Nutricionista Adriana Lauffer

Gastrina e sua importância para a digestão

gastrina

A gastrina desempenha um papel fundamental no processo digestivo humano. Produzida principalmente pelas células G localizadas no antro gástrico e no duodeno, este hormônio peptídico atua como regulador central da secreção ácida no estômago. Quando liberada na corrente sanguínea, a gastrina desencadeia uma cascata de eventos bioquímicos que culminam na produção de ácido clorídrico pelas células parietais, facilitando assim a digestão dos alimentos e a absorção de nutrientes essenciais.

Além disso, este hormônio estimula ativamente a renovação do revestimento gástrico e a motilidade gastrointestinal, exercendo um controle crucial no equilíbrio digestivo e na manutenção da saúde do sistema gastrointestinal. Nesse post, vamos entender melhor o que é a gastrina e qual a sua importância para a digestão.

O que é gastrina e como ela age

A gastrina é um hormônio produzido principalmente pelas células G do antro gástrico (parte inferior do estômago) e do duodeno (primeira porção do intestino delgado). Sua função primária consiste em regular a secreção ácida do estômago, elemento essencial para o processo digestivo eficiente.

O mecanismo de ação da gastrina inicia-se quando os alimentos entram no estômago, estimulando as células G a liberarem este hormônio na corrente sanguínea. No entanto, diferentes nutrientes têm capacidades variadas de estimular a liberação de gastrina. Por exemplo, as proteínas são estimuladores potentes, enquanto gorduras e carboidratos têm efeito menos pronunciado.

A partir daí, a gastrina circulante atinge as células parietais do estômago, ativando-as para produzirem ácido clorídrico (HCl). Este ácido, por sua vez, desempenha múltiplas funções:

  • Quebra inicial de proteínas em peptídeos menores;
  • Ativação da enzima pepsinogênio em pepsina (enzima digestiva);
  • Eliminação de bactérias e outros microrganismos presentes nos alimentos;
  • Facilitação da absorção de vitamina B12, ferro e cálcio.

Além de estimular a produção ácida, a gastrina também promove:

  • Crescimento e renovação das células da mucosa gástrica;
  • Aumento da motilidade gastrointestinal;
  • Estimulação da secreção de enzimas digestivas pelo pâncreas.

Este sistema opera em um delicado equilíbrio de feedback negativo: quando o pH estomacal se torna muito ácido (tipicamente abaixo de 2,0), a secreção de gastrina diminui significativamente, impedindo assim a acidez excessiva.

Exame de gastrina

O diagnóstico de alterações nos níveis de gastrina é realizado através da “dosagem de gastrina sérica”, um exame de sangue que quantifica a concentração deste hormônio no sangue. Para garantir resultados precisos, algumas orientações importantes devem ser seguidas:

  • Jejum de 8 a 12 horas antes da coleta sanguínea;
  • Evitar medicamentos que afetam a produção de ácido estomacal por 3-7 dias antes do teste (quando possível e com orientação médica);
  • Evitar álcool nas 24 horas que antecedem o exame;
  • Informar ao médico sobre todos os medicamentos em uso.

Os resultados são tipicamente expressos em picogramas por mililitro (pg/mL), com valores de referência que variam entre laboratórios. Em geral, considera-se o intervalo normal entre 40-200 pg/mL em adultos em jejum, embora alguns laboratórios possam utilizar faixas como 0-180 pg/mL ou 25-111 pg/mL, dependendo da metodologia empregada.

É fundamental ressaltar que a interpretação dos resultados deve sempre ser realizada por um médico, considerando o contexto clínico completo do paciente, incluindo sintomas, histórico médico e resultados de outros exames complementares.

Causas e sintomas de gastrina baixa

Níveis reduzidos de gastrina no sangue podem indicar diversas condições médicas. As principais causas de hipogastrinemia incluem:

Distúrbios autoimunes:

  • Gastrite autoimune (também conhecida como gastrite atrófica autoimune);
  • Anemia perniciosa associada.

Atrofia gástrica:

  • Processo inflamatório crônico que causa degeneração das células estomacais;
  • Pode resultar de infecção prolongada por H. pylori não tratada.

Intervenções cirúrgicas:

  • Gastrectomia parcial ou total;
  • Cirurgia bariátrica (principalmente bypass gástrico).

Fatores congênitos:

  • Ausência congênita de células G (condição rara, sem nomenclatura específica padronizada).

Uso prolongado de certos medicamentos:

  • Alguns antibióticos que afetam a flora intestinal;
  • Anti-inflamatórios não esteroidais de uso prolongado.

Os pacientes com níveis baixos de gastrina podem apresentar sintomas como:

  • Digestão prejudicada, especialmente de proteínas;
  • Sensação de plenitude gástrica mesmo após pequenas refeições;
  • Deficiência de vitamina B12 e anemia subsequente;
  • Fadiga e fraqueza inexplicadas;
  • Maior suscetibilidade a infecções gastrointestinais.

O diagnóstico precoce é essencial, pois níveis cronicamente baixos de gastrina podem levar a complicações como desnutrição e anemia por deficiência de vitamina B12.

Causas e sintomas de gastrina elevada

A hipergastrinemia (níveis elevados de gastrina) geralmente é definida por valores superiores a 200 pg/mL, dependendo do laboratório. Este quadro pode estar associado a diversas condições, como:

Síndrome de Zollinger-Ellison (SZE):

  • Condição rara caracterizada pela presença de gastrinomas (tumores neuroendócrinos);
  • Produção excessiva de gastrina independente dos mecanismos regulatórios normais;
  • Frequentemente associada à Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 1 (NEM-1).

