Nutricionista Adriana Lauffer

Síndrome do intestino irritável: o que é e o que causa

o que é e o que causa a Síndrome do intestino irritável

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) representa um dos distúrbios gastrointestinais mais comuns na prática clínica, afetando aproximadamente 1 em cada 7 pessoas globalmente, com maior prevalência entre mulheres. Caracteriza-se principalmente por dor abdominal recorrente associada a alterações no hábito intestinal, na ausência de anormalidades estruturais detectáveis por exames convencionais.

Embora não seja uma condição que ameace a vida, a SII pode impactar significativamente a qualidade de vida, interferindo nas atividades diárias, relações sociais e produtividade no trabalho. Nesse post vamos entender o que é a síndrome do intestino irritável e o que causa.

Sinais e sintomas da síndrome do intestino irritável

Os sintomas da SII variam consideravelmente entre os indivíduos, podendo apresentar períodos de exacerbação e remissão. Os principais sinais e sintomas incluem:

  • Dor ou desconforto abdominal, geralmente aliviados após evacuação
  • Alterações no hábito intestinal (constipação, diarreia ou padrão misto)
  • Inchaço abdominal (sensação de “balão inflado” no abdômen)
  • Distensão abdominal (aumento visível na circunferência abdominal)
  • Produção excessiva de gases

A intensidade destes sintomas frequentemente se correlaciona com fatores como estresse, dieta e ciclo menstrual em mulheres.

Critérios diagnósticos

O diagnóstico da SII baseia-se principalmente nos critérios de Roma IV, desenvolvidos por especialistas internacionais em 2016. Segundo estes critérios, o diagnóstico requer:

  • Dor abdominal recorrente, em média, ao menos um dia por semana nos últimos três meses
  • Associada a pelo menos dois dos seguintes critérios:
    • Relacionada à defecação
    • Associada a mudança na frequência das evacuações
    • Associada a mudança na forma/aparência das fezes

Os sintomas devem ter começado pelo menos seis meses antes do diagnóstico e persistir por três meses.

O que é e o que causa a síndrome do intestino irritável?

A SII é considerada uma condição multifatorial, envolvendo interações complexas entre diversos mecanismos. Embora sua causa exata ainda não esteja completamente elucidada, pesquisas recentes têm avançado significativamente na compreensão dos fatores subjacentes:

Hipersensibilidade visceral

Aproximadamente 60% das pessoas com SII apresentam maior sensibilidade intestinal, fenômeno conhecido como hipersensibilidade visceral. Nestes indivíduos, a parede intestinal responde de maneira exagerada a estímulos normais, como distensão por gases ou alimentos, interpretando-os como dolorosos ou desconfortáveis. Isso significa que eles são mais sensíveis aos movimentos normais do intestino, como alongamento ou distensão. Esta hipersensibilidade resulta de alterações no processamento de sinais entre o intestino e o cérebro, envolvendo tanto o sistema nervoso entérico quanto o sistema nervoso central.

Motilidade intestinal alterada

Cerca de um terço dos pacientes com SII demonstra anormalidades na motilidade intestinal. Quando o movimento do conteúdo intestinal ocorre de forma acelerada, surgem sintomas como diarreia e urgência. Por outro lado, movimentos intestinais mais lentos que o normal resultam em constipação e sensação de evacuação incompleta. Estas alterações na motilidade parecem estar relacionadas a mudanças na atividade neuromuscular intestinal e na sinalização entre o cérebro e o intestino.

Eixo cérebro-intestino

Um dos avanços mais significativos na compreensão da SII envolve o reconhecimento da comunicação bidirecional entre o cérebro e o intestino, conhecida como eixo cérebro-intestino. Este sistema complexo integra sinais cerebrais, intestinais e do sistema nervoso autônomo. Nos pacientes com SII, observa-se frequentemente uma desregulação deste eixo, explicando por que fatores psicológicos como estresse, ansiedade e depressão podem desencadear ou agravar os sintomas gastrointestinais.

Estudos de neuroimagem demonstram que indivíduos com SII processam sensações viscerais diferentemente de pessoas saudáveis, com maior ativação em áreas cerebrais relacionadas à dor e emoção. Esta descoberta reforça a compreensão da SII como um distúrbio da interação cérebro-intestino, e não apenas como um problema intestinal isolado.

