Nutricionista Adriana Lauffer

Vitamina D e a exposição ao sol

Vitamina D e a exposição ao sol

A exposição solar representa a principal fonte natural de vitamina D para a maioria das pessoas, responsável por até 90% da produção desta vitamina em condições ideais. Compreender os mecanismos, benefícios e limitações desta síntese permite otimizar este processo natural, especialmente importante considerando que aproximadamente 40% da população mundial apresenta níveis insuficientes de vitamina D.

Como a vitamina D é produzida na pele

Quando a radiação ultravioleta B (UVB, comprimento de onda 290-315 nm) penetra na epiderme, inicia-se uma cascata bioquímica sofisticada:

  1. A radiação UVB interage com o 7-dehidrocolesterol (pró-vitamina D3) presente nas células da camada basal e espinhosa da epiderme, convertendo-o em pré-vitamina D3
  2. Através de um processo de isomerização térmica dependente da temperatura corporal, a pré-vitamina D3 transforma-se gradualmente em vitamina D3 (colecalciferol) ao longo de 48-72 horas
  3. A vitamina D3 é então liberada para o espaço extracelular e transportada pela corrente sanguínea ligada à proteína transportadora de vitamina D (DBP)
  4. No fígado, ocorre a primeira hidroxilação pela enzima 25-hidroxilase, produzindo 25-hidroxivitamina D [25(OH)D] ou calcidiol, a principal forma circulante e marcador do status da vitamina D
  5. Finalmente, nos rins e em diversos outros tecidos, a enzima 1α-hidroxilase realiza a segunda hidroxilação, convertendo o calcidiol em 1,25-dihidroxivitamina D [1,25(OH)₂D] ou calcitriol, a forma biologicamente ativa

Este processo é notavelmente eficiente: em condições ideais, a exposição de aproximadamente 25% da superfície corporal (braços, pernas e face) por apenas 15-30 minutos pode produzir o equivalente a 10.000-25.000 UI de vitamina D.

Como o organismo controla a produção de vitamina D pelo sol

A natureza desenvolveu mecanismos sofisticados para prevenir a intoxicação por excesso de vitamina D produzida pela exposição solar:

  1. Fotodegradação: após a síntese inicial, a vitamina D3 e seus precursores na pele são susceptíveis à fotodegradação contínua pela mesma radiação UVB que iniciou o processo. Esta fotocatálise converte o excesso de vitamina D3 e pré-vitamina D3 em fotoprodutos biologicamente inativos como o lumisterol e o taquisterol.
  2. Regulação enzimática: os níveis elevados de calcitriol no sangue inibem a expressão da 1α-hidroxilase renal e estimulam a 24-hidroxilase, que degrada tanto o calcidiol quanto o calcitriol, criando um sistema de feedback negativo preciso.
  3. Melanogênese adaptativa: a exposição solar estimula a produção de melanina, que atua como um “guarda-sol natural”, limitando progressivamente a penetração da radiação UVB e, consequentemente, moderando a síntese adicional de vitamina D.

Graças a estes mecanismos integrados, a toxicidade por vitamina D derivada exclusivamente da exposição solar é virtualmente impossível, mesmo em indivíduos que se expõem intensamente ao sol.

Fatores que Influenciam a Síntese Cutânea

A eficiência da síntese de vitamina D é significativamente modulada por fatores geográficos, ambientais e individuais:

Fatores Geográficos e Sazonais

  • Latitude: Em latitudes acima de 37° norte ou abaixo de 37° sul, a radiação UVB torna-se insuficiente para síntese de vitamina D durante os meses de inverno (chamado “inverno da vitamina D”). Por exemplo:
    • Em Boston (42°N), não ocorre síntese significativa de novembro a fevereiro
    • Em Edmonton (52°N), este período estende-se de outubro a março
  • Altitude: A cada 1.000 metros de elevação, a intensidade de radiação UVB aumenta aproximadamente 12%, potencializando a síntese de vitamina D
  • Poluição atmosférica: Partículas poluentes absorvem radiação UVB antes que alcance a pele, reduzindo a síntese em até 60% em áreas urbanas altamente poluídas

