Nutricionista Adriana Lauffer

Vitamina D: deficiência e intoxicação

vitamina d: deficiência e intoxicação

A vitamina D, frequentemente chamada de “vitamina do sol”, ocupa um lugar de destaque no universo da suplementação nutricional moderna. Nos últimos anos, testemunhamos um aumento exponencial no interesse por esta vitamina, impulsionado por descobertas científicas que expandiram nossa compreensão sobre suas múltiplas funções no organismo – muito além da tradicional regulação do metabolismo ósseo. Paralelamente, observamos um crescimento alarmante na auto-suplementação, muitas vezes realizada sem orientação profissional adequada e baseada em informações fragmentadas ou sensacionalistas.

Este fenômeno levanta importantes questões de saúde pública: por um lado, estudos epidemiológicos globais revelam alta prevalência de insuficiência e deficiência de vitamina D, afetando cerca de 40% da população mundial; por outro lado, o uso indiscriminado de suplementos em doses elevadas pode levar a quadros de toxicidade, ainda que relativamente raros. Compreender os dois extremos deste espectro – da deficiência à intoxicação – torna-se fundamental tanto para profissionais de saúde quanto para a população geral.

Neste post abrangente, exploraremos as manifestações clínicas, métodos diagnósticos, estratégias de prevenção e tratamento relacionados ao metabolismo da vitamina D, com base nas evidências científicas mais atuais e nas recomendações de organizações de saúde internacionalmente reconhecidas.

Sintomas de carência de vitamina D

A deficiência de vitamina D frequentemente se apresenta de forma silenciosa nos estágios iniciais. Contudo, à medida que progride, diversos sintomas podem manifestar-se devido às múltiplas funções que esta vitamina desempenha no organismo:

  • Fraqueza muscular e dores musculares: a vitamina D regula a função muscular e a expressão de proteínas envolvidas na contração muscular, ocasionando fadiga muscular e redução da performance física quando em níveis inadequados.
  • Comprometimento ósseo: por desempenhar papel fundamental na absorção intestinal de cálcio e na mineralização óssea, sua deficiência está diretamente associada à osteopenia, osteoporose e aumento do risco de fraturas, especialmente em idosos.
  • Fadiga persistente: estudos observacionais correlacionam níveis baixos de vitamina D com sensação de cansaço inexplicável e redução da capacidade funcional.
  • Alterações de humor: pesquisas recentes demonstram associação entre hipovitaminose D e maior incidência de transtornos de humor, incluindo depressão e ansiedade, possivelmente devido à presença de receptores de vitamina D em regiões cerebrais relacionadas à regulação emocional.
  • Comprometimento imunológico: a vitamina D modula a resposta imune inata e adaptativa, influenciando a produção de peptídeos antimicrobianos e a função de células T reguladoras, o que explica o aumento da suscetibilidade a infecções em pacientes deficientes.

Exame que avalia vitamina D no sangue

O parâmetro laboratorial para avaliação do status de vitamina D é a dosagem sérica de 25-hidroxivitamina D (25(OH)D), também conhecida como calcidiol. Esta é a principal forma circulante e reflete tanto a vitamina D produzida na pele quanto a obtida pela dieta e suplementação.

A interpretação dos resultados segue critérios estabelecidos por sociedades médicas internacionais:

  • Suficiente: acima de 30 ng/mL (ou acima de 75 nmol/L)
  • Insuficiente: entre 20-30 ng/mL (ou entre 50-75 nmol/L)
  • Deficiente: abaixo de 20 ng/mL (ou abaixo de 50 nmol/L)

Além da 25(OH)D, a avaliação completa do metabolismo da vitamina D pode incluir dosagens de cálcio sérico, fósforo, paratormônio (PTH) e marcadores de remodelação óssea, especialmente em casos de deficiência grave ou suspeita de distúrbios metabólicos associados.

Vitamina D2 e D3

É importante compreender corretamente as diferentes formas da vitamina D:

  • Vitamina D2 (ergocalciferol): derivada de fontes vegetais e fungos expostos à radiação ultravioleta. Está presente em alguns alimentos fortificados e suplementos.
  • Vitamina D3 (colecalciferol): forma sintetizada na pele humana através da exposição à radiação UVB solar e também encontrada em alimentos de origem animal. É considerada mais eficaz na elevação e manutenção dos níveis séricos de 25(OH)D quando comparada à vitamina D2.
  • Calcidiol (25-hidroxivitamina D): principal forma circulante, produzida no fígado a partir das vitaminas D2 e D3, é o metabólito medido nos exames de sangue para avaliar o status de vitamina D.
  • Calcitriol (1,25-dihidroxivitamina D): forma biologicamente ativa da vitamina D, produzida principalmente nos rins através da hidroxilação do calcidiol. Atua em receptores específicos presentes em múltiplos tecidos.

Estudos de biodisponibilidade demonstram que a vitamina D3 é aproximadamente 87% mais potente que a vitamina D2 na elevação e manutenção dos níveis séricos de 25(OH)D, sendo assim preferencial para a manutenção dos níveis.

Recomendações diárias de vitamina D e de exposição solar

A síntese cutânea é a principal fonte de vitamina D para a maioria das pessoas. Recomenda-se:

  • Exposição solar de braços e pernas (cerca de 25% da superfície corporal) por 5-30 minutos, entre 10h e 15h, 2-3 vezes por semana, sem protetor solar durante este período.
  • Indivíduos de pele escura podem necessitar 3-5 vezes mais tempo de exposição para produzir a mesma quantidade de vitamina D que pessoas de pele clara.

