológicos, enquanto condições cutâneas podem sinalizar disfunções digestivas subjacentes. Neste artigo, vamos conhecer os fascinantes mecanismos desta conexão e como você pode otimizar este eixo para melhorar simultaneamente a saúde intestinal e a aparência da pele.

A base científica por trás do eixo intestino-pele

O eixo intestino-pele representa uma complexa via de comunicação bidirecional mediada por múltiplos sistemas. Primeiramente, ambos os órgãos servem como barreiras físicas cruciais entre o ambiente interno e externo do corpo, compartilhando características estruturais e funcionais semelhantes. Além disso, estes sistemas estão interligados através de mensageiros imunológicos, metabólitos bacterianos e sinais neurais que viajam constantemente entre os dois.

A microbiota intestinal, composta por trilhões de microrganismos, desempenha papel central nesta comunicação. Estes microorganismos produzem numerosos metabólitos bioativos, incluindo ácidos graxos de cadeia curta, neurotransmissores e moduladores imunológicos que afetam a saúde da pele através da circulação sistêmica. Assim, pesquisas recentes demonstram que alterações na composição desta comunidade microbiana (disbiose) estão associadas a diversas condições dermatológicas, incluindo acne, rosácea, dermatite atópica e psoríase.

Como distúrbios intestinais afetam sua pele

As disfunções intestinais manifestam-se na pele através de múltiplos mecanismos. Inicialmente, quando a barreira intestinal perde sua integridade (conhecida como “intestino permeável” ou “leaky gut”), permite que bactérias, toxinas e fragmentos alimentares parcialmente digeridos entrem na circulação sanguínea. Consequentemente, este fenômeno desencadeia respostas inflamatórias sistêmicas que podem se manifestar como inflamação cutânea, vermelhidão, coceira e aceleração do envelhecimento da pele.

Adicionalmente, o intestino abriga aproximadamente 70% das células imunológicas do corpo, tornando-o um regulador crucial da resposta imune sistêmica. Portanto, desequilíbrios na microbiota intestinal podem provocar respostas imunológicas desreguladas que se refletem em condições inflamatórias da pele. Estas respostas frequentemente envolvem a liberação de citocinas pró-inflamatórias que circulam pelo corpo, desencadeando ou exacerbando condições dermatológicas como eczema e psoríase.

O intestino também influencia os níveis hormonais, particularmente aqueles envolvidos na produção de sebo, um fator determinante na acne. Por exemplo, certos microrganismos intestinais podem aumentar os níveis circulantes de IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1), que estimula diretamente a produção sebácea e a hiperqueratinização folicular, dois processos fundamentais no desenvolvimento da acne.

Condições dermatológicas ligadas à saúde intestinal

Acne

A relação entre acne e saúde intestinal torna-se cada vez mais evidente. Nesse sentido, estudos demonstram que pacientes com acne frequentemente apresentam alterações na composição da microbiota intestinal, com redução de bactérias benéficas como Lactobacillus e Bifidobacterium. Além disso, 54% dos pacientes com acne demonstram sintomas compatíveis com síndrome do intestino irritável (SII), indicando uma significativa sobreposição entre estas condições.

A dieta, particularmente o consumo de alimentos com alto índice glicêmico e laticínios, afeta tanto a microbiota intestinal quanto os níveis hormonais, potencialmente exacerbando a acne. Portanto, intervenções direcionadas à saúde intestinal, como probióticos orais, têm demonstrado resultados promissores na redução de lesões de acne inflamatória.

Rosácea

A rosácea, caracterizada por vermelhidão facial persistente e lesões inflamatórias, mostra forte associação com disfunções gastrointestinais. Pesquisas indicam que pacientes com rosácea têm 13 vezes mais probabilidade de apresentar supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) quando comparados a controles saudáveis. Curiosamente, o tratamento do SIBO com antibióticos não absorvíveis resultou em melhora significativa dos sintomas de rosácea em aproximadamente 70% dos pacientes.

Adicionalmente, o Helicobacter pylori, uma bactéria frequentemente associada a úlceras gástricas, também apresenta maior prevalência em pacientes com rosácea. Assim, a erradicação desta bactéria frequentemente resulta em melhora clínica dos sintomas dermatológicos, reforçando a conexão entre saúde gástrica e manifestações cutâneas.

