Nutricionista Adriana Lauffer

Polifenóis e sua Importância para a Saúde Intestinal

Polifenois-e-sua-Importancia-para-a-Saude-Intestinal

Os polifenóis constituem um grupo diversificado de compostos bioativos naturais encontrados em abundância no reino vegetal, caracterizados por possuírem múltiplos grupos fenólicos em sua estrutura molecular. Estes compostos são metabólitos secundários das plantas, desempenhando funções de proteção contra radiação ultravioleta, patógenos e herbívoros. Nos alimentos, os polifenóis contribuem para características sensoriais como cor, sabor e aroma, sendo particularmente abundantes em frutas coloridas, vegetais, chás, café, cacau, vinho tinto e azeite de oliva. E, pasme, os polifenóis têm muita importância para a saúde intestinal!

Absorção e ação dos polifenóis no intestino

Quando consumidos, apenas uma pequena porção dos polifenóis é absorvida no intestino delgado, enquanto a maior parte (cerca de 90-95%) chega intacta ao cólon. Esta característica é essencial para entender sua importância na saúde intestinal, pois ao alcançarem o intestino grosso, os polifenóis interagem diretamente com a microbiota intestinal, estabelecendo uma relação simbiótica que beneficia tanto os microrganismos quanto o hospedeiro. Nessa relação simbiótica, as bactérias intestinais metabolizam os polifenóis em compostos menores, aumentando sua biodisponibilidade e, em muitos casos, potencializando seus efeitos biológicos.

Efeito prebiótico

Um dos mecanismos mais relevantes pelos quais os polifenóis promovem a saúde intestinal é seu efeito prebiótico. Diversos estudos demonstram que o consumo regular de alimentos ricos em polifenóis estimula seletivamente o crescimento de bactérias benéficas, como Bifidobacterium e Lactobacillus, enquanto inibe o crescimento de patógenos potenciais. Dessa forma, este efeito modulador da microbiota contribui para o estabelecimento de um perfil bacteriano mais equilibrado e diversificado, estado conhecido como eubiose, que é fundamental para a manutenção da saúde intestinal e sistêmica.

Manutenção da barreira intestinal

Os polifenóis também desempenham papel crucial na manutenção da integridade da barreira intestinal. Afinal, estudos recentes demonstram que compostos como a quercetina, resveratrol e curcumina fortalecem as junções estreitas (tight junctions) entre as células epiteliais intestinais, reduzindo a permeabilidade intestinal. Esta ação é particularmente importante na prevenção da chamada “síndrome do intestino permeável” (leaky gut), condição associada a diversas doenças inflamatórias e autoimunes. Portanto, ao preservar a integridade da barreira intestinal, os polifenóis ajudam a prevenir a translocação de toxinas e patógenos para a circulação sistêmica.

Atividade anti-inflamatória

A potente atividade anti-inflamatória dos polifenóis representa outro mecanismo significativo pelo qual estes compostos beneficiam a saúde intestinal. Através da modulação de vias de sinalização como NF-κB e MAPK, os polifenóis reduzem a produção de citocinas pró-inflamatórias e aumentam a expressão de mediadores anti-inflamatórios no intestino. Esta propriedade é especialmente relevante no contexto de doenças inflamatórias intestinais, como doença de Crohn e colite ulcerativa, nas quais a inflamação crônica compromete severamente a função intestinal.

Propriedades antioxidantes

Os polifenóis também se destacam por suas propriedades antioxidantes no ambiente intestinal. Visto que o intestino é constantemente exposto a agentes oxidantes derivados da dieta e do metabolismo que podem causar estresse oxidativo e danos ao epitélio intestinal. Os polifenóis neutralizam estes radicais livres e estimulam enzimas antioxidantes endógenas, protegendo as células intestinais contra danos oxidativos. Dessa forma, esta ação contribui para a manutenção da homeostase intestinal e pode reduzir o risco de doenças relacionadas ao estresse oxidativo, como câncer colorretal.

