A esteatose hepática é uma condição de saúde crônica cuja a causa é multifatorial. Portanto, tem relação com genética, peso corporal, estilo de vida e de alimentação. O estilo de alimentação define a microbiota intestinal da pessoa, o que também define a saúde hepática, como veremos nesse post.
A microbiota intestinal
A nossa microbiota intestinal, que inclui bactérias, vírus e fungos que coexistem no nosso intestino, desempenha funções fisiológicas cruciais na digestão, imunidade e metabolismo. Portanto, a microbiota contribui para o metabolismo e desempenha um papel importante na obtenção de energia e nutrientes da dieta.
A microbiota intestinal é altamente heterogênea e influenciada pela nossa dieta e estilo de vida. As dietas ocidentalizadas contêm uma quantidade elevada de alimentos açucarados e gorduras. Sabe-se que essas dietas têm um impacto negativo na microbiota, podendo causar disbiose, inflamação intestinal, comprometimento da barreira intestinal e translocação de produtos microbianos.
Algumas espécies, como Bifidobacterium spp. e Lactobacillus spp., são benéficas, enquanto outras, como Bacteroides spp. e Ruminococcus spp., estão associadas a resultados negativos para a saúde. Nesse sentido, a diversidade microbiana e a proporção entre Firmicutes spp. e Bacteroidetes spp. são geralmente indicadores de boa saúde intestinal e da presença ou ausência de disbiose intestinal.
Microbiota intestinal e sua interferência no fígado
Em relação à microbiota intestinal e esteatose, vários estudos em animais e humanos já estabeleceram uma relação entre as alterações na microbiota e o desenvolvimento de esteatose. De fato, alguns estudos realizaram o transplante direto de microbiota fecal de camundongos obesos, com ou sem esteatose, para camundongos receptores livres de germes. Esses estudos observaram a replicação de algumas alterações relacionadas à esteatose.
Além disso, transplantes de microbiota intestinal de mulheres obesas com esteatose para camundongos convencionais alimentados com ração resultaram em sinais de esteatose em apenas duas semanas. É importante destacar que estudos preliminares de transplante de microbiota fecal de doadores veganos humanos para pacientes com esteatose mostraram resultados opostos. Nesses estudos houve melhora na histologia necroinflamatória e nas alterações hepáticas, incluindo expressão gênica relacionada à inflamação e ao metabolismo lipídico.
Alguns autores sugerem que as alterações na microbiota intestinal induzem maior permeabilidade intestinal e liberação de lipopolissacarídeos (LPS) no intestino. O LPS, também conhecido como endotoxina, é uma molécula altamente tóxica derivada da membrana celular externa de bactérias gram-negativas. As bactérias liberam o LPS quando se multiplicam ou quando as células de defesa as fagocitam e degradam.
Essa maior permeabilidade intestinal poderia ativar o sistema imunológico, enquanto os metabólitos microbianos produzidos (como ácidos graxos de cadeia curta, endotoxinas, N-óxido de trimetilamina, colina ou etanol) poderiam regular o metabolismo dos ácidos biliares no fígado. As endotoxinas bacterianas podem atravessar a veia porta em direção ao fígado, induzindo inflamação, resistência à insulina e promovendo o desenvolvimento de esteatose hepática.
A veia porta desempenha um papel fundamental na absorção de todo o sangue proveniente do trato digestivo, baço, pâncreas e vesícula biliar, transportando-o para o fígado. Em outras palavras, o sangue que flui pela veia porta está repleto de substâncias recentemente ingeridas que são direcionadas ao fígado. Esse sistema portal também fornece oxigênio ao fígado. Esse processo, conhecido como endotoxemia, está presente em muitos pacientes com esteatose.
A microbiota intestinal de quem tem esteatose é diferente de quem não tem?
