Nutricionista Adriana Lauffer

Úlceras pépticas: sintomas, causas e tratamentos

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As úlceras digestivas afetam milhões de pessoas em todo o mundo, causando não apenas desconforto significativo, mas também potenciais complicações sérias quando não tratadas adequadamente. Neste post, vamos entender os vários aspectos dessa condição, desde os primeiros sinais e sintomas, suas causas até as mais modernas abordagens terapêuticas e tratamentos.

O que são úlceras digestivas?

Úlceras digestivas são lesões que se formam na mucosa do sistema digestivo, principalmente no estômago e na primeira porção do intestino delgado (duodeno). Estas feridas resultam da quebra do equilíbrio entre os fatores agressores (ácido e pepsina) e os mecanismos protetores da mucosa, levando a erosões com pelo menos 5 mm de diâmetro e profundidade suficiente para atingir a camada submucosa.

Tipos de úlceras

Úlcera gástrica

Localizada no estômago, representa cerca de 20% dos casos de úlceras pépticas. Geralmente forma-se na pequena curvatura do estômago e afeta mais frequentemente pessoas mais idosas, fumantes ou aquelas que usam medicamentos anti-inflamatórios regularmente.

Úlcera duodenal

Ocorre no duodeno e constitui aproximadamente 80% dos casos. Atinge mais comumente homens entre 30 e 50 anos e possui forte associação com a infecção por Helicobacter pylori.

Úlcera esofágica

Menos comum, desenvolve-se no esôfago e está frequentemente relacionada à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) crônica, que provoca irritação prolongada da mucosa esofágica pelo ácido estomacal.

Úlcera de estresse

Forma-se em situações de trauma fisiológico grave, como grandes queimaduras, sepse, politraumatismo ou cirurgias extensas. Ocorre devido à diminuição do fluxo sanguíneo para a mucosa gástrica, reduzindo seus mecanismos de proteção.

Sintomas principais

Os sintomas podem variar conforme o tipo e a localização da úlcera, mas geralmente incluem:

  • Dor epigástrica: dor ou queimação na região entre o umbigo e o esterno, tipicamente descrita como “fome dolorosa” nas úlceras duodenais ou dor que piora com a alimentação nas úlceras gástricas.
  • Desconforto após as refeições: especialmente nas úlceras gástricas, o alimento pode intensificar a dor ao entrar em contato com a área ulcerada.
  • Náuseas e vômitos: mais comuns em úlceras gástricas ou quando há complicações como obstrução.
  • Sensação de plenitude: alguns pacientes relatam sentir-se rapidamente satisfeitos mesmo com pequenas quantidades de alimento.
  • Sintomas de anemia: palidez, fraqueza, fadiga e tonturas podem ocorrer em casos de úlceras com sangramento crônico de baixa intensidade.
  • Sinais de alarme: perda de peso não intencional, vômitos persistentes, dificuldade para engolir, massa palpável no abdômen, anemia ou sangramento digestivo (fezes escuras ou vômito com sangue) indicam necessidade de avaliação médica urgente.

Vale ressaltar que aproximadamente 20% dos pacientes com úlcera péptica não apresentam sintomas, sendo diagnosticados apenas após o surgimento de complicações.

Causas e fatores de risco

Helicobacter pylori

Esta bactéria representa a principal causa de úlceras pépticas, respondendo por aproximadamente 60% das úlceras gástricas e 90% das duodenais. A H. pylori enfraquece a camada de muco que protege o estômago, tornando a mucosa mais vulnerável ao ataque do ácido, entre outros mecanismos através dos quais ela altera a fisiologia gástrica.

Medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)

O uso frequente de medicamentos como ácido acetilsalicílico (aspirina), ibuprofeno, naproxeno e diclofenaco reduz a produção de prostaglandinas, substâncias que protegem a mucosa digestiva. Consequentemente, a segunda causa mais comum de úlceras pépticas está relacionada aos AINEs.

Estresse fisiológico grave

Situações que causam estresse físico extremo, como grandes queimaduras, traumatismo craniano, insuficiência respiratória ou cirurgias extensas, podem levar ao desenvolvimento de úlceras de estresse.

Estresse psicológico e úlceras pépticas

A relação entre estresse psicológico e úlceras pépticas tem sido objeto de debates na comunidade médica. Historicamente, o estresse era considerado a causa principal das úlceras, antes da descoberta da Helicobacter pylori em 1982 por Marshall e Warren. No entanto, atualmente, a visão científica é um pouco diferente.

Hoje sabe-se que o estresse psicológico, por si só, não é considerado uma causa direta primária de úlceras pépticas como a H. pylori ou os AINEs. No entanto, pesquisas indicam que o estresse pode funcionar como um importante fator contribuinte ou agravante.

Os mecanismos envolvidos incluem:

  1. Alterações fisiológicas: o estresse crônico aumenta a produção de cortisol e outros hormônios que podem estimular a secreção ácida gástrica e reduzir o fluxo sanguíneo para a mucosa digestiva.
  2. Inflamação: o estresse prolongado pode aumentar a produção de citocinas pró-inflamatórias que prejudicam a integridade da barreira mucosa.
  3. Comportamentos associados: o estresse frequentemente leva a comportamentos como aumento do consumo de álcool, tabagismo e uso de AINEs para alívio de dores de cabeça tensionais – todos fatores de risco conhecidos para úlceras.
  4. Interação com H. pylori: estudos sugerem que o estresse pode alterar a resposta imunológica à infecção por H. pylori, potencialmente aumentando o dano à mucosa.

