Nutricionista Adriana Lauffer

Glúten oculto nos alimentos

gluten oculto nos alimentos

A procura por produtos sem glúten tem crescido significativamente nos últimos anos, não apenas por pessoas diagnosticadas com doença celíaca, mas também por aquelas com sensibilidade ao glúten não celíaca ou que optam por uma dieta livre dessa proteína por questões de saúde. No entanto, mesmo com toda atenção aos rótulos e ingredientes, o glúten pode se esconder em diversos produtos onde menos esperamos. Este artigo explora os lugares surpreendentes onde o glúten pode estar presente e oferece orientações práticas para evitá-lo.

O que é o glúten e por que algumas pessoas precisam evitá-lo

O glúten é uma proteína presente no trigo, centeio, cevada e, em menor quantidade, na aveia (principalmente por contaminação cruzada). Esta proteína confere elasticidade às massas e ajuda na textura de diversos alimentos. Para a maioria das pessoas, o glúten não causa problemas, porém, para aproximadamente 1% da população mundial com doença celíaca, o consumo desta proteína desencadeia uma resposta imunológica que danifica o intestino delgado.

Além da doença celíaca, existe também a sensibilidade ao glúten não celíaca, que afeta cerca de 6% da população e causa sintomas como fadiga, dores articulares, problemas digestivos e neurológicos, sem provocar os danos intestinais característicos da doença celíaca. Em ambos os casos, a única forma de controlar os sintomas e prevenir complicações é seguir uma dieta rigorosamente livre de glúten.

Fontes óbvias vs. fontes ocultas de glúten

As fontes óbvias de glúten são facilmente identificáveis: pães, massas, bolos, biscoitos e cerveja feitos com trigo, centeio ou cevada, preparos que levem trigo, como bolos, alimentos à milanesa ou à dorê. Entretanto, o glúten também pode estar presente em alimentos processados de forma menos evidente. Afinal, a indústria alimentícia utiliza derivados de cereais que contêm glúten como espessantes, estabilizantes e aglutinantes em diversos produtos.

Onde está o glúten oculto nos alimentos?

Vamos ver alguns exemplos:

Glúten oculto nos alimentos processados

Muitos alimentos processados contêm glúten em sua composição, mesmo quando não esperamos encontrá-lo. Molhos prontos, caldos e temperos industrializados frequentemente usam farinha de trigo como espessante. Outro exemplo são os embutidos como salsichas, mortadelas e presuntos, que podem conter proteína vegetal hidrolisada derivada do trigo.

Produtos como sorvetes, chocolates e até mesmo batatas fritas também podem conter glúten, seja como estabilizante ou devido à contaminação cruzada durante o processamento. Outros exemplos: ketchup, maionese, patês, chocolate em pó, salsichas, temperos industrializados… Surpreendentemente, até mesmo medicamentos e suplementos vitamínicos podem usar excipientes com glúten para facilitar a compressão ou estabilidade dos comprimidos.

Termos nos rótulos que podem indicar a presença de glúten

Identificar o glúten nos rótulos requer atenção aos ingredientes que podem conter esta proteína. Alguns termos comuns incluem:

  • Malte, xarope ou extrato de malte (geralmente derivado da cevada)
  • Amido ou amido modificado (quando não especificado a fonte)
  • Proteína vegetal hidrolisada
  • Seitan (feito totalmente de glúten de trigo)
  • Triticum (nome científico do trigo)
  • Hordeum (nome científico da cevada)
  • Secale (nome científico do centeio)
  • Extrato de levedura (frequentemente cultivada em cevada)
  • Agentes de textura e estabilizantes não especificados
  • Sêmola
  • Amidos modificados: E-1404 (amidooxidado), E-1412 (de amido dissubstituído), E-1414 (amidoacetiladofosfato), E-1422 (adipato de amido dissubstituídoacetilado), E-1442 (de amido dissubstituído Hydroxy) E-1410 (fosfato de amido dissubstituído), E-1413 (fosfato de amidofosfato), E-1420 (amidoacetilado), E-1440 (amidohidroxipropil), E-1450 (octenyl succinatode amido).