Produção de ácidos graxos de cadeia curta

Particularmente interessante é a capacidade dos polifenóis de influenciar a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) pela microbiota intestinal. Os AGCC, especialmente o butirato, acetato e propionato, são produtos da fermentação bacteriana que servem como principal fonte de energia para os colonócitos e possuem múltiplos efeitos benéficos na saúde intestinal. Estudos mostram que os polifenóis podem aumentar a produção destes ácidos graxos, seja diretamente através de seu metabolismo por bactérias específicas, seja indiretamente através da modulação da composição da microbiota em favor de bactérias produtoras de AGCC.

Ação no eixo cérebro-intestino

O impacto dos polifenóis na comunicação entre o intestino e outros sistemas do organismo, especialmente o sistema nervoso central, tem sido alvo de crescente interesse científico. O chamado eixo intestino-cérebro é uma via bidirecional de comunicação que envolve mecanismos neurais, imunológicos e endócrinos. Evidências sugerem que, ao modular a microbiota intestinal e reduzir a inflamação, os polifenóis podem influenciar positivamente este eixo, contribuindo para a saúde mental e cognitiva. Portanto, compostos como o resveratrol e as antocianinas demonstraram efeitos promissores em modelos de depressão e ansiedade relacionados à disbiose intestinal.

Produção de metabólitos

Em relação à metabolômica intestinal, os polifenóis exercem importante influência na produção e transformação de metabólitos derivados da microbiota. Ao serem metabolizados pelas bactérias intestinais, os polifenóis geram uma variedade de compostos bioativos, como ácidos fenólicos e valerolactonas, que possuem propriedades biológicas distintas e, muitas vezes, superiores aos compostos originais. Além disso, adicionalmente, os polifenóis podem modificar o metabolismo de xenobióticos e hormônios no ambiente intestinal, afetando sua biodisponibilidade e atividade biológica.

Benefícios em distúrbios intestinais

A utilização terapêutica dos polifenóis em doenças intestinais tem ganhado crescente atenção na pesquisa clínica. Nesse sentido, estudos preliminares sugerem que compostos como a curcumina, resveratrol e quercetina podem ter efeitos benéficos como terapias adjuvantes em condições como síndrome do intestino irritável, doenças inflamatórias intestinais e câncer colorretal. Os mecanismos propostos incluem modulação da microbiota, redução da inflamação, melhora da barreira intestinal e inibição de vias de sinalização relacionadas à proliferação celular desordenada.

Interações

Os polifenóis também demonstram interações significativas com medicamentos e nutrientes no ambiente intestinal. Certos compostos polifenólicos podem afetar a absorção e biodisponibilidade de fármacos e nutrientes, seja por competição por transportadores intestinais, alteração da função de enzimas metabolizadoras ou modificação da permeabilidade intestinal. Estas interações podem ser tanto benéficas quanto prejudiciais, dependendo do contexto específico, e evidenciam a importância de considerar o consumo de polifenóis em pacientes sob tratamento medicamentoso ou com deficiências nutricionais.

Conclusão

Finalmente, é importante ressaltar que os benefícios dos polifenóis para a saúde intestinal são dependentes de fatores individuais, como genética, composição da microbiota, idade e estado de saúde geral. Portanto, a biodisponibilidade e os efeitos metabólicos dos polifenóis variam significativamente entre indivíduos, o que explica a heterogeneidade nas respostas observadas em estudos clínicos. No entanto, pesquisas futuras na área de nutrição personalizada prometem identificar perfis de indivíduos que possam se beneficiar mais significativamente de intervenções nutricionais baseadas em polifenóis, otimizando seus efeitos na saúde intestinal e sistêmica.