As evidências mais robustas para a conexão estresse-úlcera vêm de estudos sobre úlceras de estresse em pacientes gravemente enfermos e de pesquisas epidemiológicas que mostram aumento na incidência de úlceras durante períodos de estresse extremo (como guerras ou desastres naturais).

Outros fatores contribuintes:

  • Tabagismo
  • Consumo excessivo de álcool
  • Histórico familiar de úlceras
  • Idade avançada
  • Radioterapia abdominal
  • Outras doenças como doença de Crohn, cirrose hepática ou insuficiência renal

Complicações possíveis

Quando não tratadas adequadamente, as úlceras podem evoluir para complicações sérias:

Hemorragia digestiva

A úlcera pode erodir vasos sanguíneos da mucosa, resultando em sangramento que se manifesta como vômitos com sangue (hematêmese) ou fezes escuras (melena). Representa a complicação mais comum, ocorrendo em 15-20% dos pacientes.

Perfuração

A erosão profunda pode atravessar toda a parede do órgão, permitindo que o conteúdo digestivo extravase para a cavidade abdominal e cause peritonite, uma inflamação grave que requer intervenção cirúrgica de emergência.

Penetração

Ocorre quando a úlcera se aprofunda e invade órgãos adjacentes, como o pâncreas, fígado ou vias biliares, causando sintomas adicionais relacionados a esses órgãos.

Obstrução

A cicatrização repetida de úlceras, especialmente no duodeno ou na região pilórica do estômago, pode causar estreitamento (estenose) da passagem, dificultando o esvaziamento gástrico.

Malignização

Embora rara, existe a possibilidade de transformação maligna, principalmente em úlceras gástricas de longa duração ou dependendo da virulência da bactéria H pylori.

Diagnóstico e exames

Avaliação clínica

O médico analisa a história clínica e realiza exame físico, buscando pontos dolorosos no abdômen e sinais de possíveis complicações.

Endoscopia digestiva alta

Considerado o padrão-ouro para diagnóstico, este exame permite visualizar diretamente a úlcera, avaliar seu tamanho e localização, e realizar biópsias para análise histológica e testes para detecção de H. pylori.

Exames de imagem

Em casos selecionados, radiografias contrastadas do trato digestivo superior, tomografia computadorizada ou ultrassonografia podem auxiliar na avaliação de complicações.

Exames complementares

Hemograma completo, testes de função hepática e renal, e análise de eletrólitos ajudam a identificar complicações como anemia ou desequilíbrios metabólicos.

Tratamentos disponíveis

O tratamento varia conforme a causa, o tipo da úlcera e a presença de complicações, mas geralmente inclui:

Erradicação da H. pylori

Quando identificada, a bactéria deve ser tratada com um esquema que combina pelo menos dois antibióticos (como amoxicilina, claritromicina ou metronidazol) e um inibidor de bomba de prótons por 10-14 dias. O sucesso do tratamento é verificado algumas semanas após seu término.

Redução da acidez gástrica

  • Inibidores da bomba de prótons (IBPs): como omeprazol, esomeprazol e pantoprazol, bloqueiam efetivamente a produção de ácido e constituem a base do tratamento das úlceras pépticas.
  • Antagonistas dos receptores H2: ranitidina, famotidina e nizatidina reduzem a secreção ácida, mas são menos potentes que os IBPs.
  • Antiácidos: proporcionam alívio temporário dos sintomas ao neutralizar o ácido já presente no estômago.

Proteção da mucosa

Medicamentos como sucralfato formam uma barreira protetora sobre a úlcera, enquanto o subsalicilato de bismuto tem efeitos protetores e antimicrobianos.

Interrupção de medicamentos agressivos

Sempre que possível, AINEs e outros medicamentos que possam agravar a úlcera devem ser suspensos ou substituídos por alternativas mais seguras.

Tratamento cirúrgico

Reservado para complicações como perfuração, hemorragia incontrolável ou obstrução, ou para úlceras refratárias ao tratamento clínico. As técnicas cirúrgicas incluem:

  • Vagotomia (secção dos nervos vagos que estimulam a secreção ácida)
  • Antrectomia (remoção da porção do estômago que produz hormônios estimuladores de ácido)
  • Piloroplastia (ampliação da saída do estômago)
  • Gastrectomia parcial (em casos selecionados)

Modificações no estilo de vida

Embora não substituam o tratamento medicamentoso, algumas mudanças podem auxiliar na recuperação:

  • Fracionar as refeições em porções menores
  • Evitar alimentos que pioram os sintomas
  • Cessar o tabagismo
  • Limitar o consumo de álcool
  • Controlar o estresse

A importância do acompanhamento

Após o tratamento inicial, o acompanhamento médico regular é fundamental para:

  • Confirmar a cicatrização da úlcera
  • Verificar a erradicação da H. pylori, quando presente
  • Monitorar possíveis recidivas
  • Identificar precocemente complicações

Em alguns casos, pode ser necessária a repetição da endoscopia para confirmar a cura completa, especialmente em úlceras gástricas, nas quais é importante excluir malignidade. Veja mais sobre dieta para úlcera.

Conclusão

O avanço no entendimento das causas das úlceras pépticas revolucionou seu tratamento nas últimas décadas. O que antes era considerado uma doença crônica, muitas vezes tratada cirurgicamente, hoje pode ser efetivamente curada com terapia medicamentosa adequada na maioria dos casos.

A chave para o sucesso está no diagnóstico precoce e no tratamento direcionado à causa específica, seja erradicando a H. pylori, suspendendo medicamentos agressores ou controlando a secreção ácida. Portanto, se você apresenta sintomas sugestivos de úlcera, não hesite em buscar avaliação médica, pois o tratamento adequado pode evitar complicações graves e proporcionar alívio duradouro.

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