Produtos surpreendentes que podem conter glúten

Alguns produtos surpreendentes que podem conter glúten incluem:

Alimentos

  • Molhos de soja: tradicionalmente fermentados com trigo
  • Picles e conservas: podem conter malte vinagre
  • Sorvetes: alguns usam estabilizantes derivados do trigo
  • Batatas fritas industrializadas: podem ser temperadas com aromas que contêm glúten
  • Iogurtes com frutas ou saborizados: podem conter espessantes com glúten
  • Produtos “sem lactose”: não significam automaticamente “sem glúten”
  • Vodka, gin, whisky
  • Hóstias de comunhão
  • Aveia, por contaminação no processo de produção
  • Café em pó (pode ter cevada na composição)

Produtos não alimentícios

  • Cosméticos como batons e gloss: podem conter derivados de trigo e ser acidentalmente ingeridos
  • Medicamentos e suplementos: podem usar glúten como excipiente ou aglutinante
  • Massas de modelar infantis: feitas frequentemente com farinha de trigo
  • Selos e envelopes: a cola pode conter glúten, embora hoje em dia não se use mais selos e envelopes

Contaminação cruzada do glúten

A contaminação cruzada representa um desafio significativo para pessoas com doença celíaca. Ocorre quando alimentos naturalmente isentos de glúten entram em contato com alimentos que contêm glúten durante o cultivo, transporte, armazenamento, processamento ou preparação.

Mesmo quantidades mínimas de glúten podem causar reações em pessoas com doença celíaca. Um estudo publicado no Journal of the American Dietetic Association mostrou que pacientes com doença celíaca podem desenvolver sintomas com apenas 50 miligramas de glúten, quantidade equivalente a cerca de 1/100 de uma fatia de pão.

Restaurantes representam um ambiente de alto risco para contaminação cruzada, pois utensílios, superfícies de preparo e até mesmo o óleo de fritura podem conter resíduos de glúten. É fundamental informar os atendentes sobre a necessidade de evitar o glúten e questionar sobre os métodos de preparo dos alimentos.

Dicas práticas para identificar e evitar o glúten oculto nos alimentos

Leitura de rótulos

Aprenda a identificar ingredientes que contêm glúten nos rótulos. A legislação em muitos países exige a declaração de alérgenos, incluindo o trigo, mas nem sempre menciona outros grãos que contêm glúten. Procure por selos de certificação “sem glúten” de organizações confiáveis.

Cozinha segura

Mantenha uma cozinha organizada para evitar contaminação cruzada. Se possível, reserve utensílios exclusivos para preparações sem glúten. Utilize tábuas de corte separadas e higienize adequadamente todas as superfícies e utensílios.

Alimentos naturais

Priorize alimentos naturais e não processados como frutas, vegetais, carnes frescas, ovos e laticínios puros, que naturalmente não contêm glúten. Grãos como arroz, milho, quinoa, amaranto e trigo sarraceno são alternativas seguras, desde que processados em ambientes livres de contaminação.

Aplicativos de telefone

Utilize aplicativos específicos para dietas sem glúten que permitem verificar a segurança de produtos através de códigos de barras ou bancos de dados atualizados. Estes podem ser particularmente úteis durante compras em supermercados.

Legislação e rotulagem

A legislação sobre rotulagem de glúten varia conforme o país. Nos Estados Unidos, por exemplo, a FDA estabelece que produtos rotulados como “sem glúten” devem conter menos de 20 partes por milhão (ppm) de glúten. No Brasil, a ANVISA determina que alimentos industrializados que contenham glúten devem apresentar a informação “CONTÉM GLÚTEN” em seus rótulos, conforme a Lei nº 10.674/2003.

No entanto, é importante observar que estas regulamentações nem sempre garantem total segurança para pessoas com doença celíaca mais sensíveis. Além disso, a indicação “pode conter traços de glúten” frequentemente aparece como medida preventiva da indústria contra potenciais processos, mesmo quando o risco de contaminação é baixo.

Conclusão

Navegar pelo mundo dos alimentos com restrição ao glúten exige vigilância constante e conhecimento sobre onde esta proteína pode estar oculta. Embora possa parecer desafiador inicialmente, com tempo e prática, identificar e evitar fontes de glúten torna-se mais fácil.

A boa notícia é que a crescente conscientização sobre a doença celíaca e a sensibilidade ao glúten tem incentivado a indústria alimentícia a desenvolver mais produtos realmente livres de glúten e a melhorar a transparência na rotulagem. Isso, combinado com o aumento de opções naturalmente sem glúten disponíveis no mercado, torna a dieta restrita cada vez mais acessível e diversificada.

Para pessoas com doença celíaca, entender onde o glúten pode estar escondido não é apenas uma questão de preferência alimentar, mas uma necessidade de saúde. Por isso, mantenha-se informado, questione quando necessário e priorize seu bem-estar através de escolhas alimentares conscientes.

Saiba mais sobre os alimentos sem glúten.

Referências

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