Nutricionista Adriana Lauffer

Disfagia e alimentação

Disfagia e alimentação

A disfagia, caracterizada pela dificuldade em engolir alimentos e líquidos, afeta milhões de pessoas em todo o mundo e pode ocorrer em qualquer idade, embora seja mais comum em idosos. Esta condição não representa apenas um desafio para a alimentação, mas também impõe riscos significativos à saúde, incluindo desnutrição, desidratação e pneumonia aspirativa. Felizmente, adaptações alimentares específicas podem transformar completamente a qualidade de vida das pessoas com disfagia. Neste post, vamos explorar estratégias nutricionais seguras e eficazes para quem enfrenta esta condição, além de dicas práticas para tornar as refeições mais agradáveis e nutritivas.

O que é e quais são as causas da disfagia

Disfagia é a dificuldade no transporte do bolo alimentar através do esôfago, ou seja, da faringe até estômago.

A disfagia pode surgir devido a diversas causas, incluindo condições neurológicas (como AVC, Parkinson, Alzheimer), distúrbios estruturais (cirurgias de cabeça e pescoço, câncer de esôfago), lesões cerebrais traumáticas ou até mesmo o processo natural de envelhecimento.

Refluxo gastroesofágico e disfagia

A disfagia pode ser uma consequência do refluxo gastroesofágico, especialmente quando a condição é crônica e não tratada adequadamente. Afinal, quando o ácido do estômago reflui repetidamente para o esôfago, pode causar inflamação e danos à mucosa esofágica, levando a uma condição chamada esofagite. Com o tempo, essa inflamação pode causar estreitamento (estenose) do esôfago devido à formação de cicatrizes, o que dificulta a passagem dos alimentos, resultando em disfagia.

Além disso, o refluxo gastroesofágico crônico pode levar ao desenvolvimento de esôfago de Barrett, uma condição onde o revestimento normal do esôfago é substituído por um tipo de tecido semelhante ao encontrado no intestino. Essa alteração também pode contribuir para problemas de deglutição.

Pessoas com refluxo que experimentam disfagia frequentemente relatam a sensação de alimentos “presos” no meio do peito, dificuldade ao engolir tanto sólidos quanto líquidos, e dor durante a deglutição (odinofagia).

É importante que pacientes com refluxo gastroesofágico que começam a apresentar qualquer dificuldade para engolir procurem avaliação médica imediatamente, pois a disfagia pode ser um sinal de complicações que requerem tratamento específico.

Independentemente da causa, a disfagia compromete a segurança e a eficiência da deglutição, criando obstáculos para uma nutrição adequada.

Sinais e sintomas de disfagia

Os sinais mais comuns incluem:

  • Tosse ou engasgo durante ou após a alimentação
  • Voz “molhada” após engolir (aumenta o risco de aspiração e pneumonia)
  • Sensação de alimento preso na garganta
  • Salivação excessiva ou dificuldade para controlar saliva
  • Regurgitação nasal
  • Refeições demoradas
  • Perda de peso inexplicada

Perda de peso na disfagia

A perda de peso acontece em casos disfagia por várias razões. Primeiramente, quando uma pessoa tem dificuldade para engolir (disfagia), frequentemente reduz sua ingestão alimentar total, consumindo menos calorias do que o necessário para manter o peso corporal. Esta redução pode acontecer de forma gradual e muitas vezes não é percebida pelo próprio indivíduo.

Além disso, a disfagia não tratada pode tornar o ato de comer tão desafiador, demorado e até mesmo doloroso, que a pessoa começa a evitar refeições, ou reduzir significativamente o tamanho das porções ou, ainda, passa a evitar certos grupos alimentares específicos que são mais difíceis de engolir, como carnes e alimentos fibrosos. Dessa forma, a pessoa vai limitando cada vez mais a sua ingestão de nutrientes essenciais. Este comportamento de evitação alimentar leva naturalmente à perda de peso ao longo do tempo.

Os pacientes com disfagia também podem aumentar seu gasto energético durante as refeições, pois precisam realizar um esforço maior para mastigar, manipular e engolir os alimentos, o que contribui para o déficit calórico.

