Você sabia que suas escolhas alimentares diárias podem determinar se você desenvolverá pedras nos rins ao longo da vida? A nefrolitíase, nome científico para os cálculos renais, afeta aproximadamente 10% da população mundial e sua incidência continua aumentando drasticamente nas últimas décadas. Este crescimento alarmante está diretamente ligado às mudanças nos padrões alimentares modernos e ao aumento das taxas de obesidade global.
Surpreendentemente, cerca de 50% das pessoas que desenvolvem um primeiro episódio de cálculo renal experimentarão uma recorrência nos próximos 5-10 anos se não modificarem seus hábitos. Consequentemente, compreender a relação entre alimentação e formação de cálculos renais torna-se essencial para prevenir não apenas o primeiro episódio, mas também as dolorosas recidivas desta condição.
O que causa pedra nos rins? A relação entre alimentação e cálculos renais
Nossa dieta afeta diretamente a composição da urina, criando um ambiente favorável ou desfavorável à formação de cristais que podem evoluir para cálculos renais. Inicialmente, os alimentos que consumimos alteram o pH urinário, a concentração de minerais e a presença de inibidores naturais de cristalização. Portanto, mudanças alimentares representam a primeira linha de defesa contra esta condição dolorosa e potencialmente recorrente.
Os cálculos renais formam-se quando substâncias normalmente presentes na urina, como cálcio, oxalato e ácido úrico, concentram-se excessivamente. Adicionalmente, fatores como desidratação, pH urinário alterado e desequilíbrio de inibidores naturais da cristalização contribuem significativamente para este processo. Consequentemente, intervenções dietéticas específicas podem modificar estes parâmetros, reduzindo substancialmente o risco de formação de cálculos.
Sintomas de pedras nos rins
- Dor muito intensa no fundo das costas;
- Queimação ao urinar;
- Urina escura ou com sangue;
- Náuseas e vômitos;
- Febre e calafrios.
Tipos de pedras nos rins
As recomendações da sua dieta devem ser baseadas em um exame de urina de 24 horas e de acordo com o tipo de cálculo que você produz.

Cálculos de cálcio (oxalato ou fosfato)
Para este tipo de cálculo, o mais comum (representando cerca de 80% dos casos), recomenda-se:
- Manter consumo adequado de cálcio (1.000-1.200 mg/dia)
- Reduzir sódio (menos de 2.300 mg/dia)
- Limitar proteína animal (0,8-1,0 g/kg/dia)
- Consumir alimentos ricos em citrato, como frutas cítricas
- Moderar consumo de oxalato em casos de hiperoxalúria
Cálculos de ácido úrico
Para cálculos de ácido úrico (5-10% dos casos), as recomendações incluem:
- Alcalinizar a urina através do consumo de frutas e vegetais
- Reduzir alimentos ricos em purinas, como carnes vermelhas, frutos do mar e álcool
- Manter peso saudável, já que a obesidade aumenta a produção de ácido úrico
- Evitar dietas cetogênicas e jejuns prolongados
Cálculos de estruvita
Estes cálculos, associados a infecções urinárias (5-15% dos casos), requerem principalmente tratamento médico da infecção subjacente. Adicionalmente, uma dieta acidificante pode auxiliar, incluindo proteínas animais em quantidades moderadas e redução de alimentos alcalinizantes.
Cálculos de cistina
Para esta forma rara (menos de 1% dos casos), causada por um distúrbio genético, recomenda-se:
- Hidratação intensiva (3-4 litros diários)
- Dieta alcalinizante rica em frutas e vegetais
- Restrição moderada de sódio e proteína animal
Relação ente o pH da urina e a formação de cálculos renais
A acidez da urina (ou seja, o pH urinário) tem uma influência direta na formação de certos tipos de pedras nos rins (cálculos renais), porque ela afeta a solubilidade de sais e cristais que podem se acumular nos rins.
- Urina muito ácida (pH baixo <5,0): favorece pedras de ácido úrico e oxalato de cálcio.
- Urina muito alcalina (pH alto, >7,0): favorece pedras de estruvita e fosfato de cálcio.
O que fazer para evitar a formação de pedra nos rins
Controle o consumo excessivo de proteína animal
O alto consumo de carnes e outros produtos de origem animal eleva significativamente o risco de desenvolver cálculos renais. Estudos epidemiológicos demonstram que pessoas que consomem mais de 90g de proteína animal diariamente apresentam 33% mais chances de formar cálculos quando comparadas àquelas com baixo consumo. Isto ocorre porque a proteína animal aumenta a excreção urinária de cálcio, reduz o citrato (um inibidor natural da formação de cálculos) e torna a urina mais ácida, criando o ambiente perfeito para a cristalização mineral.