Nenhuma assinatura clara do microbioma, ou seja, um perfil específico da microbiota, foi ainda descoberta ou identificada em pacientes com esteatose. As únicas observações consistentes dos dados mostram que em pacientes com esteatose há maior quantidade de Proteobactérias (especialmente Escherichia coli e outras Enterobacteriaceae spp) e menor quantidade de Bacteroidetes. Além disso, há uma diminuição na proporção de Firmicutes:Bacteroidetes.
Os filos Bacteroidetes e Firmicutes representam mais de 90% da composição bacteriana. Os Bacteroidetes são um dos filos predominantes no intestino humano, possuindo características fermentativas e que modulam o sistema imunológico intestinal de forma benéfica. Com o passar dos anos, a composição da microbiota intestinal varia e se torna relativamente estável, com uma proporção maior de Firmicutes em relação a Bacteroidetes. Os Firmicutes possuem cepas tanto com potencial benéfico quanto com potencial inflamatório, estando relacionados a doenças crônicas. Embora estudos em animais demonstrem um possível papel causal, os estudos em humanos estão apenas começando a descrever as assinaturas do microbioma na esteatose.
Essa inconsistência no perfil da microbiota intestinal em pacientes com esteatose pode ser explicada pela etnia, diferentes metodologias de avaliação da microbiota intestinal, características da população, consumo de medicamentos e ritmo circadiano. Além disso, as assinaturas microbianas são diferentes dependendo do estágio da esteatose; por exemplo, Bacteroides vulgatus e Escherichia coli apresentam maior expressão na fibrose avançada.
Como mencionado anteriormente, a dieta pode afetar o microbioma. Nesse sentido, dietas ricas em gordura têm a capacidade de induzir disbiose (caracterizada pela diminuição da diversidade microbiana e aumento da razão Firmicutes:Bacteroidetes) em animais, o que é acompanhado por inflamação local e sistêmica, bem como infiltração de gordura no fígado. Por outro lado, roedores alimentados com uma dieta rica em fibras mostraram redução da inflamação hepática e da gordura no fígado. Um mecanismo potencial pelo qual uma dieta rica em gordura saturada desencadeia a esteatose através do microbioma intestinal é o aumento da extração de energia da dieta. Isso ocorre por meio da regulação positiva do metabolismo em todo o corpo para absorver ácidos graxos e mudar do metabolismo de oxidação de ácidos graxos para ressíntese.
Quais são as alternativas de tratamento?
Na verdade, a esteatose pode melhorar com terapia antibiótica de curto prazo, eliminando a microbiota. No entanto, a terapia de longo prazo pode resultar em resistência bacteriana, reduzindo a eficácia do medicamento e aumentando o risco de infecções secundárias. É importante ressaltar que não somos favoráveis a essa abordagem.
Por outro lado, a modulação da microbiota intestinal pode reverter a disbiose intestinal e, consequentemente, o dano ao fígado. Portanto, essa abordagem terapêutica pode ser promissora no tratamento da esteatose. Estudos mostraram que a suplementação com probióticos, prebióticos ou simbióticos trata a disbiose intestinal e melhora a condição hepática.
Pesquisas em animais sugeriram que os probióticos podem melhorar a esteatose hepática, a fibrose e alguns marcadores metabólicos. Resultados preliminares em estudos com seres humanos sustentaram essas descobertas, mas ensaios controlados randomizados bem projetados são necessários para determinar a eficácia desses produtos no tratamento da esteatose.
Em resumo, a composição e a função da microbiota intestinal estão intimamente relacionadas à patogênese e à progressão da esteatose. Os estudos experimentais com modelos animais baseiam a maioria das evidências sobre a restauração da microbiota como estratégia de tratamento, juntamente com mudanças na dieta. Mas, esses estudos apresentam algumas limitações. Portanto, são necessários estudos humanos de grande escala, devidamente controlados e que considerem fatores de confusão, a fim de identificar os mecanismos exatos e determinar as melhores cepas probióticas para o tratamento da esteatose.