Você pode modificar sua microbiota intestinal por meio de diferentes escolhas no seu estilo de vida. A alimentação, o uso de medicamentos, a prática de exercícios físicos e até o transplante fecal influenciam diretamente a composição dos microrganismos que vivem no seu intestino. Essas mudanças podem promover equilíbrio (eubiose) ou causar desequilíbrios (disbiose), impactando sua saúde digestiva, imunológica, metabólica e até mental.
Mas, é importante entender que não existe uma microbiota “ideal” para todo mundo. A composição microbiana varia muito entre pessoas e também muda ao longo da vida. O que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. Por isso, ao falar sobre como modificar a microbiota, é fundamental respeitar a individualidade de cada organismo.
Dieta
A forma mais prática e eficaz de alterar sua microbiota é por meio da alimentação. As fibras — especialmente as solúveis — exercem esse papel com destaque. Como não digerimos essas fibras, elas chegam ao intestino grosso intactas e servem de alimento para bactérias benéficas. Assim, essas fibras agem como prebióticos, estimulando o crescimento de microrganismos positivos. Para cada bactéria existe um prebiótico ideal, podendo-se calcular o chamado “índice prebiótico” para cada uma delas. A associação de uma bactéria com a fibra errada, pode fazer com que outras bactérias não desejadas se desenvolvam mais.
Ácidos graxos de cadeia curta
Os prebióticos, uma vez fermentados por bactérias intestinais, geram os chamados ácidos graxos de cadeia curta (AGCC). Os AGCC são: propionato, acetato, lactato e, principalmente, o butirato. Eles são absorvidos e, uma vez na circulação, podem modular a barreira hematoencefálica e interferir de maneira positiva na chegada de substâncias quimicamente ativas ao SNC. Estes ácidos graxos podem interferir diretamente no eixo cérebro intestinal, sendo capazes de controlar vários fatores relacionados com nosso metabolismo de uma maneira geral. São robustas as evidências que mostram alterações na liberação grelina, leptina, PYY, GLP-1, GLP-2, etc.
Os AGCC apresentam também efeito redutor da aderência de cepas patobiontes no nosso intestino e estimulador da atividade de células NK e da atividade fagocítica (dificultando infecções bacterianas). Ainda, eles modulam a resposta imunológica via células dendríticas, podem reduzir inflamação através da secreção de citocinas anti-inflamatórias, como a interleucina 10 (IL-10) e diminuindo as inflamatórias como a IL-Ibeta e a IL-6.
Alimentos e sensores intestinais
Os alimentos ainda podem interferir na microbiota e no eixo cérebro-intestinal através de acoplamento com receptores químicos específicos localizados em células neuroendócrinas intestinais, estimulando a produção de vários hormônios e neurotransmissores.
Existem ainda os chamados “transient receptor potential channels” (TRP) os quais são sensíveis a temperatura e pH dos alimentos, ou qualquer outro estímulo químico, sendo importantes moduladores na transmissão da dor e, consequentemente, do eixo cérebro intestino. Mecanorreceptores também são estimulados pela alimentação e, por consequência, distensão intestinal e gástrica podem ocorrer, alterando a liberação de vários hormônios do tubo digestivo.
Troca genética entre bactérias
As bactérias presentes nos alimentos que você consome podem trocar material genético com as bactérias que vivem no seu intestino. Esse processo, conhecido como transferência gênica lateral, pode facilitar a digestão ou gerar efeitos indesejados, dependendo do tipo de gene que é transferindo entre elas.
Exercício físico
Quando você pratica exercícios físicos com regularidade, melhora a diversidade da sua microbiota, reduz a presença de bactérias patogênicas e aumenta a produção de AGCC. O exercício também fortalece a imunidade intestinal e contribui para o bem-estar mental, o que se reflete positivamente na saúde do intestino e da sua microbiota intestinal.
