Os conceitos sobre o tratamento da diverticulite passam atualmente por profundas transformações. Antes baseados em teorias desenvolvidas há décadas, os protocolos terapêuticos agora enfrentam questionamentos fundamentais à luz de pesquisas recentes que reavaliaram aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos e clínicos desta condição.
A abordagem inicial recomendada
A pedra angular do tratamento moderno começa com medidas simples, porém eficazes. Inicialmente, devemos focar na adequação do consumo de fibras alimentares e na introdução de probióticos específicos. Quando necessário, podemos adicionar um antibiótico não absorvível como a rifaximina, administrada de forma cíclica durante 10 dias, para auxiliar no manejo da condição.
Tratando a diverticulite leve
Surpreendentemente, casos leves de diverticulite respondem bem a intervenções básicas como hidratação adequada e ajustes na alimentação. Contrariamente à prática tradicional, estudos atuais demonstram que antibióticos geralmente não são necessários quando o curso da doença é não complicado e a melhora ocorre naturalmente. Entretanto, cada caso merece uma avaliação individualizada, considerando fatores de risco específicos. Por isso, reservamos o uso de antibióticos principalmente para casos de diverticulite severa, episódios recorrentes, quadros de sepse ou quando surgem complicações.
Alimentação e estilo de vida para evitar a diverticulite
A relação entre dieta e doença diverticular passou por significativa revisão. Atualmente, sabemos que uma dieta rica em fibras, embora benéfica para a saúde intestinal geral, não previne necessariamente o desenvolvimento da diverticulose. Além disso, estudos recentes desmentem a antiga crença de que sementes e grãos poderiam desencadear crises de diverticulite.
Por outro lado, pesquisas identificaram novas associações com crises agudas de diverticulite leve. Primeiramente, o consumo elevado de álcool parece aumentar o risco de diverticulose. Adicionalmente, o alto consumo de carne vermelha, especialmente não processada, também demonstra correlação positiva com episódios agudos. Em contrapartida, o consumo de carne branca não mostrou associação significativa, enquanto uma dieta rica em peixes efetivamente reduziu o risco de crises.
Quanto à atividade física, exercícios vigorosos aparecem como potenciais aliados, diminuindo tanto o risco de desenvolver diverticulite quanto a ocorrência de sangramentos diverticulares.
Novos tratamentos medicamentosos para diverticulite
A descoberta da inflamação crônica de baixo grau como componente da doença diverticular abriu caminho para novas estratégias terapêuticas. Consequentemente, medicamentos como mesalazina, probióticos e antibióticos específicos têm sido avaliados como opções de tratamento, apesar das limitações metodológicas dos estudos disponíveis.
A mesalazina, particularmente, mostra resultados contraditórios. Embora bem tolerada pelos pacientes, alguns estudos não demonstraram superioridade em relação ao placebo no controle da dor abdominal. Por outro lado, pesquisas indicaram que seu uso por 10 dias mensais reduziu significativamente a recorrência de crises (13% versus 28% no grupo controle após 24 meses), além de melhorar a qualidade de vida e diminuir a necessidade de medicações adicionais.
Curiosamente, a dosagem contínua de 1,6g diários de mesalazina parece mais eficaz na prevenção de complicações recorrentes pós-diverticulite quando comparada ao regime intermitente de 10 dias mensais. Contudo, nem todos os estudos apoiam esses benefícios, pois pesquisas recentes com doses variadas (1,2g, 2,4g e 4,8g diários) não demonstraram eficácia significativa na prevenção de recorrências em comparação ao placebo.
A combinação de mesalazina com probióticos também apresenta resultados mistos. Enquanto alguns estudos não encontraram benefícios adicionais, outros demonstraram taxas impressionantes de prevenção de recorrência: 0% no grupo que recebeu a combinação, versus 13,7% com mesalazina isolada, 14,5% com Lactobacillus isolado e 46% com placebo.
O papel da microbiota intestinal no tratamento da diverticulite
Crescentes evidências sugerem que a microbiota intestinal pode contribuir significativamente para a patogênese da doença diverticular sintomática não complicada. Nesse contexto, a rifaximina emerge como opção terapêutica promissora. Uma metanálise confirmou sua eficácia na redução de sintomas, enquanto outro estudo demonstrou que seu uso na dose de 800mg diários por 10 dias mensais pode prevenir efetivamente novas crises de diverticulite.
Além disso, a terapia combinada de mesalazina com rifaximina mostrou-se ainda mais eficaz na prevenção de recorrências quando comparada à rifaximina isolada (3% versus 18% de recorrência).
Paradoxalmente, apesar da falta de evidências robustas, os antibióticos tradicionais continuam sendo amplamente utilizados no tratamento da diverticulite aguda. O princípio por trás dessa abordagem é que qualquer inflamação resulta em microperfuração do divertículo, causando contaminação peritoneal. No entanto, estudos recentes contestam essa prática em casos não complicados, demonstrando que o uso de antibióticos não afeta a duração da internação nem reduz o risco de complicações. Por isso, considerando o aumento da resistência antimicrobiana e os potenciais efeitos adversos, torna-se prudente reavaliar essa estratégia em pacientes com diverticulite aguda não complicada.
A vitamina D no tratamento da diverticulite
Um achado notável nas pesquisas recentes envolve a vitamina D. Estudos sugerem seu papel fundamental na manutenção da homeostase colônica através da modulação da resposta inflamatória. Assim, ela contribuiria para preservar a integridade do epitélio intestinal e promover adequada proliferação celular. Mais impressionante ainda, níveis sanguíneos de vitamina D superiores a 25 associam-se a menor risco de hospitalização durante crises graves.
Conclusão
A compreensão moderna da doença diverticular revela sua natureza complexa e multifatorial. A transição da diverticulose assintomática para doença diverticular sintomática envolve mais fatores do que se imaginava anteriormente. O papel da dieta, especialmente das fibras e sementes, assim como da motilidade colônica, merece reconsideração à luz das evidências atuais.
O uso de antibióticos na diverticulite aguda não complicada também precisa ser reavaliado e individualizado, reservando-se preferencialmente para pacientes com infecção grave, múltiplas comorbidades, imunossupressão ou acesso limitado aos serviços de saúde.
Para casos de diverticulite aguda recorrente, a rifaximina isolada ou associada à mesalazina apresenta-se como opção razoável antes de considerar cirurgia profilática. Aliás, a própria indicação cirúrgica após dois ou mais episódios de diverticulite não complicada deve ser reconsiderada, conforme os resultados de estudos recentes.
Em resumo, o tratamento eficaz da doença diverticular sintomática não complicada apoia-se em quatro pilares fundamentais:
- Medicamentos específicos para alívio sintomático
- Ajuste cuidadoso do consumo de fibras e da alimentação global
- Suplementação com probióticos selecionados
- Uso criterioso de mesalazina e antibióticos não absorvíveis
Lembre-se sempre que estas orientações apresentam caráter geral e não substituem a avaliação individualizada. Por isso, consulte um gastroenterologista e um nutricionista especializado em Gastroenterologia para desenvolver um plano de tratamento personalizado para sua condição específica.
Referências científicas
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