Embora ainda seja um tema controverso, existem várias evidências na literatura de como as bactérias colonizam nosso intestino. Isso pode acontecer ainda dentro do útero materno, mesmo sem haver qualquer sinal de ruptura da barreira amniótica, podendo estes microrganismos chegar ao interior do útero via canal vaginal ou mesmo via hematogênica. Entretanto, parece não haver dúvida que a colonização de fato se inicia durante o nascimento.
Tipos de parto e a colonização microbiana
O tipo de parto está relacionado com diferentes tipos de colonização. Crianças nascidas de parto normal serão inicialmente colonizadas por bactérias do períneo da mãe (microbiota vaginal e intestinal). Já no parto cesariano, serão as bactérias do hospital, da equipe que fez o parto e da pele do abdome materno as primeiras bactérias a serem recebidos pela criança. Inclusive, o trabalho de parto em si é considerado de suma importância para que esta colonização inicial seja feita de modo considerado saudável.
O estresse do parto
O estresse do parto parece estar diretamente relacionado com produção de gama variada de citocinas e hormônios. Estas, por sua vez, se relacionam com a presença de diferentes microrganismos. A cesariana está relacionada com menor número de citocinas produzidas, quando comparado ao parto normal.
Crianças nascidas de parto cesárea, principalmente partos programados, sem rotura da bolsa amniótica e sem trabalho de parto, tendem a ter chance maior de desenvolver problemas de saúde. Esses problemas são: doenças alérgicas, autoimunes, degenerativas, metabólicas, tanto intestinais como extra intestinais, incluindo obesidade, magreza excessiva e doenças cognitivas. A diferença de colonização nesta fase tende a desaparecer no decorrer do primeiro ano de vida, embora existam evidências que tais diferenças possam permanecer até os 7 anos de idade.
Tempo de gestação
Um outro fator a ser considerado é o tempo de gestação. Crianças prematuras apresentam um perfil de microbiota diferente de não prematuros, estando mais vulneráveis a infecções e outras complicações metabólicas. Além do óbvio atraso na maturação dos vários sistemas, os prematuros permanecem mais tempo no hospital. Além de que recebem mais antibióticos e outros medicamentos e usualmente tem aleitamento natural postergado ou ausente. Tais fatores repercutem diretamente na quantidade, diversidade e tipo de microrganismos que irão colonizar o recém-nascido.
Amamentação natural
A amamentação natural é outra variável essencial para o desenvolvimento de microbiota adequada. Embora se procure cada vez mais, fórmulas lácteas que possam substituir o leite materno, ainda temos um longo caminho para que isto seja possível. O leite natural apresenta em sua composição lactobacilos e carboidratos conhecidos como “human milk oligosaccharides” (HMO).
Cada mãe apresenta um tipo de leite, com diferentes lactobacilos e quantidades e tipos variáveis destes HMOs, além de diferentes lipídeos e proteínas. HMOs funcionam como prebióticos, estimulando o crescimento e o desenvolvimento de bactérias benéficas, ligam-se a receptores específicos da mucosa intestinal que poderiam ser ocupados por bactérias patogênicas, dificultando, por exemplo, o aparecimento de infecções.
Além disso, eles apresentam efeito imunomodulador importante, controlam o desenvolvimento de nosso sistema imune, modificam a proliferação e diferenciação de células intestinais, participando inclusive na formação de nosso sistema nervoso central. Crianças que recebem aleitamento materno, tendem a apresentar, pelo menos inicialmente, quociente de inteligência superior às que não recebem este leite.
Amamentação e formação da microbiota intestinal
Do ponto de vista do tipo de microbiota desenvolvida no intestino da criança, o aleitamento natural promove maior presença de lactobacilos e bifidobactérias, clássicos exemplos de bactérias simbiontes. No entanto, o grupo que recebe fórmulas infantis, apesar de desenvolver inicialmente maior diversidade bacteriana, apresentará um predomínio de Clostridia, Staphylococci, Bacteroides, Enterococci, Enterobacteria e o gênero Atopobium, que são microrganismos com potencial efeito patogênico.
