Origens e contexto cultural
A dieta mediterrânea vai muito além de um simples conjunto de recomendações alimentares – ela representa um patrimônio cultural milenar, reconhecido inclusive pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2010. Este padrão alimentar floresceu ao longo de séculos nas civilizações que cercam o Mar Mediterrâneo, especialmente na Grécia, Itália, Espanha, sul da França e parte de Portugal, onde o clima e a geografia favoreceram o cultivo de oliveiras, videiras, grãos e hortaliças.
Historicamente, esse padrão alimentar surgiu da necessidade das populações locais de adaptarem-se aos recursos disponíveis, resultando em uma culinária baseada em ingredientes frescos, sazonais e minimamente processados. Os habitantes dessas regiões desenvolveram, portanto, não apenas um cardápio, mas todo um modo de vida que valoriza a comensalidade – o ato de compartilhar refeições – e o aproveitamento lento e consciente dos alimentos.
Consequentemente, este padrão alimentar passou a chamar a atenção da comunidade científica a partir da década de 1950, quando o pesquisador americano Ancel Keys observou que as populações mediterrâneas apresentavam taxas significativamente mais baixas de doenças cardiovasculares em comparação com outras regiões do mundo, apesar do consumo considerável de gorduras na forma de azeite de oliva.
Como é a dieta mediterrânea
A dieta mediterrânea tradicional fundamenta-se em uma abundância de alimentos de origem vegetal e no equilíbrio nutricional. Seus componentes principais incluem:
Abundância de vegetais, frutas e legumes
Estas populações tradicionalmente consomem em torno de 500-800g destes alimentos diariamente, o que fornece quantidades significativas de fibras, antioxidantes, vitaminas e minerais. A rica variedade de compostos bioativos presentes nesses alimentos, como os flavonoides e carotenoides, contribui para o efeito anti-inflamatório e antioxidante dessa dieta.
Azeite de oliva extra virgem como principal fonte de gordura
O azeite é a pedra angular da dieta mediterrânea. Rico em ácidos graxos monoinsaturados e em compostos fenólicos com propriedades anti-inflamatórias, ele substitui outras fontes de gordura na culinária mediterrânea.
Cereais integrais e minimamente processados
O pão tradicional mediterrâneo, geralmente fermentado naturalmente e produzido com grãos integrais. Ainda, geralmente é acompanhado por outros cereais como a cevada, o trigo integral e a aveia. Estes alimentos fornecem energia de liberação lenta, fibras e nutrientes essenciais.
Leguminosas e oleaginosas com frequência
Feijões, lentilhas, grão-de-bico, ervilhas, bem como nozes, amêndoas e avelãs aparecem regularmente nas refeições mediterrâneas. Afinal, constituem importantes fontes de proteínas vegetais, fibras, vitaminas do complexo B e minerais como magnésio e zinco.
Consumo moderado de laticínios
Os queijos tradicionais e iogurtes, especialmente aqueles fermentados, são consumidos regularmente fornecendo proteínas de alto valor biológico, cálcio e probióticos benéficos para a microbiota intestinal. Porém, também são consumidos em porções controladas.
Peixes e frutos do mar com frequência
O consumo frequente de pescados, especialmente aqueles ricos em ômega-3 como sardinha, anchova e salmão, proporciona proteínas de alta qualidade e gorduras anti-inflamatórias.
Aves, ovos e carnes vermelhas com moderação
As carnes vermelhas são tradicionalmente reservadas para ocasiões especiais ou consumidas em pequenas quantidades como condimento, enquanto aves e ovos aparecem com moderação ao longo da semana.
Ervas e especiarias em abundância
Alecrim, tomilho, orégano, manjericão, alho e cebola não apenas conferem sabor aos alimentos, reduzindo a necessidade de sal. Além disso, também contribuem com compostos bioativos benéficos à saúde.
Vinho tinto com moderação
Embora tradicionalmente presente nas refeições mediterrâneas, o consumo de vinho sempre ocorre durante as refeições, em quantidades modestas e como parte de um momento de socialização. Porém, é importante destacar que estudos recentes têm questionado os benefícios do álcool mesmo em quantidades moderadas, sugerindo que o não consumo pode ser a opção mais segura em termos de saúde pública.
Dieta mediterrânea e saúde cardiovascular
A dieta mediterrânea tem sido extensivamente estudada em relação à saúde cardiovascular, com resultados consistentemente favoráveis. O estudo PREDIMED (Prevenção com Dieta Mediterrânea), um dos maiores ensaios clínicos randomizados nesta área, acompanhou mais de 7.400 participantes por aproximadamente cinco anos e demonstrou que aqueles que seguiram a dieta mediterrânea suplementada com azeite de oliva extra virgem ou nozes apresentaram uma redução de aproximadamente 30% no risco de eventos cardiovasculares maiores em comparação com o grupo controle.
