Nutricionista Adriana Lauffer

Como as bactérias colonizam nosso intestino

Como as bactérias colonizam nosso intestino

A colonização bacteriana do intestino humano é um processo fascinante e complexo, que se inicia já no período perinatal. Embora ainda haja controvérsias, diversos estudos sugerem que essa colonização pode começar ainda dentro do útero, mesmo sem rompimento da barreira amniótica. Microrganismos conseguem alcançar o ambiente intrauterino por meio do canal vaginal ou da circulação sanguínea materna. No entanto, especialistas concordam que o nascimento representa o ponto de partida mais relevante para essa colonização inicial.

Tipos de parto e a colonização microbiana

O tipo de parto influencia diretamente o perfil microbiano inicial do recém-nascido. No parto vaginal, o bebê adquire bactérias benéficas do canal de parto e da microbiota intestinal e vaginal materna. Em contraste, a cesariana expõe o bebê, sobretudo, à microbiota da pele materna, da equipe médica e do ambiente hospitalar. Além disso, o trabalho de parto libera citocinas e hormônios que favorecem essa transição microbiana, o que não ocorre plenamente nos partos cesarianos eletivos.

O estresse do parto

O estresse do parto parece estar diretamente relacionado com produção de gama variada de citocinas e hormônios. Estas, por sua vez, se relacionam com a presença de diferentes microrganismos. A cesariana está relacionada com menor número de citocinas produzidas, quando comparado ao parto normal. Crianças nascidas de parto cesárea, principalmente partos programados, sem rotura da bolsa amniótica e sem trabalho de parto, tendem a ter chance maior de desenvolver problemas de saúde.

Esses problemas são: doenças alérgicas, autoimunes, degenerativas, metabólicas, tanto intestinais como extra intestinais, incluindo obesidade, magreza excessiva e doenças cognitivas. A diferença de colonização nesta fase tende a desaparecer no decorrer do primeiro ano de vida, embora existam evidências que tais diferenças possam permanecer até os 7 anos de idade.

Tempo de gestação

Um outro fator a ser considerado é o tempo de gestação. Crianças prematuras apresentam um perfil de microbiota diferente de não prematuros, estando mais vulneráveis a infecções e outras complicações metabólicas. Além do óbvio atraso na maturação dos vários sistemas, os prematuros permanecem mais tempo no hospital. Além disso, recebem mais antibióticos e outros medicamentos e, usualmente, tem aleitamento natural postergado ou ausente. Tais fatores repercutem diretamente na quantidade, diversidade e tipo de microrganismos que irão colonizar o recém-nascido.

Amamentação natural

A amamentação natural é outra variável essencial para o desenvolvimento de microbiota adequada. Embora se procure cada vez mais, fórmulas lácteas que possam substituir o leite materno, ainda temos um longo caminho para que isto seja possível. O leite natural apresenta em sua composição lactobacilos e carboidratos conhecidos como “human milk oligosaccharides” (HMO).

Cada mãe apresenta um tipo de leite, com diferentes lactobacilos e quantidades e tipos variáveis destes HMOs, além de diferentes lipídeos e proteínas. HMOs funcionam como prebióticos, estimulando o crescimento e o desenvolvimento de bactérias benéficas, ligam-se a receptores específicos da mucosa intestinal que poderiam ser ocupados por bactérias patogênicas, dificultando, por exemplo, o aparecimento de infecções.

Além disso, eles apresentam efeito imunomodulador importante, controlam o desenvolvimento de nosso sistema imune, modificam a proliferação e diferenciação de células intestinais, participando inclusive na formação de nosso sistema nervoso central. Crianças que recebem aleitamento materno tendem a apresentar, ao menos inicialmente, quociente de inteligência superior às que não recebem.

Amamentação e formação da microbiota intestinal

Do ponto de vista do tipo de microbiota desenvolvida no intestino da criança, o aleitamento natural promove maior presença de lactobacilos e bifidobactérias, clássicos exemplos de bactérias simbiontes. No entanto, o grupo que recebe fórmulas infantis, apesar de desenvolver inicialmente maior diversidade bacteriana, apresentará um predomínio de Clostridia, Staphylococci, Bacteroides, Enterococci, Enterobacteria e o gênero Atopobium, que são microrganismos com potencial efeito patogênico.

A expressão gênica também é diversa, no grupo amamentado com leite materno existe maior expressão de genes imunorreguladores e associados a processos metabólicos do que nos bebês que recebem fórmulas. Havendo diferença na microbiota, é lógico prever variações também na produção de ácidos de graxos de cadeia curta (ACCC). Nas crianças com aleitamento artificial, a produção de propionato e butirato parece ser superior do que nas com aleitamento natural.

A transição alimentar e a microbiota

Conforme o bebê cresce, novos fatores passam a modular seu microbioma: introdução alimentar, infecções, antibióticos, vacinas e suspensão do aleitamento natural exclusivo. Esse conjunto de experiências promove o aumento da diversidade bacteriana, culminando na formação da microbiota típica de um adulto. Microrganismos como Faecalibacterium prausnitzii e Akkermansia muciniphila tornam-se mais frequentes, principalmente após a introdução de alimentos sólidos.

A importância dos primeiros 1000 dias

Os primeiros mil dias de vida são críticos para o estabelecimento de uma microbiota estável e funcional. Interferências durante esse período — como uso excessivo de antibióticos, ausência de aleitamento ou contato ambiental inadequado — podem gerar consequências de longo prazo para a saúde metabólica e imunológica.

Outras influências na formação da microbiota

A microbiota materna também influencia diretamente o bebê, visto que mães com desequilíbrios intestinais ou ganho excessivo de peso durante a gestação tendem a transmitir um perfil microbiano menos saudável. Ademais, fatores genéticos da criança, como demonstrado por estudos com gêmeos, também modulam a composição microbiana. E não podemos esquecer que, além das bactérias, vírus (viroma), fungos (micoma), protozoários e até helmintos fazem parte desse ecossistema, interferindo na função metabólica e imunológica.

Conclusão

Cada indivíduo possui uma microbiota única — uma verdadeira impressão digital microbiana. Essa diversidade é moldada por fatores como parto, aleitamento, alimentação, uso de medicamentos, ambiente e genética. Portanto, não existe uma única microbiota “ideal” para todas as pessoas. O mais importante é favorecer um ecossistema intestinal equilibrado, diverso e funcional — características associadas a melhores desfechos de saúde.

Esse equilíbrio depende de fatores como parto, aleitamento, alimentação, uso de medicamentos, ambiente e genética, especialmente nos primeiros mil dias de vida. Quem não teve um início de vida ideal (por exemplo, nasceu de cesariana, não foi amamentado ou usou muitos antibióticos na infância) ainda pode melhorar significativamente sua microbiota ao longo da vida.

A boa notícia é que a microbiota intestinal é plástica: ela muda constantemente de acordo com os estímulos que recebe. Portanto, mesmo quem não teve um começo ideal pode, sim, cultivar uma microbiota mais equilibrada e colher os benefícios disso em todas as fases da vida.

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Referências:

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