Evite sódio em excesso
O consumo elevado de sal representa outro importante fator de risco. Pesquisas mostram que o aumento de apenas 1g na ingestão diária de sódio eleva a excreção urinária de cálcio em aproximadamente 25mg. Surpreendentemente, este efeito é ainda mais pronunciado em pessoas com histórico familiar de cálculos renais. Assim, reduzir o consumo de alimentos processados, principais fontes de sódio na dieta moderna, torna-se uma estratégia preventiva essencial.
Modere os açúcares refinados e bebidas adoçadas
O consumo excessivo de açúcares, especialmente a frutose presente em bebidas adoçadas e alimentos processados, aumenta a excreção urinária de cálcio e ácido úrico. Um estudo prospectivo com mais de 190.000 participantes demonstrou que o consumo diário de apenas uma porção de refrigerante aumenta o risco de cálculos renais em 23%. Além disso, a frutose eleva a produção de ácido úrico e afeta o metabolismo de purinas, contribuindo para a formação de cálculos de ácido úrico.
Cuidado com o oxalato
Alimentos ricos em oxalato, como espinafre, ruibarbo, beterraba, nozes, chocolate e chá preto, podem aumentar o risco em indivíduos predispostos. Entretanto, a restrição severa de oxalato só é recomendada para pessoas com hiperoxalúria comprovada ou com cálculos recorrentes de oxalato de cálcio. Curiosamente, o consumo adequado de cálcio nas mesmas refeições pode reduzir a absorção intestinal de oxalato, diminuindo sua excreção urinária.
Como evitar a formação de cálculos renais
Hidratação adequada
A água representa o mais poderoso fator de proteção contra cálculos renais. Estudos mostram que pessoas que produzem mais de 2,5 litros de urina diariamente têm 50% menos risco de desenvolver cálculos quando comparadas àquelas com volume urinário inferior a 1 litro. Assim, a recomendação é consumir líquidos suficientes para produzir pelo menos 2 litros de urina clara diariamente, o que geralmente requer a ingestão de 2,5 a 3 litros de líquidos, principalmente água.
Consumo de frutas e vegetais
Dietas ricas em frutas e vegetais protegem contra a formação de cálculos renais através de múltiplos mecanismos. Inicialmente, estes alimentos são fontes naturais de potássio e citrato, que alcalinizam a urina e inibem a cristalização mineral. Adicionalmente, fornecem fibras que reduzem a absorção intestinal de cálcio. Estudos observacionais demonstram que o consumo de 5 ou mais porções diárias de frutas e vegetais está associado a uma redução de até 40% no risco de formação de cálculos.
Consumo adequado de cálcio
Contrariamente à crença popular, a restrição de cálcio na dieta aumenta o risco de cálculos renais em vez de reduzi-lo. O cálcio dietético liga-se ao oxalato no intestino, impedindo sua absorção e excreção urinária. Um estudo prospectivo com mais de 45.000 homens demonstrou que aqueles com maior consumo de cálcio dietético (média de 1.326 mg/dia) apresentavam 34% menos risco de desenvolver cálculos renais em comparação com aqueles que consumiam menos (média de 516 mg/dia). Portanto, a recomendação atual é manter a ingestão adequada de cálcio através de alimentos, não suplementos.
A importância do magnésio e da vitamina B6
Alimentos ricos em magnésio e vitamina B6, como grãos integrais, leguminosas, bananas e batatas, também exercem efeito protetor. O magnésio forma complexos com o oxalato, reduzindo sua absorção intestinal, enquanto a vitamina B6 diminui a produção endógena de oxalato. Estudos observacionais sugerem que pessoas com maior ingestão destes nutrientes apresentam menor risco de formação de cálculos.
O que importa é o padrão alimentar
Em vez de focar em nutrientes isolados, a ciência moderna enfatiza a importância de padrões alimentares completos. Um estudo prospectivo com mais de 16.000 participantes encontrou que, aqueles com maior adesão à dieta mediterrânea, apresentavam 40% menos risco de desenvolver cálculos renais após ajuste para outros fatores de risco. Sendo assim, a dieta mediterrânea, caracterizada pelo consumo abundante de frutas, vegetais, azeite de oliva, frutos do mar e consumo limitado de carnes vermelhas, demonstra forte associação com menor risco de cálculos renais.