Dermatite atópica

A dermatite atópica (eczema) exemplifica claramente a conexão intestino-pele. Esta condição inflamatória crônica está associada a alterações na diversidade da microbiota intestinal, especialmente durante os primeiros anos de vida. Estudos demonstram que crianças que desenvolvem eczema apresentam menor diversidade microbiana intestinal e redução de espécies protetoras como Bifidobacterium desde os primeiros meses de vida.

Notavelmente, intervenções probióticas em gestantes e lactentes mostraram-se eficazes na redução do risco de desenvolvimento de dermatite atópica em crianças com predisposição genética. Estes dados reforçam a importância do estabelecimento de uma microbiota saudável desde o início da vida para a prevenção de condições dermatológicas inflamatórias.

Psoríase

A psoríase, doença inflamatória crônica caracterizada por placas avermelhadas e escamosas na pele, apresenta forte correlação com desequilíbrios intestinais. Assim, pesquisas recentes revelam que pacientes com psoríase exibem um padrão distinto de disbiose intestinal, com redução significativa de bactérias produtoras de butirato – um ácido graxo de cadeia curta com potentes propriedades anti-inflamatórias. Consequentemente, esta alteração microbiana contribui para o aumento de permeabilidade intestinal e inflamação sistêmica, fatores que desempenham papel central no desenvolvimento e exacerbação da doença.

A relação entre psoríase e doenças inflamatórias intestinais (DII) é particularmente relevante, com pacientes psoriáticos apresentando risco três vezes maior de desenvolver doença de Crohn. Ambas as condições compartilham vias inflamatórias semelhantes, especialmente envolvendo o eixo IL-23/Th17, reforçando a hipótese de uma origem inflamatória comum mediada por alterações no microbioma intestinal. Estudos preliminares sugerem que intervenções direcionadas à saúde intestinal, incluindo dietas anti-inflamatórias e probióticos específicos, podem complementar significativamente os tratamentos convencionais para psoríase, reduzindo não apenas manifestações cutâneas, mas também biomarcadores inflamatórios sistêmicos.

Urticária crônica

A urticária é caracterizada por episódios recorrentes de lesões pruriginosas e edematosas, frequentemente possui gatilhos intestinais subjacentes. Aproximadamente 40% dos pacientes com urticária crônica espontânea apresentam sintomas gastrointestinais concomitantes, sugerindo um eixo intestino-pele ativo nesta condição. Estudos recentes identificam forte correlação entre urticária crônica e condições como hipersensibilidade alimentar não-IgE mediada, supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) e disbiose intestinal.

Particularmente, a histamina desempenha papel central nesta conexão. Certas bactérias intestinais possuem capacidade histaminogênica, produzindo este mediador inflamatório que, ao entrar na circulação sistêmica, pode desencadear manifestações cutâneas mesmo na ausência de alérgenos externos.

Adicionalmente, a degradação intestinal inadequada de histamina exógena (proveniente de alimentos) devido à redução da enzima diamino oxidase (DAO) causada pela intolerância à histamina representa um mecanismo fisiopatológico importante em pacientes com urticária crônica. Intervenções visando o equilíbrio da microbiota intestinal e dietas de baixo teor histamínico mostram resultados promissores no controle desta condição refratária, sugerindo uma abordagem integrativa que transcende o tratamento puramente sintomático com anti-histamínicos.

Eczemas não-atópicos

Os eczemas não-atópicos, incluindo dermatite seborreica e eczema numular, também demonstram conexões significativas com a saúde intestinal, embora por mecanismos parcialmente distintos dos observados na dermatite atópica. Na dermatite seborreica, estudos recentes identificam um papel potencial de Malassezia spp. tanto na pele quanto no intestino, sugerindo uma interação complexa entre estes microbiomas. A disbiose intestinal pode criar um ambiente sistêmico que favorece a proliferação cutânea excessiva deste fungo comensal, desencadeando a cascata inflamatória característica da condição.

O eczema numular, por sua vez, demonstra forte associação com sensibilidades alimentares não-mediadas por IgE e comprometimento da barreira intestinal. Assim, a eliminação orientada de alimentos inflamatórios frequentemente resulta em melhora clínica, apoiando a hipótese de que antígenos alimentares parcialmente digeridos que atravessam uma barreira intestinal comprometida podem desencadear reações cutâneas à distância através de mecanismos imunológicos complexos. Estratégias terapêuticas que combinam o restabelecimento da integridade da barreira intestinal com a identificação e exclusão de gatilhos alimentares específicos oferecem resultados promissores para pacientes com formas recalcitrantes desta condição.