Disbiose intestinal

A microbiota intestinal – o ecossistema de trilhões de microorganismos que habitam nosso trato gastrointestinal – desempenha papel fundamental na saúde digestiva. Pesquisas revelam diferenças significativas na composição dessa microbiota entre pessoas com e sem SII. Este desequilíbrio, conhecido como disbiose, pode influenciar a função da barreira intestinal, a produção de gases, a motilidade e a sinalização entre o intestino e o sistema nervoso.

Além disso, estudos recentes sugerem que alterações na microbiota podem afetar a produção de neurotransmissores, influenciando tanto os sintomas intestinais quanto as manifestações psicológicas da SII.

Inflamação e permeabilidade intestinal

Evidências crescentes apontam para a presença de inflamação de baixo grau e aumento da permeabilidade intestinal em subgrupos de pacientes com SII. Esta permeabilidade aumentada, às vezes chamada de “intestino permeável” ou “leaky gut”, permite que substâncias potencialmente nocivas atravessem a barreira intestinal, desencadeando respostas imunológicas que podem contribuir para os sintomas.

Marcadores inflamatórios sutis, não detectáveis em exames convencionais, têm sido identificados em análises mais específicas, especialmente em pacientes que desenvolveram SII após uma infecção gastrointestinal.

SII pós-infecciosa

Aproximadamente 10-15% dos casos de SII se desenvolvem após uma infecção gastrointestinal aguda, como gastroenterite bacteriana ou viral. Este subtipo, conhecido como SII pós-infecciosa, geralmente inicia-se após um episódio de diarreia infecciosa e pode persistir por meses ou anos após a resolução da infecção original. Fatores como gravidade da infecção, duração dos sintomas iniciais, fatores psicológicos e predisposição genética influenciam o risco de desenvolver este tipo de SII.

Fatores genéticos e ambientais

Estudos com gêmeos e famílias demonstram um componente genético na SII, com herdabilidade estimada entre 25-50%. No entanto, fatores ambientais como dieta, estresse crônico, traumas psicológicos precoces e experiências adversas na infância também aumentam significativamente o risco de desenvolver esta condição, evidenciando a interação complexa entre genética e ambiente.

Alimentação e sintomas da SII

Embora não sejam a causa em si da SII, certos alimentos frequentemente atuam como gatilhos que exacerbam os sintomas em indivíduos predispostos. Destaca-se aqui o papel dos FODMAPs (Oligossacarídeos, Dissacarídeos, Monossacarídeos e Polióis Fermentáveis), carboidratos de cadeia curta presentes em diversos alimentos como cebola, alho, trigo, algumas frutas e laticínios.

Por serem naturalmente mal absorvidos no intestino delgado, os FODMAPs são fermentados pela microbiota intestinal, produzindo gases e aumentando o conteúdo de água no lúmen intestinal. Em pacientes com SII, devido à hipersensibilidade visceral preexistente, esta fermentação, que é normal, desencadeia respostas exageradas de dor e desconforto. Estudos clínicos demonstram que a dieta Low Fodmap reduz significativamente os sintomas em 50-80% dos pacientes, confirmando sua relevância como fatores precipitantes, embora não etiológicos, da síndrome.

Como você pode ver, a SII é uma condição complexa e multifatorial, que envolve cuidados com alimentação, saúde intestinal, entre outros aspectos. Saiba mais aqui sobre o assunto.

Conclusão

A Síndrome do Intestino Irritável representa um desafio tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde devido à sua natureza complexa e multifatorial. Felizmente, os avanços na compreensão de sua fisiopatologia têm conduzido a abordagens terapêuticas cada vez mais eficazes e personalizadas.

O manejo bem-sucedido da SII frequentemente requer uma combinação de modificações dietéticas, medicamentos, intervenções psicológicas e mudanças no estilo de vida, adaptados às necessidades individuais de cada paciente. A relação médico-paciente baseada em confiança e compreensão constitui elemento fundamental no processo terapêutico.

Se você identifica em si os sintomas descritos, busque orientação médica para um diagnóstico adequado e desenvolvimento de um plano de tratamento personalizado. Com acompanhamento apropriado, a grande maioria dos pacientes consegue controlar eficazmente os sintomas e manter boa qualidade de vida.

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Mas, lembre-se: não é indicado manter a fase de exclusão da dieta de exclusão por mais que 6 semanas e, além disso, o acompanhamento profissional é importante porque parte dos pacientes possuem outras condições clínicas associadas que o protocolo não resolverá por completo e, portanto, necessita de condutas adicionais.

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