A doença diverticular (DD) afeta cerca de 35% da população ocidental e sua prevalência aumenta com a idade, atingindo mais de 60% das pessoas acima de 70 anos. Tradicionalmente, o tratamento dietético para essa condição tem se baseado no aumento da ingestão de fibras. No entanto, estudos recentes têm revelado uma interessante conexão entre a DD e a Síndrome do Intestino Irritável (SII), sugerindo que abordagens alternativas, como a dieta baixa em FODMAPs, podem oferecer benefícios significativos.
A sobreposição entre doença diverticular e síndrome do intestino irritável
Muitos pacientes com DD não complicada apresentam sintomas surpreendentemente semelhantes aos da SII, como dor abdominal, distensão e alterações no hábito intestinal. Esta sobreposição não é mera coincidência; ambas as condições compartilham mecanismos fisiopatológicos relacionados à pressão intraluminal e fermentação colônica excessiva.
Pesquisas utilizando a cápsula de motilidade SmartPill demonstraram que pacientes com SII apresentam pH intraluminal colônico reduzido (aproximadamente 6,8) em comparação a indivíduos saudáveis (pH 7,3). Este pH mais ácido indica maior fermentação bacteriana no cólon, o que está diretamente correlacionado com a intensidade da dor abdominal.
A acidificação do ambiente colônico (pH 6,8) indica fermentação bacteriana aumentada, o que resulta na produção de metabólitos que podem irritar diretamente a mucosa intestinal. Em pacientes com DD, essa irritação pode ocorrer especificamente na mucosa dos divertículos, potencializando a inflamação local e os sintomas.
Além disso, a fermentação excessiva que causa essa acidificação também produz gases como hidrogênio, metano e dióxido de carbono. Esses gases aumentam a pressão intraluminal, que, conforme o princípio de Bernoulli (mais adiante nesse post), pode criar forças mecânicas que pressionam áreas já fragilizadas da parede intestinal. Assim, em pacientes com divertículos existentes, esse aumento de pressão pode causar distensão e estimulação de terminações nervosas nociceptivas na região.
Outro aspecto importante é que, tanto a SII quanto a DD sintomática, apresentam alterações na motilidade intestinal. O pH reduzido pode influenciar a contratilidade da musculatura lisa intestinal, contribuindo para espasmos segmentares que, em pacientes com diverticulose, podem aumentar a pressão local nos divertículos e exacerbar a dor.
Essas observações reforçam a hipótese de que uma dieta baixa em FODMAPs, ao reduzir a fermentação colônica e consequentemente normalizar o pH intestinal, pode beneficiar pacientes com DD sintomática através de mecanismos semelhantes aos observados na SII.
O paradoxo das fibras
Embora as diretrizes atuais recomendem fortemente uma dieta rica em fibras para DD, alguns pesquisadores questionam essa abordagem, especialmente para pacientes com DD sintomáticos. O princípio de Bernoulli sugere que as fendas anatômicas presentes na musculatura do intestino grosso são propensas a formar divertículos quando submetidas a pressões relacionadas ao aumento de gases e líquidos.
Considerando que a DD está associada ao enfraquecimento da parede intestinal, uma dieta rica em fibras, especialmente aquelas altamente fermentáveis (FODMAPs), pode teoricamente agravar a condição ao:
- Potencializar a dor em pacientes sintomáticos
- Aumentar a produção de gás no cólon
- Elevar a pressão intraluminal
- Acentuar a distensão abdominal
O princípio de Bernoulli e a formação dos divertículos
O Princípio de Bernoulli é um conceito fundamental da física de fluidos que explica como a pressão de um fluido (líquido ou gás) se relaciona com sua velocidade de fluxo. Desenvolvido pelo matemático suíço Daniel Bernoulli no século XVIII, este princípio estabelece que, quando a velocidade de um fluido aumenta, sua pressão diminui e vice-versa.
No contexto da DD, o Princípio de Bernoulli é aplicado para entender como a pressão dentro do intestino pode contribuir para a formação de divertículos. Quando o conteúdo intestinal (que se comporta como um fluido) passa por segmentos mais estreitos do cólon, sua velocidade aumenta. De acordo com Bernoulli, essa aceleração causa uma redução na pressão na região central do lúmen intestinal, mas um aumento de pressão contra as paredes.
Esse diferencial de pressão é particularmente relevante nos pontos onde os vasos sanguíneos penetram a camada muscular do intestino, criando pequenas áreas de fragilidade natural. Com o tempo e exposição repetida a esses gradientes de pressão, a mucosa intestinal pode ser forçada através dessas áreas enfraquecidas, formando os divertículos.
O que são FODMAPs e como afetam o intestino?
FODMAPs (Oligossacarídeos, Dissacarídeos, Monossacarídeos e Polióis Fermentáveis) são carboidratos de cadeia curta que não são adequadamente digeridos ou absorvidos no intestino delgado. Ao atingirem o cólon, são fermentados rapidamente pela microbiota intestinal, resultando em:
- Aumento da produção de gás (hidrogênio, metano e dióxido de carbono)
- Elevação da pressão osmótica intraluminal
- Maior volume de líquido no intestino
- Distensão abdominal acentuada
Estes efeitos podem ser particularmente problemáticos para pacientes com DD sintomática, pois podem aumentar a pressão nos divertículos existentes e potencialmente desencadear inflamação.
Benefícios da dieta Low FODMAP na doença diverticular
Estudos preliminares e observações clínicas sugerem que a redução na ingestão de FODMAPs pode trazer diversos benefícios para pacientes com DD sintomática não complicada:
- Diminuição da produção de gás intestinal
- Redução da pressão intraluminal
- Alívio da dor e desconforto abdominal
- Melhora da qualidade de vida
A dieta low FODMAP atua reduzindo a fermentação colônica excessiva, o que pode diminuir a inflamação local e prevenir episódios de diverticulite em pacientes suscetíveis. Para finalizar, é importante ressaltar que a dieta low Fodmap não se trata de uma dieta pobre em fibras e, sim, em uma dieta com redução de carboidratos altamente fermentáveis.
Conclusão
A abordagem dietética para a doença diverticular está evoluindo. Embora a recomendação tradicional de aumentar a ingestão de fibras permaneça válida para muitos pacientes, aqueles com sintomas persistentes podem se beneficiar de uma abordagem mais personalizada, como a dieta low FODMAP.
É fundamental ressaltar que esta intervenção dietética deve ser conduzida sob supervisão de um nutricionista especializado em gastroenterologia, garantindo que as necessidades nutricionais sejam atendidas e que a dieta seja adequadamente adaptada às características individuais de cada paciente.
A união entre nutrição especializada e gastroenterologia representa um avanço significativo no manejo da doença diverticular, proporcionando novas perspectivas e esperança para pacientes que convivem com esta condição.
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Mas, lembre-se: não é indicado manter a fase de exclusão da dieta de exclusão por mais que 6 semanas e, além disso, o acompanhamento profissional é importante porque parte dos pacientes possuem outras condições clínicas associadas que o protocolo não resolverá por completo e, portanto, necessita de condutas adicionais.
Referências
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