Nutricionista Adriana Lauffer

Vitamina D e sua importância para a saúde

Vitamina D e sua importância para a saúde

A vitamina D destaca-se como uma substância única no universo das vitaminas, com características que a posicionam na interface entre vitaminas e hormônios. Esta vitamina lipossolúvel é essencial para múltiplas funções fisiológicas, desde o clássico papel no metabolismo mineral até ações recentemente descobertas na modulação imunológica e expressão gênica. Sua importância para a saúde humana é evidenciada pelo fato de que aproximadamente 1 bilhão de pessoas em todo o mundo apresentam níveis inadequados, configurando um problema de saúde pública global.

Metabolismo da vitamina D

Existem duas formas principais de vitamina D com relevância nutricional:

  • Vitamina D2 (ergocalciferol): derivada do ergosterol, presente em alimentos de origem vegetal, principalmente fungos expostos à radiação ultravioleta.
  • Vitamina D3 (colecalciferol): forma sintetizada na pele humana quando exposta à radiação UVB solar (290-315 nm) e também encontrada em alimentos de origem animal.

Diferentemente da classificação tradicional, a vitamina D segue um complexo processo metabólico de ativação, transformando-se efetivamente em um hormônio ativo:

  1. Após ingestão dietética ou síntese cutânea, as formas inativas (D2 ou D3) são transportadas pela proteína ligadora de vitamina D (DBP) até o fígado;
  2. No fígado, ocorre a primeira hidroxilação pela enzima 25-hidroxilase, formando a 25-hidroxivitamina D [25(OH)D] ou calcidiol, principal forma circulante e marcador do status corporal de vitamina D;
  3. Em seguida, nos rins, a enzima 1α-hidroxilase converte o calcidiol em 1,25-dihidroxivitamina D [1,25(OH)₂D] ou calcitriol, a forma biologicamente ativa.

Este metabolismo explica por que a vitamina D é considerada um hormônio: o calcitriol age como hormônio esteroide, ligando-se a receptores nucleares específicos (VDR) presentes em praticamente todos os tecidos do organismo, modulando a expressão de aproximadamente 3% do genoma humano.

A vitamina D é tida como um hormônio pleiotrópico. O termo “hormônio pleiotrópico” refere-se a um hormônio que exerce múltiplos efeitos biológicos em diferentes tecidos e sistemas do organismo, indo além de uma única função específica. A palavra “pleiotrópico” vem do grego “pleion” (mais) e “tropos” (mudança/direção), significando literalmente “múltiplas direções” ou “múltiplos efeitos”.

Fontes de vitamina D

As principais fontes de vitamina D incluem:

  1. Síntese cutânea: responsável por 80-90% da vitamina D no organismo em condições ideais. Fatores que influenciam esta síntese incluem:
    • Latitude geográfica (reduzida acima de 37° norte ou abaixo de 37° sul)
    • Estação do ano (reduzida no inverno)
    • Horário do dia (ideal entre 10h e 15h)
    • Pigmentação da pele (indivíduos com pele mais escura necessitam de 3-5 vezes mais tempo de exposição)
    • Idade (capacidade de síntese reduz 75% aos 70 anos)
    • Uso de protetor solar (FPS 30 reduz a síntese em até 95%)
  2. Fontes alimentares naturais:
    • Peixes gordurosos: salmão selvagem (600-1000 UI/100g), atum, sardinha, cavala
    • Gema de ovo (20-50 UI/unidade)
    • Cogumelos expostos à luz UV (300-500 UI/100g)
    • Óleo de fígado de bacalhau (400-1000 UI/colher de sopa)
  3. Alimentos fortificados (variáveis conforme legislação de cada país):
    • Leites e derivados
    • Cereais matinais
    • Sucos de frutas
    • Margarina
  4. Suplementação: Disponível em diversas formulações, geralmente como vitamina D3 (colecalciferol), que apresenta eficácia 87% superior à vitamina D2 na elevação e manutenção dos níveis séricos.

Funções da vitamina D no organismo

A vitamina D exerce múltiplas funções no organismo humano, atuando tanto em mecanismos genômicos (via receptor nuclear VDR) quanto não-genômicos (via receptores de membrana):

1. Metabolismo do cálcio, saúde óssea e vitamina D

  • Aumenta a absorção intestinal de cálcio (30% para 80% em condições ótimas) e fósforo
  • Promove a reabsorção renal de cálcio e fósforo
  • Regula a atividade dos osteoblastos e osteoclastos no remodelamento ósseo
  • Modula a secreção de paratormônio (PTH) pelas glândulas paratireoides

A deficiência crônica de vitamina D está diretamente associada a:

  • Raquitismo em crianças (deformidades ósseas por mineralização inadequada da matriz óssea)
  • Osteomalacia em adultos (matriz óssea desmineralizada)
  • Osteoporose (especialmente em idosos)
  • Maior risco de fraturas

2. Função imunológica e vitamina D

O calcitriol exerce papel crucial na regulação imunológica, através de:

  • Estímulo à produção de peptídeos antimicrobianos como catelicidina
  • Modulação da diferenciação de células dendríticas
  • Regulação do equilíbrio entre respostas Th1/Th2/Th17/Treg
  • Supressão de processos inflamatórios excessivos

Estudos observacionais e experimentais associam a deficiência de vitamina D a maior susceptibilidade a infecções respiratórias, doenças autoimunes e processos inflamatórios crônicos.

