Nutricionista Adriana Lauffer

Como modificar a microbiota

como modificar a microbiota

A modificação da microbiota pode acontecer através de vários mecanismos, podendo-se equilibrar ou provocar disbiose. Entretanto, considerando que a microbiota varia muito de indivíduo para indivíduo, de região para região, e varia até no mesmo indivíduo, muitas vezes é complicado definir o que é uma microbiota normal.

O que é normal para uma pessoa pode ser anormal para outra, o que não necessariamente se traduz em uma microbiota patológica. O estado de disbiose deve, então, ser considerado de forma individual, e baseado em uma alteração da microbiota que não se adequa a determinado organismo ou que esteja gerando problemas de saúde.

Dieta

A modificação da microbiota pode ser conseguida através da modificação da dieta. Importantes componentes dietéticos capazes de promover mudança são as fibras. Fibras são carboidratos não digeríveis e, portanto, incapazes de serem absorvidos pelo nosso organismo. Elas podendo serem solúveis e insolúveis. As primeiras representam fonte importante de nutrientes para as bactérias intestinais. Já, as segundas têm importância na formação do bolo fecal e manutenção do trânsito intestinal.

Boa parte das fibras solúveis são capazes de promover o crescimento das chamadas bactérias do “bem”, podendo ser chamadas de prebióticos. Para cada bactéria existe um prebiótico ideal, podendo-se calcular o chamado “indice prebiótico” para cada uma delas. A associação de uma bactéria com a fibra errada, pode fazer com que outras bactérias não desejadas se desenvolvam mais.

Ácidos graxos de cadeia curta

Os prebióticos, uma vez fermentados por bactérias intestinais, geram os chamados ácidos graxos de cadeia curta (AGCC). Os AGCC são: propionato, acetato, lactato e, principalmente, o butirato. Eles são absorvidos e, uma vez na circulação, podem modular a barreira hematoencefálica e interferir de maneira positiva na chegada de substâncias quimicamente ativas ao SNC. Estes ácidos graxos podem interferir diretamente no eixo cérebro intestinal, sendo capazes de controlar vários fatores relacionados com nosso metabolismo de uma maneira geral. São robustas as evidências que mostram alterações na liberação grelina, leptina, PYY, GLP-1, GLP-2, etc.

Os ACCC apresentam também efeito redutor da aderência de cepas patobiontes ao nosso intestino e estimulador da atividade de células NK e da atividade fagocítica (dificultando infecções bacterianas). Ainda, eles modulam a resposta imunológica via células dendríticas, podem reduzir inflamação através da secreção de citocinas anti-inflamatórias, como a interleucina 10 (IL-10) e diminuindo as inflamatórias como a IL-Ibeta e a IL-6.

Alimentos

Os alimentos ainda podem interferir na microbiota e no eixo cérebro-intestinal através de acoplamento com receptores químicos específicos localizados em células neuroendócrinas intestinais, estimulando a produção de vários hormônios e neurotransmissores.

Existem ainda os chamados “transient receptor potential channels” (TRP) os quais são sensíveis a temperatura e pH dos alimentos, ou qualquer outro estímulo químico, sendo importantes moduladores na transmissão da dor e, consequentemente, do eixo cérebro intestino. Mecanorreceptores também são estimulados pela alimentação, e consequente distensão intestinal e gástrica, alterando a liberação de vários hormônios do tubo digestivo.

Bactérias ingeridas pela alimentação podem trocar material genético com nossas bactérias intestinais e, assim, modificar suas funções. Esse fenômeno é conhecido como “lateral gene transfer”. O resultado pode ser:

  • Ruim, caso os alimentos ingeridos não contenham microrganismos que apresentem efeito benéfico ou,
  • Pode ser extremamente bom, podendo esta troca genética facilitar a digestão dos produtos ingeridos.

Mudanças na alimentação podem alterar rapidamente a microbiota, e esta modificação poderá ser benéfica ou não.

Exercício físico

Um segundo modo de alterarmos nossa microbiota é através da atividade física. A prática regular de exercícios melhora o humor, previne o declínio cognitivo, modifica a imunidade da mucosa e interfere diretamente sobre a microbiota intestinal. Sua interferência positiva se refere ao aumento de sua diversidade, diminuição de cepas patobiontes, produção de agentes antioxidantes e também aumento da produção de AGCC.