As doses diárias recomendadas de vitamina D variam conforme faixa etária e condições específicas:

  • Bebês até 12 meses: 400 UI/dia
  • Crianças e adultos até 70 anos: 600 UI/dia
  • Adultos acima de 70 anos: 800 UI/dia
  • Gestantes e lactantes: 600 UI/dia

Em situações de deficiência comprovada, doses terapêuticas mais elevadas podem ser prescritas por períodos limitados, geralmente entre 2.000-4.000 UI/dia, sempre sob supervisão médica.

Grupos com maior risco de deficiência que podem se beneficiar da suplementação preventiva incluem:

  • Idosos e institucionalizados
  • Pessoas com limitada exposição solar
  • Indivíduos com pele escura vivendo em latitudes elevadas
  • Pacientes com síndromes de má absorção intestinal
  • Pessoas com obesidade severa
  • Pacientes em uso crônico de anticonvulsivantes, glicocorticoides ou antirretrovirais

Sintomas e consequências da intoxicação por vitamina D

A intoxicação por vitamina D (hipervitaminose D) é rara, ocorrendo quase exclusivamente por suplementação excessiva e prolongada, geralmente com doses superiores a 10.000 UI/dia por períodos extensos. A exposição solar excessiva não causa intoxicação, pois mecanismos regulatórios cutâneos limitam a produção de vitamina D.

O principal mecanismo de toxicidade é a hipercalcemia resultante da absorção intestinal aumentada e mobilização óssea de cálcio. Os sintomas podem incluir:

  • Manifestações gastrointestinais: náuseas, vômitos, constipação, dor abdominal e perda de apetite são frequentemente os primeiros sinais.
  • Sintomas neurológicos: cefaleia, irritabilidade, confusão mental e, em casos graves, até mesmo alteração do nível de consciência.
  • Alterações renais e urinárias: poliúria, polidipsia, desidratação e, se prolongada, nefrocalcinose e insuficiência renal por deposição de cálcio nos rins.
  • Manifestações cardiovasculares: hipertensão arterial, arritmias e, raramente, calcificação vascular acelerada.
  • Fadiga e fraqueza: pessoas afetadas podem sentir fadiga extrema e fraqueza muscular.

Laboratorialmente, a intoxicação caracteriza-se por hipercalcemia, hiperfosfatemia, elevação de 25(OH)D sérica (geralmente acima de 150 ng/mL) e supressão de PTH.

Tratamento para intoxicação por vitamina D

O manejo da intoxicação por vitamina D depende da gravidade dos sintomas e do grau de hipercalcemia:

  1. Intervenções iniciais:
    • Suspensão imediata da suplementação de vitamina D
    • Restrição dietética de cálcio
    • Hidratação vigorosa com solução salina para aumentar a excreção renal de cálcio
  2. Terapias adicionais em casos moderados a graves:
    • Diuréticos de alça (como furosemida) após adequada hidratação
    • Corticosteroides para reduzir a absorção intestinal de cálcio
    • Bisfosfonatos em casos refratários para inibir a reabsorção óssea
  3. Monitoramento: avaliação regular dos níveis séricos de cálcio, fósforo, função renal e 25(OH)D até normalização dos parâmetros.

Em casos muito graves com hipercalcemia ameaçadora à vida, pode ser necessária diálise para remoção do excesso de cálcio circulante.

Conclusão

A vitamina D desempenha funções essenciais no organismo, desde a regulação do metabolismo ósseo até a modulação do sistema imunológico. Tanto sua deficiência quanto seu excesso podem provocar consequências graves à saúde.

O equilíbrio é a chave: busque exposição solar regular e moderada, mantenha uma alimentação que inclua fontes naturais de vitamina D, e utilize suplementação apenas quando indicada e nas doses recomendadas por profissionais de saúde. Exames periódicos são fundamentais para guiar intervenções seguras e eficazes, especialmente em grupos de risco para deficiência.

Saiba mais sobre vitamina D e sua importância para a saúde e sobre Vitamina D e a exposição ao sol.

Referências

  1. Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA, et al. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(7):1911-1930.
  2. Ross AC, Manson JE, Abrams SA, et al. The 2011 report on dietary reference intakes for calcium and vitamin D from the Institute of Medicine: what clinicians need to know. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(1):53-58.
  3. Marcinowska-Suchowierska E, Kupisz-Urbańska M, Łukaszkiewicz J, et al. Vitamin D Toxicity-A Clinical Perspective. Front Endocrinol (Lausanne). 2018;9:550.
  4. Bouillon R, Marcocci C, Carmeliet G, et al. Skeletal and Extraskeletal Actions of Vitamin D: Current Evidence and Outstanding Questions. Endocr Rev. 2019;40(4):1109-1151.
  5. Tripkovic L, Lambert H, Hart K, et al. Comparison of vitamin D2 and vitamin D3 supplementation in raising serum 25-hydroxyvitamin D status: a systematic review and meta-analysis. Am J Clin Nutr. 2012;95(6):1357-1364.
  6. Pilz S, Zittermann A, Trummer C, et al. Vitamin D testing and treatment: a narrative review of current evidence. Endocr Connect. 2019;8(2).
  7. Cashman KD, Dowling KG, Škrabáková Z, et al. Vitamin D deficiency in Europe: pandemic? Am J Clin Nutr. 2016;103(4):1033-1044.
  8. Spiro A, Buttriss JL. Vitamin D: An overview of vitamin D status and intake in Europe. Nutr Bull. 2014;39(4):322-350.