Referências

  1. Cardona, F., Andrés-Lacueva, C., Tulipani, S., Tinahones, F. J., & Queipo-Ortuño, M. I. (2013). Benefits of polyphenols on gut microbiota and implications in human health. The Journal of Nutritional Biochemistry, 24(8), 1415-1422.
  2. Kumar Singh, A., Cabral, C., Kumar, R., Ganguly, R., Kumar Rana, H., Gupta, A., Rosaria Lauro, M., Carbone, C., Reis, F., & Pandey, A. K. (2019). Beneficial effects of dietary polyphenols on gut microbiota and strategies to improve delivery efficiency. Nutrients, 11(9), 2216.
  3. Valdés, L., Cuervo, A., Salazar, N., Ruas-Madiedo, P., Gueimonde, M., & González, S. (2015). The relationship between phenolic compounds from diet and microbiota: impact on human health. Food & Function, 6(8), 2424-2439.
  4. Ozdal, T., Sela, D. A., Xiao, J., Boyacioglu, D., Chen, F., & Capanoglu, E. (2016). The reciprocal interactions between polyphenols and gut microbiota and effects on bioaccessibility. Nutrients, 8(2), 78.
  5. Etxeberria, U., Fernández-Quintela, A., Milagro, F. I., Aguirre, L., Martínez, J. A., & Portillo, M. P. (2013). Impact of polyphenols and polyphenol-rich dietary sources on gut microbiota composition. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 61(40), 9517-9533.
  6. Kawabata, K., Yoshioka, Y., & Terao, J. (2019). Role of intestinal microbiota in the bioavailability and physiological functions of dietary polyphenols. Molecules, 24(2), 370.
  7. Oteiza, P. I., Fraga, C. G., Mills, D. A., & Taft, D. H. (2018). Flavonoids and the gastrointestinal tract: Local and systemic effects. Molecular Aspects of Medicine, 61, 41-49.
  8. Duda-Chodak, A., Tarko, T., Satora, P., & Sroka, P. (2015). Interaction of dietary compounds, especially polyphenols, with the intestinal microbiota: a review. European Journal of Nutrition, 54(3), 325-341.
  9. Espín, J. C., González-Sarrías, A., & Tomás-Barberán, F. A. (2017). The gut microbiota: A key factor in the therapeutic effects of (poly)phenols. Biochemical Pharmacology, 139, 82-93.
  10. Tomas-Barberan, F. A., Selma, M. V., & Espín, J. C. (2018). Polyphenols’ gut microbiota metabolites: bioactives or biomarkers? Journal of Agricultural and Food Chemistry, 66(14), 3593-3594.
  11. Cueva, C., Gil-Sánchez, I., Ayuda-Durán, B., González-Manzano, S., González-Paramás, A. M., Santos-Buelga, C., Bartolomé, B., & Moreno-Arribas, M. V. (2017). An integrated view of the effects of wine polyphenols and their relevant metabolites on gut and host health. Molecules, 22(1), 99.
  12. Rodríguez-Daza, M. C., Daoust, L., Boutkrabt, L., Pilon, G., Varin, T. V., Dudonné, S., Levy, E., Marette, A., Roy, D., & Desjardins, Y. (2020). Wild blueberry proanthocyanidins shape distinct gut microbiota profile and influence glucose homeostasis and intestinal phenotypes in high-fat high-sucrose fed mice. Scientific Reports, 10(1), 2217.
  13. González-Sarrías, A., Núñez-Sánchez, M. Á., Tomás-Barberán, F. A., & Espín, J. C. (2017). Neuroprotective effects of bioavailable polyphenol-derived metabolites against oxidative stress-induced cytotoxicity in human neuroblastoma SH-SY5Y cells. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 65(4), 752-758.
  14. Fraga, C. G., Croft, K. D., Kennedy, D. O., & Tomás-Barberán, F. A. (2019). The effects of polyphenols and other bioactives on human health. Food & Function, 10(2), 514-528.
  15. Anhê, F. F., Varin, T. V., Le Barz, M., Desjardins, Y., Levy, E., Roy, D., & Marette, A. (2015). Gut microbiota dysbiosis in obesity-linked metabolic diseases and prebiotic potential of polyphenol-rich extracts. Current Obesity Reports, 4(4), 389-400.