Medicamentos
Qualquer medicamento que interfira na motilidade e secreção intestinais, imunidade, secreção ácido-péptica, etc., pode também modificar a microbiota. Fármacos, como inibidores da bomba de prótons, antidepressivos, quimioterápicos, diuréticos, dentre inúmeros outros, são exemplos conhecidos. Entretanto, são os antibióticos, sem dúvida, os que causam maior impacto. Eles são os exemplos clássicos de promotores de disbiose.
Os antimicrobianos podem, todavia, serem utilizados para manipulação da microbiota de maneira positiva como, por exemplo, na síndrome do supercrescimento bacteriano de intestino delgado. Por outro lado, o uso destes medicamentos de forma indiscriminada, especialmente durante a formação da microbiota, ou seja, nos primeiros 1000 dias de vida, pode trazer impacto para o resto de nossas vidas, por exemplo promovendo maior predisposição para obesidade ou magreza excessiva, doenças alérgicas e autoimunes e neuropsiquiátricas.
Transplante fecal
Se você passa por um transplante de microbiota fecal, recebe diretamente a microbiota intestinal de outra pessoa. Essa intervenção pode alterar completamente a sua composição microbiana. No momento, seu uso na prática clínica é restrito ao tratamento de colites secundárias ao Clostridioides difficile que não responderam a terapia com metronidazol e vancomicina. No entanto, pesquisadores estudam seu potencial para tratar outras doenças, como inflamações intestinais, obesidade, depressão e doenças autoimunes.
Durante o transplante, você recebe não apenas bactérias, mas todo o conteúdo fecal do doador — o que exige um processo rigoroso de seleção e controle.
Suplementação
Por fim, outra maneira de manipularmos o conjunto de microrganismos intestinais consiste na suplementação com prebióticos, simbióticos e probióticos. Probióticos são “organismos vivos que quando consumidos em quantidades adequadas, fazem bem para a saúde do hospedeiro”.
Os probióticos podem ser bactérias ou leveduras e devem, portanto, estarem vivos e em número adequado, no seu local de ação, que é a luz intestinal. Para que isto aconteça, esses microorganismos devem resistir à passagem pelo estômago e intestino delgado, já que o ácido clorídrico, pepsina, sais biliares e as enzimas pancreáticas apresentam forte poder bactericida.
E muito importante que sejam conservados e transportados de forma adequada. Alguns microrganismos não podem ser transportados de avião por não resistirem a variação de pressão atmosférica. A conservação dos probióticos também parece ser influenciada pela zona climática, podendo haver diferença de viabilidade e ação dos probióticos em diferentes regiões do planeta, mesmo considerando-se uma mesma cepa.
Diferentes cepas, diferentes ações
É muito importante mencionar que probióticos não são iguais. Embora possam existir características comuns a gêneros e espécies, existe grande variação de acordo com a cepa considerada. Assim como nós: somos todos homo sapiens, mas possuímos diferentes RGs e CPFs. Portanto, bactérias de mesmo gênero e espécie, mas com RG diferentes (cepas diferentes), podem promover respostas completamente diferentes.
A ação dos probióticos pode variar não só por causa da cepa, mas também devido à característica genética dos PRR, do clima, da temperatura, dos medicamentos e alimentos utilizados em conjunto, do conteúdo e tipo de prebióticos dados em conjunto e do restante da microbiota do hospedeiro.
Várias cepas juntas
Além disso, é muito importante mencionar que a associação de diferentes cepas em um único produto, não necessariamente leva a melhor resposta clínica. Isso é devido ao fato de que cepas diferentes podem competir por nutrientes e receptores, podem produzir bacteriocinas que matam outras cepas, podem ter diferentes características no que diz respeito à interação com alimentos e medicamentos e sobrevivência em diferentes regiões climáticas. Cepas dadas em conjunto precisam primeiramente ser estudadas em conjunto.
A ação dos probióticos também pode variar de acordo com a matriz utilizada, ou seja, probióticos em leites fermentados, podem funcionar de forma diversa do que quando fornecidos em cápsulas. E, finalmente, como foi dito anteriormente, o uso de simbióticos não necessariamente é melhor do que probióticos isolados, já que para cada probiótico existe um prebiótico ideal.
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