Os mecanismos pelos quais esta dieta beneficia o sistema cardiovascular são múltiplos e complementares:
Melhora do perfil lipídico: a combinação de azeite de oliva, peixes ricos em ômega-3 e baixo consumo de gorduras saturadas contribui para a redução do colesterol LDL (considerado prejudicial) e o aumento do colesterol HDL (considerado protetor). Ademais, estudos demonstram que os polifenóis presentes no azeite de oliva reduzem a oxidação das partículas de LDL, tornando-as menos aterogênicas.
Efeito anti-inflamatório: os ácidos graxos ômega-3, os antioxidantes presentes em frutas e vegetais, e os compostos fenólicos do azeite de oliva atuam sinergicamente para reduzir marcadores inflamatórios como a proteína C-reativa e as interleucinas pró-inflamatórias, que estão diretamente relacionados ao desenvolvimento da aterosclerose.
Controle da pressão arterial: a abundância de potássio, magnésio e cálcio provenientes de vegetais, legumes e nozes, associada ao baixo consumo de sódio, favorece a manutenção de níveis pressóricos saudáveis. Estudos mostram reduções significativas tanto na pressão sistólica quanto na diastólica com a adoção deste padrão alimentar.
Melhora da função endotelial: os nitrados presentes em vegetais de folhas verdes, combinados com os antioxidantes e os ácidos graxos monoinsaturados, melhoram a capacidade de dilatação dos vasos sanguíneos, facilitando o fluxo sanguíneo e reduzindo o risco de formação de coágulos.
Modulação da microbiota intestinal: os prebióticos presentes nas fibras vegetais e os probióticos dos alimentos fermentados promovem uma composição bacteriana intestinal associada à redução da inflamação sistêmica e à melhora do metabolismo lipídico.
Dieta mediterrânea e diabetes
A dieta mediterrânea tem se mostrado particularmente benéfica para pessoas com diabetes ou em risco de desenvolvê-lo. Um dos achados mais significativos vem de uma subanálise do estudo PREDIMED, que demonstrou uma redução de 52% no risco de desenvolver diabetes tipo 2 entre os participantes que seguiram a dieta mediterrânea com suplementação de azeite de oliva extra virgem, quando comparados ao grupo controle.
Os benefícios específicos para o metabolismo da glicose incluem:
Melhora da sensibilidade à insulina: a composição de ácidos graxos presente na dieta mediterrânea, especialmente os monoinsaturados do azeite, favorece a ligação da insulina aos seus receptores, aumentando a captação celular de glicose. Ademais, estudos demonstram que essa alimentação reduz a resistência à insulina, um fator-chave no desenvolvimento do diabetes tipo 2.
Controle glicêmico eficiente: os carboidratos na dieta mediterrânea provêm principalmente de alimentos integrais e ricos em fibras, o que promove uma liberação gradual de glicose na corrente sanguínea, evitando os picos glicêmicos pós-prandiais prejudiciais. O Índice Glicêmico (IG) médio das refeições mediterrâneas é geralmente baixo a moderado.
Efeito protetor das células beta pancreáticas: estudos indicam que os antioxidantes e compostos anti-inflamatórios presentes na dieta mediterrânea podem proteger as células produtoras de insulina do pâncreas contra o estresse oxidativo e a apoptose (morte celular), preservando sua função ao longo do tempo.
Redução da gordura visceral: o padrão alimentar mediterrâneo está associado à redução da adiposidade central e da gordura hepática, ambos fatores determinantes para o desenvolvimento da resistência à insulina e da síndrome metabólica.
Modulação de adipocinas e citocinas: a dieta favorece um perfil mais saudável de adipocinas (hormônios produzidos pelo tecido adiposo), aumentando a adiponectina anti-inflamatória e reduzindo a leptina e outras citocinas pró-inflamatórias. Isso contribui para a melhora da sensibilidade à insulina.
É importante ressaltar que para pessoas com diabetes já diagnosticado, a adesão à dieta mediterrânea deve ser acompanhada por um endocrinologista e um nutricionista, que podem ajustar as proporções dos macronutrientes e os horários das refeições de acordo com o tratamento medicamentoso e as necessidades individuais.
Outros benefícios à saúde
Além dos benefícios cardiovasculares e metabólicos, a dieta mediterrânea está associada a diversos outros efeitos positivos na saúde:
- Proteção cerebral e função cognitiva: metanálises recentes indicam que a adesão à dieta mediterrânea está associada a um risco reduzido de declínio cognitivo e demência, incluindo Alzheimer. O estudo PREDIMED-NAVARRA demonstrou que os participantes com maior adesão à dieta apresentaram melhor desempenho em testes cognitivos ao longo do tempo.
- Saúde digestiva e microbiota: a abundância de fibras, prebióticos e probióticos neste padrão alimentar favorece uma microbiota intestinal diversificada e saudável, associada à redução de inflamação intestinal e risco diminuído de doenças inflamatórias intestinais.
- Redução do risco de certos tipos de câncer: revisões sistemáticas apontam para uma associação entre a dieta mediterrânea e menor incidência de alguns tipos de câncer, particularmente colorretal, de mama e de próstata. Os componentes antioxidantes e anti-inflamatórios da dieta, além do baixo consumo de carnes processadas, contribuem para este efeito protetor.