Medicamentos

Qualquer medicamento que interfira na motilidade e secreção intestinais, imunidade, secreção ácido-péptica, etc., pode também modificar a microbiota. Fármacos, como inibidores da bomba de prótons, antidepressivos, quimioterápicos, diuréticos, dentre inúmeros outros, são exemplos conhecidos. Entretanto, são os antibióticos, sem dúvida, os que causam maior impacto. Eles são os exemplos clássicos de promotores de disbiose.

Os antimicrobianos podem, todavia, serem utilizados para manipulação da microbiota de maneira positiva como, por exemplo, na síndrome do supercrescimento bacteriano de intestino delgado. Por outro lado, o uso destes medicamentos de forma indiscriminada, especialmente durante a formação da microbiota, ou seja, nos 1000 primeiros dias de vida, pode trazer impacto para o resto de nossas vidas, por exemplo promovendo maior predisposição para obesidade ou magreza excessiva, doenças alérgicas e autoimunes e neuropsiquiátricas.

Transplante fecal

E possível ainda manipular a microbiota intestinal com o transplante fecal que, sabidamente, modifica claramente a microbiota. Seu uso na prática clínica é restrito ao tratamento de colites secundárias ao Clostridioides difficile que não responderam a terapia com metronidazol e vancomicina.

Protocolos em andamento tentam estudar este método de manipulação da microbiota para tratamento também de doenças inflamatórias intestinais, doenças funcionais, depressão, obesidade, doenças autoimunes, etc. É muito importante que se diga que o uso do transplante fecal engloba a introdução no intestino do hospedeiro, não somente de bactérias, mas de todos os componentes fecais, podendo incluir microrganismos e variada quantidade de proteínas, citocinas, carboidratos, etc.

Estes fatores fazem com que o quesito segurança do transplante de fezes seja analisado com extremo cuidado. No entanto trabalhos promissores têm estudado este método de modificação da microbiota, também para o tratamento de doenças neuropsiquiátricas.

Suplementação

Por fim, outra maneira de manipularmos o conjunto de microrganismos intestinais consiste na suplementação com prebióticos, simbióticos e probióticos. Probióticos são “organismos vivos que quando consumidos em quantidades adequadas, fazem bem para a saúde do hospedeiro”.

Os probióticos podem ser bactérias ou leveduras e devem, portanto, estarem vivos e em número adequado, no seu local de ação, que é a luz intestinal. Para que isto aconteça, esses microorganismos devem resistir à passagem pelo estômago e intestino delgado, já que o ácido clorídrico, pepsina, sais biliares e as enzimas pancreáticas apresentam forte poder bactericida.

E muito importante que sejam conservados e transportados de forma adequada. Alguns microrganismos não podem ser transportados de avião por não resistirem a variação de pressão atmosférica. A conservação dos probióticos também parece ser influenciada pela zona climática, podendo haver diferença de viabilidade e ação dos probióticos em diferentes regiões do planeta, mesmo considerando-se uma mesma cepa.

Diferentes cepas, diferentes ações

É muito importante mencionar que probióticos não são iguais. Embora possam existir características comuns a gêneros e espécies, existe grande variação de acordo com a cepa considerada. Assim como nós somos todos homo sapiens, mas possuímos diferentes RGs e CPFs. Portanto, bactérias de mesmo gênero e espécie, mas com RG diferentes (cepas diferentes), podem promover respostas completamente diferentes.

A ação dos probióticos pode variar não só por causa da cepa, mas também devido à característica genética dos PRR, do clima, da temperatura, dos medicamentos e alimentos utilizados em conjunto, do conteúdo e tipo de prebióticos dados em conjunto e do restante da microbiota do hospedeiro.

Várias cepas juntas

Além disso, é muito importante mencionar que a associação de diferentes cepas em um único produto, não necessariamente leva a melhor resposta clínica. Isso é devido ao fato de que cepas diferentes podem competir por nutrientes e receptores, podem produzir bacteriocinas que matam outras cepas, podem ter diferentes características no que diz respeito à interação com alimentos e medicamentos e sobrevivência em diferentes regiões climáticas. Cepas dadas em conjunto precisam primeiramente serem estudadas em conjunto.

A ação dos probióticos também pode variar de acordo com a matriz utilizada, ou seja, probióticos em leites fermentados, podem funcionar de forma diversa do que quando fornecidos em cápsulas. E, finalmente, como foi dito anteriormente, o uso de simbióticos não necessariamente é melhor do que probióticos isolados, já que para cada probiótico existe um prebiótico ideal.