Estratégias para regular o eixo intestino-pele

Alimentação anti-inflamatória

A dieta exerce influência central tanto na saúde intestinal quanto na pele. Uma alimentação anti-inflamatória, como a dieta mediterrânea, rica em vegetais, frutas, gorduras saudáveis e proteínas de qualidade fornece substratos essenciais para bactérias benéficas e nutrientes importantes para a renovação celular cutânea.

Especificamente, alimentos ricos em ácidos graxos ômega-3 (peixes gordos, sementes de linhaça e chia) diminuem a inflamação sistêmica, enquanto alimentos fermentados naturalmente (kombucha, kefir, chucrute) fornecem probióticos vivos que enriquecem a diversidade microbiana intestinal.

Paralelamente, a redução de alimentos pró-inflamatórios, como açúcares refinados, farinha branca e óleos vegetais processados, ajuda a manter a barreira intestinal intacta e diminui a inflamação que afeta a pele. Estudos demonstram que a transição para uma dieta mediterrânea ou paleolítica pode melhorar significativamente tanto condições intestinais quanto dermatológicas em apenas quatro semanas.

Suplementação estratégica

Suplementos específicos podem potencializar a saúde do eixo intestino-pele. Probióticos orais, especialmente as cepas Lactobacillus rhamnosus GG, Lactobacillus plantarum e várias espécies de Bifidobacterium, demonstram eficácia em condições dermatológicas como acne, rosácea e dermatite atópica. Adicionalmente, os prebióticos, como frutooligossacarídeos (FOS) e inulina, fornecem nutrientes essenciais para as bactérias benéficas, promovendo seu crescimento e diversidade.

A glutamina, um aminoácido, ajuda a restaurar a integridade da barreira intestinal, enquanto o zinco e a vitamina D desempenham papéis cruciais tanto na saúde intestinal quanto na função imunológica cutânea. Para resultados otimizados, recomenda-se a orientação de um profissional de saúde para personalizar a suplementação conforme necessidades individuais.

Manejo do estresse

O estresse crônico compromete significativamente tanto a saúde intestinal quanto a cutânea. Durante situações estressantes, o corpo libera cortisol e outros hormônios que alteram o fluxo sanguíneo intestinal, comprometem a barreira intestinal e modificam a composição da microbiota. Consequentemente, estas alterações refletem-se na pele através de inflamação, redução da capacidade regenerativa e exacerbação de condições existentes.

Práticas como meditação mindfulness, yoga, respiração profunda e exercícios regulares de baixa intensidade demonstram eficácia na redução do estresse e seus efeitos negativos sobre o eixo intestino-pele. Estudos indicam que apenas 10 minutos diários de meditação reduzem significativamente marcadores inflamatórios sistêmicos em apenas oito semanas.

Cuidados tópicos

Além das abordagens internas, os cuidados tópicos podem complementar a saúde do eixo intestino-pele. Produtos contendo prebióticos e probióticos tópicos ajudam a restaurar o microbioma cutâneo, criando um ambiente mais equilibrado e menos propenso a inflamações. Ingredientes como ceramidas, niacinamida e ácido hialurônico auxiliam na recuperação da barreira cutânea, enquanto antioxidantes combatam o estresse oxidativo causado pela inflamação sistêmica.

Adicionalmente, a simplificação das rotinas de skincare, evitando produtos agressivos e potencialmente irritantes, contribui para a preservação tanto do microbioma cutâneo quanto da integridade da barreira da pele.

Conclusão

O eixo intestino-pele representa uma fascinante fronteira científica que conecta dois sistemas aparentemente distintos em uma íntima relação de comunicação bidirecional. As evidências crescentes demonstram que a saúde intestinal impacta profundamente a aparência e função da pele, abrindo caminho para abordagens integradas no tratamento de condições dermatológicas.

Ao otimizar a saúde intestinal através de alimentação anti-inflamatória, suplementação estratégica, gerenciamento do estresse e cuidados tópicos adequados, não apenas melhoramos os sintomas digestivos, mas também potencializamos a saúde, aparência e vitalidade cutânea. Esta abordagem holística, fundamentada em ciência avançada, representa o futuro do tratamento dermatológico, transcendendo a visão fragmentada tradicional e reconhecendo o corpo como um sistema integrado e interdependente.

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