Por outro lado, o padrão alimentar ocidental, rico em carnes processadas, alimentos ultraprocessados e açúcares refinados, correlaciona-se com maior risco. Pesquisas indicam que este padrão não apenas aumenta o risco de cálculos, mas também de outras condições metabólicas como obesidade, diabetes e hipertensão, que por sua vez são fatores de risco para nefrolitíase.
Obesidade e pedras nos rins
A obesidade constitui um fator de risco independente para cálculos renais, aumentando o risco em até 75% em pessoas com IMC superior a 30 kg/m². Mecanismos envolvidos incluem aumento da excreção urinária de promotores da cristalização (cálcio, oxalato, ácido úrico) e redução de inibidores (citrato). Além disso, a resistência à insulina, comum na obesidade, afeta o transporte renal de ácido úrico e cálcio. Consequentemente, a perda de peso saudável representa uma estratégia preventiva importante, mas dietas restritivas e de rápida perda de peso devem ser evitadas, pois podem temporariamente aumentar o risco.
Plano de prevenção para cálculos renais
Com base nas evidências científicas atuais, um plano alimentar prático para prevenção de cálculos renais inclui:
- Hidratação: beba 2,5-3 litros de líquidos diariamente, principalmente água
- Frutas e vegetais: consuma pelo menos 5 porções diárias, priorizando variedade de cores
- Cálcio adequado: inclua 2-3 porções diárias de laticínios com baixo teor de gordura ou alternativas fortificadas com cálcio
- Proteína moderada: limite proteína animal a 0,8-1,0 g/kg/dia, priorizando fontes vegetais
- Sal controlado: reduza alimentos processados e adição de sal às refeições
- Açúcares limitados: evite bebidas açucaradas e doces industrializados
- Equilíbrio de oxalato: consuma alimentos ricos em oxalato junto com fontes de cálcio para reduzir absorção
O que fazer quando está numa crise renal
Quando você está em meio a uma crise renal (cólica nefrética), é importante tomar medidas imediatas para gerenciar a dor e buscar tratamento adequado. Portanto, aqui estão as ações recomendadas:
- Busque atendimento médico urgente: uma crise renal intensa deve ser tratada como emergência médica, especialmente se acompanhada de febre, náuseas intensas ou incapacidade de urinar.
- Hidrate-se adequadamente: beba bastante água (2-3 litros por dia) para ajudar a eliminar o cálculo. A menos que seu médico tenha recomendado restrição de líquidos por alguma razão específica.
- Controle a dor: tome os analgésicos recomendados pelo seu médico.
- Aplique calor: aplicar compressa quente na área lombar pode ajudar a relaxar os músculos e aliviar a dor temporariamente.
- Evite atividades físicas intensas: repouse durante a crise, mas movimente-se moderadamente quando possível, pois o movimento pode ajudar o cálculo a se deslocar.
Conclusão
A alimentação exerce papel fundamental tanto na prevenção quanto no tratamento dos cálculos renais. Através de escolhas alimentares conscientes, podemos modificar significativamente os fatores de risco para esta condição dolorosa e recorrente. Embora a predisposição genética desempenhe seu papel, as evidências científicas demonstram claramente que intervenções dietéticas apropriadas podem reduzir o risco mesmo em indivíduos geneticamente predispostos.
A abordagem nutricional ideal para prevenção de cálculos renais alinha-se com os princípios de alimentação saudável para prevenção de diversas doenças crônicas: abundância de frutas e vegetais, consumo adequado de cálcio, proteínas em quantidades moderadas, baixo consumo de sódio e açúcares refinados, e hidratação adequada. Estas recomendações, baseadas em sólidas evidências científicas, não apenas reduzem o risco de cálculos renais, mas também promovem saúde e bem-estar geral.
Para finalizar, é importante ressaltar que a orientação nutricional para prevenção de cálculos renais deve ser individualizada, especialmente para pessoas com histórico de cálculos recorrentes ou fatores de risco específicos. A consulta com nefrologistas e nutricionistas especializados permite desenvolver um plano alimentar personalizado que considere não apenas o tipo de cálculo, mas também preferências pessoais, comorbidades e estilo de vida, aumentando assim as chances de sucesso no longo prazo.
Fonte da foto: site http://www.pedranorim.com.br/
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