3. Função muscular e vitamina D

Receptores de vitamina D estão presentes nas células musculares, onde exercem papel na:

  • Regulação do transporte de cálcio para contração muscular
  • Síntese proteica e crescimento das fibras musculares
  • Diferenciação de mioblastos

A deficiência grave manifesta-se como miopatia proximal, enquanto estudos de intervenção mostram que a correção dos níveis de vitamina D pode reduzir quedas em idosos em até 22%.

4. Saúde intestinal, microbiota e vitamina D

A vitamina D exerce papel fundamental na homeostase intestinal e na composição da microbiota através de múltiplos mecanismos:

  • Integridade da barreira intestinal: a vitamina D regula a expressão e distribuição de proteínas de junção celular como claudinas, ocludina e zonulina, fortalecendo as junções intercelulares e reduzindo a permeabilidade intestinal. Estudos experimentais demonstram que a deficiência de vitamina D está associada ao comprometimento desta barreira, facilitando a translocação bacteriana e endotoxemia.
  • Modulação da microbiota: receptores de vitamina D (VDR) estão amplamente expressos em células epiteliais intestinais e influenciam diretamente a composição microbiana. Pesquisas recentes demonstram que níveis adequados de vitamina D promovem maior diversidade microbiana e favorecem o crescimento de bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), particularmente butirato.
  • Regulação da resposta imune intestinal: a vitamina D modula o equilíbrio entre tolerância imunológica e inflamação no intestino, regulando a diferenciação de células T reguladoras e a produção de citocinas anti-inflamatórias como IL-10. Esta ação é particularmente relevante na prevenção de inflamação intestinal excessiva e condições como doença inflamatória intestinal.
  • Proteção contra patógenos entéricos: a vitamina D estimula a produção de peptídeos antimicrobianos pelas células epiteliais intestinais, como defensinas e catelicidina, que exercem ação bactericida direta contra patógenos intestinais.

Estudos clínicos têm mostrado associação entre deficiência de vitamina D e maior incidência e gravidade de doenças inflamatórias intestinais, sensibilidades e intolerâncias alimentares e infecções entéricas. Além disso, ensaios de intervenção preliminares sugerem que a normalização dos níveis de vitamina D pode melhorar sintomas gastrointestinais e marcadores inflamatórios em pacientes com estas condições.

5. Outras funções da vitamina D

Evidências emergentes, porém ainda em investigação, sugerem potenciais benefícios da vitamina D em:

  • Regulação da pressão arterial e função cardiovascular
  • Sensibilidade à insulina e metabolismo glicêmico
  • Processos neurodegenerativos e saúde mental
  • Controle do crescimento celular e potencial anticancerígeno

É importante observar que, embora existam associações epidemiológicas entre níveis baixos de vitamina D e maior incidência de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer, os estudos de intervenção com suplementação apresentam resultados heterogêneos e, em sua maioria, não confirmam benefícios inequívocos para desfechos não-esqueléticos.

Avaliação dos níveis de vitamina D

A avaliação laboratorial do status de vitamina D é realizada através da dosagem sérica de 25-hidroxivitamina D [25(OH)D], que reflete tanto a produção endógena quanto a ingestão dietética. A interpretação dos resultados segue critérios estabelecidos por organizações internacionais:

  • Deficiência: <20 ng/mL (<50 nmol/L)
  • Insuficiência: 20-30 ng/mL (50-75 nmol/L)
  • Suficiência: >30 ng/mL (>75 nmol/L)
  • Potencial toxicidade: >100 ng/mL (>250 nmol/L)

Em situações específicas, pode ser útil a avaliação complementar de cálcio sérico, fósforo, paratormônio (PTH), marcadores de remodelação óssea e função renal, especialmente em casos de deficiência grave ou suspeita de distúrbios do metabolismo mineral.

Veja mais no post sobre deficiência e intoxicação por vitamina D.

Prevenção e tratamento da deficiência de vitamina D

Para manutenção de níveis adequados de vitamina D, recomenda-se:

  1. Exposição solar moderada e regular:
    • 5-30 minutos de exposição direta (sem protetor solar) de braços e pernas, 2-3 vezes por semana
    • Preferencialmente entre 10h e 15h
    • A duração ideal varia conforme latitude, estação do ano e pigmentação da pele
  2. Alimentação balanceada incluindo fontes naturais e fortificadas
  3. Suplementação: indicada para grupos de risco ou com deficiência comprovada em exames

Conclusão

A vitamina D transcende a classificação tradicional de vitamina, funcionando como um hormônio pleiotrópico com ações em praticamente todos os sistemas do organismo. Sua importância para a saúde óssea é inquestionável, enquanto seu papel em outros sistemas continua sendo objeto de intensa investigação científica.

Considerando a alta prevalência de hipovitaminose D e seus impactos na saúde, é fundamental manter níveis adequados através de exposição solar apropriada, alimentação balanceada e, quando necessário, suplementação sob orientação profissional. O equilíbrio é essencial: tanto a deficiência quanto o excesso podem acarretar consequências negativas à saúde.

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