Hipocloridria ou acloridria:

  • Baixa ou ausente produção de ácido clorídrico no estômago;
  • Mecanismo compensatório onde o organismo aumenta a gastrina tentando estimular mais produção ácida.

Infecção por Helicobacter pylori:

  • A bactéria pode estimular a produção de gastrina pelas células G;
  • A erradicação da bactéria pode normalizar os níveis hormonais, especialmente em casos sem atrofia gástrica avançada.

Gastrite atrófica do corpo gástrico:

  • Perda de células parietais que produzem ácido;
  • Resulta em aumento compensatório de gastrina.

Insuficiência renal crônica:

  • Diminuição da eliminação de gastrina pelos rins;
  • Comumente observada em pacientes em diálise.

Os sintomas associados à gastrina elevada frequentemente incluem:

  • Dor abdominal recorrente;
  • Úlceras pépticas de difícil tratamento ou recorrentes;
  • Diarreia crônica (em 30-40% dos casos de SZE);
  • Refluxo gastroesofágico refratário a tratamentos convencionais;
  • Perda de peso inexplicada.

A gravidade dos sintomas geralmente correlaciona-se com o grau de elevação da gastrina e a causa subjacente. Pacientes com gastrinomas (Síndrome de Zollinger-Ellison) tipicamente apresentam sintomas mais graves e persistentes do que aqueles com elevações moderadas por outras causas.

Gastrina e sua relação com o ácido clorídrico

A relação entre gastrina e ácido clorídrico representa um sofisticado sistema de feedback no processo digestivo. Esta interação pode ser compreendida através de dois cenários principais:

Mecanismo compensatório

Quando a produção de ácido clorídrico no estômago diminui (hipocloridria), seja por gastrite atrófica, uso prolongado de inibidores da bomba de prótons ou outras causas, o organismo detecta essa deficiência e responde aumentando a produção de gastrina. Este aumento compensatório visa estimular mais intensamente as células parietais remanescentes a produzirem ácido.

Este fenômeno explica por que pacientes com gastrite atrófica ou em uso prolongado de medicamentos supressores de ácido frequentemente apresentam níveis elevados de gastrina em exames laboratoriais, mesmo sem tumores produtores do hormônio.

Feedback negativo

Em condições fisiológicas normais, a gastrina estimula a produção de ácido clorídrico, e quando o pH estomacal se torna suficientemente ácido (tipicamente abaixo de 2,0), a secreção de gastrina diminui. Este mecanismo de feedback negativo previne a produção excessiva de ácido e protege a mucosa gástrica.

A compreensão desta relação é fundamental para a interpretação correta dos exames de gastrina sérica e para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas adequadas em distúrbios gastrointestinais.

Medicamentos que diminuem a gastrina no sangue

Inibidores da Bomba de Prótons (IBPs)

  • Exemplos: omeprazol, pantoprazol, esomeprazol
  • Mecanismo: reduzem drasticamente a produção de ácido, levando a um aumento compensatório de gastrina
  • O uso prolongado frequentemente causa elevações sustentadas de gastrina
  • Podem levar a resultados falsamente elevados em exames de gastrina sérica

Antagonistas dos Receptores H2

  • Exemplos: ranitidina, famotidina, cimetidina
  • Causam elevações menores de gastrina em comparação aos IBPs
  • Efeito menos pronunciado em uso prolongado

Medicamentos com efeito variável sobre a gastrina

Antiácidos:

  • Exemplos: hidróxido de alumínio, hidróxido de magnésio
  • Efeito: neutralizam o ácido temporariamente, com impacto variável nos níveis de gastrina
  • Uso ocasional geralmente não afeta significativamente os níveis hormonais

Procinéticos:

  • Exemplos: metoclopramida, domperidona
  • Podem aumentar levemente a gastrina ao acelerar o esvaziamento gástrico

É crucial destacar que, para a realização do exame de gastrina sérica, idealmente estes medicamentos (especialmente IBPs e antagonistas H2) devem ser suspensos temporariamente (com orientação médica) para evitar resultados falso-positivos. Em casos onde a suspensão não é possível, o médico deve considerar o efeito destes medicamentos na interpretação dos resultados.

Conclusão

A gastrina representa um componente fundamental do sistema digestivo, atuando como reguladora da secreção ácida gástrica e promotora da saúde da mucosa gastrointestinal. Alterações nos níveis deste hormônio, sejam elevações ou reduções, podem sinalizar diversas condições clínicas que requerem investigação apropriada.

A compreensão dos mecanismos de ação da gastrina, sua relação com o ácido clorídrico e os fatores que influenciam seus níveis sanguíneos é essencial para o diagnóstico e manejo adequados de diversas condições gastrointestinais. O exame de gastrina sérica, quando corretamente interpretado no contexto clínico do paciente, constitui uma ferramenta valiosa para orientar decisões terapêuticas.

Pacientes com sintomas digestivos persistentes, especialmente dor abdominal recorrente, úlceras de difícil tratamento ou diarreia crônica, devem ser avaliados por um gastroenterologista para investigação adequada, que pode incluir a dosagem de gastrina sérica entre outros exames complementares.

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