A expressão gênica também é diversa, no grupo amamentado com leite materno existe maior expressão de genes imunorreguladores e associados a processos metabólicos do que nos bebês que recebem fórmulas. Havendo diferença na microbiota, é lógico prever variações também na produção de ácidos de graxos de cadeia curta (ACCC). Nas crianças com aleitamento artificial a produção de propionato e butirato parece ser superior do que nas com aleitamento natural.
Resumindo,
Existem evidências convincentes de que o aleitamento materno e o parto normal apresentam efeito protetor contra infecções virais e bacterianas, tornam menos frequente o desenvolvimento de doenças alérgicas, autoimunes, entre outras.
A microbiota à medida que a criança cresce
À medida que a criança cresce ela começa a ingerir diferentes tipos de alimento, desenvolve infecções, recebe vacinas, recebe antibióticos e outros fármacos, que vão aos poucos modulando o microbioma. Com o decorrer do tempo não só o número de microrganismos aumenta, como também sua diversidade, fatores essenciais para o estabelecimento de uma microbiota saudável. De forma especial, a suspensão do aleitamento natural exclusivo traz grandes modificações no perfil microbiano.
A alfa-diversidade aumenta rapidamente e começam a aparecer microrganismos já típicos da microbiota dos adultos, com destaque para o Faecalibacterium prausnitzii e a Akkermansia muciniphila. A ingestão de alimentos sólidos parece representar um fator essencial para esta modificação. Especialmente os primeiros 1000 dias de vida são considerados fundamentais para formação do cerne de nossa microbiota.
Qualquer interferência neste triênio inicial, pode trazer impacto para o resto de nossas vidas. Desta forma, infecções que desenvolvemos na infância, uso de medicamentos que interfiram diretamente na imunidade, secreção ácido-péptica e na motilidade intestinal, aleitamento, tipos de alimentos, convívio com animais, clima, antibióticos, vacinas, etc., podem fazer com que a microbiota formada não seja a ideal.
Outras influências na formação da microbiota
Já podemos presumir que, quanto mais desequilibrada a microbiota materna, menos saudável será a microbiota da criança. Mas, um tema bastante estudado nos últimos anos versa sobre a dieta materna e seu índice de massa corpórea, especialmente o ganho de peso durante a gestação. Filhos de mães com ganho de peso excessivo parecem apresentar microbiota bem diferente da observada em mães com índice de massa corpórea mais reduzido.
Por fim, as características genéticas da criança também influenciam a formação de seu microbioma. Alguns trabalhos com gêmeos mono e dizigóticos sugerem que este fator também modula de forma direta o tipo de microrganismos que irão se desenvolver em nosso intestinos. No entanto, é importante também mencionar que não somente as bactérias (bacterioma) são importantes neste processo.
As participações de virus (viroma), fungos (fungoma ou micoma), protozoários e até helmintos têm sido bastante estudadas. O viroma tem merecido destaque especial, existindo evidências na literatura de sua influência direta na formação do microbioma bacteriano, além de interferir na metabolômica, já que os fagos atuam diretamente no DNA do hospedeiro, de bactérias e das arqueias.
Resumindo,
Não existe ninguém com a mesma microbiota. Atualmente, podemos considerar este conjunto de microrganismos como uma verdadeira impressão digital de cada um de nós. Nota-se ainda, clara diferença entre populações de diferentes origens, mesmo dentro de um mesmo país, mais ainda quando consideramos culturas diferentes, de diversas regiões.
Os vários perfis da microbiota encontrada estão diretamente relacionados com a nossa adaptação ao meio ambiente que vivemos. Assim, é extremante difícil falarmos em uma microbiota saudável do ponto de vista geral. Nós temos a microbiota que merecemos ou necessitamos.
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