- Saúde óssea: apesar do consumo moderado de laticínios, a dieta mediterrânea fornece cálcio através de vegetais de folhas verdes, sardinha com espinhas e algumas leguminosas. Além disso, o equilíbrio ácido-base mais favorável e o perfil anti-inflamatório desta alimentação parecem proteger contra a perda óssea.
- Benefícios na esteatose hepática não alcoólica (NAFLD): o alto consumo de ácidos graxos monoinsaturados, antioxidantes e polifenóis presentes no azeite de oliva extra virgem, nozes e vegetais coloridos contribui para reduzir o estresse oxidativo e a inflamação hepática. Pesquisas recentes indicam que a combinação de padrão alimentar mediterrâneo com atividade física regular pode promover regressão significativa da esteatose hepática mesmo sem perda de peso expressiva.
- Longevidade e qualidade de vida: estudos observacionais de longo prazo em populações mediterrâneas tradicionais, como em Creta e certas regiões da Itália, mostram uma associação significativa entre a adesão ao padrão alimentar mediterrâneo e maior expectativa de vida com melhor qualidade de vida nos anos tardios.
Adaptação e personalização da dieta mediterrânea
Adaptar a dieta mediterrânea às realidades individuais é fundamental para sua implementação bem-sucedida. Diversos fatores devem ser considerados neste processo:
Necessidades calóricas e nutricionais específicas: as necessidades energéticas variam conforme idade, sexo, estatura, composição corporal, nível de atividade física e condições de saúde. Um atleta adolescente, por exemplo, precisará de porções significativamente maiores de todos os grupos alimentares em comparação com um idoso sedentário.
Condições socioeconômicas e disponibilidade regional: a dieta mediterrânea pode ser adaptada aos alimentos disponíveis localmente. Portanto, em regiões onde o azeite de oliva é muito caro, por exemplo, outras fontes de gorduras monoinsaturadas como abacate e óleo de canola podem ser alternativas viáveis, embora não contenham os mesmos compostos bioativos.
Preferências pessoais e aspectos culturais: respeitar os hábitos alimentares pré-existentes e incorporar gradualmente novos alimentos mediterrâneos aumenta a chances de adesão a longo prazo. Assim, a transição para este padrão alimentar deve ser progressiva e prazerosa.
Condições de saúde específicas: pessoas com hipertensão podem precisar de restrições adicionais de sódio; indivíduos com doença renal podem necessitar de ajustes nas proteínas e minerais; e aqueles com intolerâncias ou alergias precisarão de substituições específicas.
Desafios na implementação da dieta mediterrânea
A adoção da dieta mediterrânea enfrenta alguns desafios importantes que devem ser reconhecidos:
- Acessibilidade e custo: em certas regiões, ingredientes-chave como azeite de oliva extra virgem, peixes frescos e variedade de vegetais podem ser caros ou de difícil acesso. Portanto, alternativas locais mais acessíveis podem ser incorporadas sem comprometer os princípios fundamentais da dieta.
- Mudança de hábitos arraigados: para populações com tradições alimentares muito diferentes, a transição requer uma abordagem gradual e flexível, com modificações que respeitem a identidade cultural alimentar.
- Falta de tempo para preparar refeições caseiras: o estilo de vida contemporâneo muitas vezes dificulta o preparo de refeições frescas. Estratégias como o preparo de alimentos em lote, refeições simplificadas e planejamento semanal podem ajudar a superar esta barreira.
- Marketing agressivo de alimentos ultraprocessados: a onipresença da publicidade de alimentos industrializados, especialmente direcionada a crianças, representa um obstáculo significativo à adoção de padrões alimentares mais saudáveis.
Considerações finais
A dieta mediterrânea representa muito mais do que um conjunto de recomendações alimentares – trata-se de um padrão cultural e de estilo de vida que valoriza alimentos frescos, minimamente processados e sazonais, juntamente com a atividade física regular e as refeições compartilhadas. As evidências científicas acumuladas nas últimas décadas demonstram consistentemente seus benefícios para a saúde cardiovascular, metabólica, cerebral e geral.
No entanto, é importante reconhecer que nenhum padrão alimentar único é ideal para todos os indivíduos. A dieta mediterrânea oferece um modelo flexível que pode e deve ser adaptado às necessidades individuais, realidades locais e preferências culturais. Também vale ressaltar que seus benefícios são observados no contexto da dieta como um todo. Ou seja, não de alimentos ou nutrientes isolados seus benefícios são obtidos quando praticada com regularidade ao longo do tempo.
Para quem deseja adotar este padrão alimentar, a recomendação é fazer uma transição gradual, incorporando progressivamente mais elementos mediterrâneos à alimentação habitual. Além disso, o ideal é buscar orientação profissional personalizada para garantir que todas as necessidades nutricionais sejam adequadamente atendidas.
Referências
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