A constipação intestinal é um problema extremamente comum que afeta pessoas de todas as idades, condições socioeconômicas e regiões do mundo. De fato, estima-se que cerca de 14% a 20% da população adulta mundial sofra com esse distúrbio, com prevalência ainda maior em idosos e mulheres. Além do desconforto físico evidente, a constipação pode significativamente impactar a qualidade de vida, afetando desde o bem-estar psicológico até a produtividade no trabalho. Neste post, vamos aprofundar o que exatamente caracteriza a constipação, suas principais causas e quais exames podem ser necessários para um diagnóstico adequado. Com isso, espero ajudar a desmistificar este problema tão comum mas frequentemente negligenciado.
Definição de constipação
Antes de abordarmos as causas, é fundamental entender o que caracteriza clinicamente a constipação intestinal. De acordo com os Critérios de Roma IV, padrão internacional para diagnóstico de distúrbios gastrointestinais funcionais, a constipação é definida pela presença de pelo menos dois dos seguintes sintomas, por no mínimo três meses:
- Menos de três evacuações por semana
- Esforço excessivo durante pelo menos 25% das evacuações
- Fezes endurecidas ou fragmentadas em pelo menos 25% das evacuações
- Sensação de evacuação incompleta em pelo menos 25% das vezes
- Sensação de bloqueio/obstrução anorretal em pelo menos 25% das evacuações
- Necessidade de manobras manuais para facilitar pelo menos 25% das evacuações
Portanto, a constipação vai muito além da simples redução na frequência das evacuações, abrangendo também alterações na consistência das fezes e dificuldades no processo evacuatório. Esta é uma distinção importante, pois muitas pessoas podem apresentar evacuações regulares, mas ainda assim sofrer com constipação devido aos outros sintomas mencionados.
Causas da constipação intestinal
As causas da constipação são múltiplas e frequentemente multifatoriais. Podemos dividir estas causas em vários grupos principais:
1. Hábitos de vida que causam constipação
Os hábitos cotidianos exercem enorme influência sobre o funcionamento intestinal. A baixa ingestão de fibras na dieta ocidental moderna constitui um dos principais fatores para o desenvolvimento da constipação. Além disso, o sedentarismo reduz a motilidade intestinal, enquanto a hidratação insuficiente contribui para o ressecamento das fezes.
Outro fator crucial é a tendência de ignorar o reflexo da evacuação devido a rotinas agitadas ou ambientes inadequados, o que pode levar ao enfraquecimento deste reflexo ao longo do tempo. Viagens e mudanças bruscas na rotina também podem desregular temporariamente o ritmo intestinal.
2. Medicamentos que podem causar constipação
Diversos medicamentos podem causar constipação como efeito colateral, destacando-se:
- Analgésicos opióides (como morfina e codeína)
- Antiácidos contendo alumínio ou cálcio
- Antidepressivos tricíclicos
- Bloqueadores dos canais de cálcio (usados para hipertensão)
- Anticolinérgicos
- Suplementos de ferro e cálcio
- Alguns anticonvulsivantes
É importante sempre avaliar o início da constipação em relação ao começo do uso de novos medicamentos, pois esta associação é frequentemente negligenciada.
3. Condições médicas presentes
Diversas condições podem estar associadas à constipação, tais como:
- Distúrbios neurológicos: parkinson, esclerose múltipla, lesões da medula espinhal
- Distúrbios metabólicos e endócrinos: hipotireoidismo, diabetes, hipercalcemia
- Distúrbios estruturais: estenose retal, tumores colorretais, prolapso retal
- Condições musculares: distúrbios do assoalho pélvico, disfunção do esfíncter anal
- Alterações do cólon: síndrome do intestino irritável, doença diverticular
- Gravidez: devido às alterações hormonais e pressão sobre o intestino
4. Causas psicológicas
Fatores psicológicos também podem contribuir significativamente para a constipação. O estresse crônico, ansiedade e depressão interferem na motilidade intestinal através do eixo cérebro-intestino. Traumas psicológicos, especialmente aqueles relacionados a abuso, podem levar a distúrbios na função intestinal. Além disso, transtornos alimentares como anorexia nervosa e bulimia frequentemente apresentam constipação como sintoma.
5. Fatores anatômicos e funcionais
Alterações anatômicas do cólon, como cólon redundante, ou alterações anatômicas do reto ou ânus podem contribuir para a constipação. Isto inclui prolapso retal, retocele (herniação da parede retal para a vagina), e dissinergia do assoalho pélvico (incoordenação entre os músculos abdominais e pélvicos durante a evacuação). Estas condições frequentemente levam a uma forma específica de constipação chamada constipação por obstrução de saída.
Exames para diagnóstico da constipação
O diagnóstico adequado da constipação depende não apenas da identificação dos sintomas, mas também da determinação de suas causas subjacentes. Os principais exames utilizados incluem:
1. Avaliação clínica inicial
O médico realizará uma anamnese detalhada, incluindo história médica completa, uso de medicamentos, padrão alimentar e de atividade física. O exame físico, incluindo o exame retal digital, é essencial para avaliar a presença de fissuras, hemorroidas ou massas retais.
2. Exames laboratoriais
Exames de sangue servem para identificar se há condições metabólicas ou endócrinas presentes, como:
- Hemograma completo (para anemia)
- Glicemia (para diabetes)
- TSH e T4 livre (para disfunções tireoidianas)
- Cálcio sérico (para hipercalcemia)
- Eletrólitos (para desequilíbrios que afetam a função neuromuscular)
3. Exames de imagem
Dependendo do quadro clínico, podem ser solicitados:
- Colonoscopia: para descartar presença de cólon redundante, lesões estruturais como tumores ou estenoses
- Defecografia: avalia a dinâmica da evacuação e identifica problemas anatômicos
- Trânsito colônico: mede o tempo que o conteúdo leva para percorrer o cólon
- Ressonância magnética pélvica: avalia alterações anatômicas da região anorretal
4. Testes funcionais
Para casos de constipação mais complexos, testes específicos podem ser necessários:
- Manometria anorretal: avalia a função muscular do esfíncter anal e reto
- Teste de expulsão do balão: mede a capacidade de expulsão de um balão inserido no reto
- Eletromiografia: avalia a atividade elétrica dos músculos pélvicos durante a evacuação
É importante ressaltar que nem todos os pacientes necessitarão de todos estes exames. A investigação deve ser individualizada, começando pelas abordagens menos invasivas e progredindo conforme necessário.
Conclusão
A constipação intestinal, embora comum na população, é um problema complexo e multifatorial que pode significativamente impactar a qualidade de vida. Contudo, com a identificação adequada das causas subjacentes, é possível estabelecer um plano de tratamento eficaz e individualizado. Se você sofre com constipação crônica, não hesite em procurar avaliação médica especializada, pois este problema frequentemente tem solução.
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