Fatores Individuais

  • Pigmentação da pele: a melanina compete com o 7-dehidrocolesterol pelos fótons UVB, reduzindo significativamente a eficiência da síntese. Pessoas com pele muito pigmentada (fototipos V-VI na escala Fitzpatrick) necessitam de 3-6 vezes mais tempo de exposição que pessoas com pele clara (fototipos I-II) para produzir a mesma quantidade de vitamina D.
  • Idade: a capacidade de síntese cutânea diminui significativamente com o envelhecimento. Aos 70 anos, a concentração de 7-dehidrocolesterol na pele é aproximadamente 75% menor que aos 20 anos, reduzindo proporcionalmente a produção de vitamina D.
  • Índice de massa corporal (IMC): a vitamina D é sequestrada pelo tecido adiposo. Pessoas com obesidade (IMC >30) podem apresentar biodisponibilidade reduzida de vitamina D em até 50%, mesmo com exposição solar adequada.
  • Condições médicas: doenças hepáticas, renais, inflamatórias intestinais e síndromes de má absorção podem comprometer significativamente a metabolização e ativação da vitamina D sintetizada na pele.

Recomendações para exposição solar segura e eficaz

Tempo e frequência de exposição

As recomendações devem ser personalizadas considerando fototipo cutâneo, localização geográfica, estação do ano e hora do dia:

Para indivíduos com pele clara (fototipos I-II):

  • Verão em latitudes médias: 10-15 minutos de exposição, 2-3 vezes por semana
  • Inverno em latitudes acima de 40°: Exposição solar pode ser insuficiente, considerar suplementação

Para indivíduos com pele mais escura (fototipos V-VI):

  • Verão em latitudes médias: 25-40 minutos de exposição, 3-4 vezes por semana
  • Inverno em latitudes acima de 40°: Exposição solar geralmente insuficiente, suplementação frequentemente necessária

Horário ideal

  • Princípio do meio-dia solar: a maior eficiência de síntese ocorre quando o sol está em seu ápice, tipicamente entre 10h e 14h (considerando horário de verão), quando a intensidade de UVB é máxima.
  • Equilíbrio com proteção contra danos actínicos: para minimizar danos cutâneos enquanto otimiza a síntese de vitamina D, uma abordagem prática consiste em:
    • Expor-se por períodos controlados nos horários de maior radiação UVB
    • Limitar estritamente o tempo para evitar eritema (vermelhidão)
    • Aplicar protetor solar após o período definido para síntese de vitamina D

Áreas corporais ideais

A exposição de áreas com maior superfície e menor risco de dano actínico cumulativo maximiza benefícios e minimiza riscos:

  • Braços e pernas (aproximadamente 40% da superfície corporal)
  • Evitar face, pescoço e colo, regiões com maior risco de fotoenvelhecimento e neoplasias cutâneas

Populações com considerações especiais

Idosos (acima de 65 anos):

  • Necessitam de 3-4 vezes mais tempo de exposição devido à redução na capacidade de síntese
  • Maior risco de quedas e fraturas associadas à deficiência de vitamina D
  • A exposição regular pode ser benéfica mesmo com menor eficiência

Pacientes com história de câncer de pele ou fotossensibilidade:

  • A exposição solar pode ser contraindicada
  • A suplementação oral representa a alternativa mais segura
  • Consulta com dermatologista e endocrinologista é essencial

Pacientes com doenças inflamatórias cutâneas (psoríase, dermatite atópica):

  • A fototerapia controlada pode ser benéfica tanto para a condição dermatológica quanto para a síntese de vitamina D
  • A exposição deve ser gradual e monitorada

Equilíbrio entre exposição solar e suplementação com vitamina D

Para a maioria das pessoas, uma abordagem equilibrada combina:

  1. Exposição solar regular e controlada quando possível, respeitando as limitações sazonais e geográficas
  2. Alimentação rica em fontes naturais de vitamina D (peixes gordurosos, gema de ovo, cogumelos expostos à radiação UV)
  3. Suplementação quando necessário, especialmente durante:
    • Meses de inverno em latitudes elevadas
    • Para indivíduos de pele escura vivendo longe do equador
    • Pessoas com condições médicas que limitam a síntese ou absorção
    • Idosos e institucionalizados
  4. Monitoramento periódico dos níveis séricos de 25(OH)D, visando manter concentrações entre 30-50 ng/mL (75-125 nmol/L)

Conclusão

A exposição solar representa a forma mais natural e fisiológica de obter vitamina D, com sofisticados mecanismos de autorregulação que previnem toxicidade. Ao compreender os fatores que influenciam esta síntese, podemos otimizar este processo natural através de exposição planejada e complementar com outras fontes quando necessário. Uma abordagem individualizada, considerando fatores geográficos, sazonais e características pessoais, permite maximizar os benefícios da “vitamina do sol” enquanto minimiza riscos à saúde cutânea.

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Referência

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