A perda de peso na disfagia é particularmente preocupante em idosos, pois nesse grupo ela está associada a maiores taxas de complicações, incluindo queda da imunidade, sarcopenia (perda de massa muscular), maior suscetibilidade a infecções e comprometimento da cicatrização.

Disfagia e alimentação

A modificação da textura dos alimentos constitui a base do tratamento nutricional da disfagia. Geralmente, os alimentos são classificados em diferentes níveis de consistência, variando desde líquidos até sólidos regulares. Estas adaptações devem ser realizadas sob orientação de um fonoaudiólogo e um nutricionista, após uma avaliação detalhada da capacidade de deglutição do paciente. Além disso, para orientar a alimentação, é importante considerar os seguintes aspectos do paciente:

  • Grau de disfagia;
  • Estado cognitivo;
  • Grau de independência alimentar;
  • Estado nutricional;
  • Preferência alimentares;
  • Condições sócio-econômicas (para indicar uma dieta que o paciente consiga manter economicamente).

Modificação de Líquidos

Os líquidos finos representam um desafio particular para pessoas com disfagia, pois fluem rapidamente e são difíceis de controlar na boca. Por isso, espessantes alimentares são frequentemente utilizados para modificar a consistência dos líquidos, tornando-os mais seguros para deglutição.

Estratégias Nutricionais Importantes

1. Garantir nutrição adequada

A restrição de certos alimentos pode comprometer a ingestão de nutrientes essenciais. Portanto, utilize estas estratégias para enriquecer nutricionalmente as refeições:

  • Adicione suplementos de proteína sem sabor a purês e sopas (colágeno hidrolisado, whey protein)
  • Enriqueça preparações com óleos saudáveis como azeite de oliva
  • Use leite em pó nas preparações para aumentar o aporte calórico e proteico
  • Inclua suplementos nutricionais orais específicos para disfagia, quando necessário
  • Ofereça alimentos coloridos e variados dentro das consistências permitidas
  • Engrosse os alimentos líquidos, tornando-os pastosos. Por exemplo: leite espessado com 10 a 20% de cereais, como mucilagem, amido de milho, farinha de aveia, farinha láctea
  • Ofereça várias refeições ao dia, mas de pequenos volumes

2. Prevenir a desidratação

A dificuldade com líquidos pode levar à desidratação crônica. Por isso, além de oferecer líquidos espessados nas consistências adequadas, considere:

  • Incluir alimentos naturalmente ricos em água como gelatina, iogurte, purê de frutas
  • Oferecer pequenas quantidades de líquidos espessados com frequência
  • Monitorar sinais de desidratação (urina escura, confusão mental, ressecamento de mucosas)
  • Utilizar sorvetes, picolés e mousses como fontes alternativas de hidratação

3. Tornar as refeições prazerosas

O aspecto psicológico da alimentação não deve ser subestimado. Comer é uma atividade social e prazerosa, e manter esses aspectos pode melhorar significativamente a adesão às modificações dietéticas:

  • Apresente os alimentos de forma atraente, mantendo os alimentos separados no prato quando possível
  • Utilize ervas e temperos para realçar o sabor, compensando possíveis déficits sensoriais
  • Mantenha a rotina social nas refeições, mesmo que a pessoa com disfagia tenha uma dieta diferente
  • Ofereça variação no cardápio, evitando monotonia alimentar

Dicas práticas para o dia a dia com disfagia

Postura correta durante a refeição

  • Posicionar-se sentado, com as costas retas e pés apoiados no chão
  • Manter a cabeça levemente inclinada para frente (nunca para trás)
  • Permanecer sentado por pelo menos 30 minutos após a refeição

Técnicas de alimentação segura

  • Oferecer/comer pequenas porções de cada vez
  • Permitir tempo suficiente para mastigação e deglutição
  • Evitar distrações durante as refeições (TV, conversas animadas)
  • Alternar alimentos sólidos e líquidos apenas se for seguro (conforme orientação do fonoaudiólogo)
  • Observar sinais de fadiga e interromper a alimentação se necessário

Alimentos que exigem cautela em qualquer grau de disfagia

Independentemente do nível de disfagia, alguns alimentos representam maior risco e geralmente devem ser evitados:

  • Alimentos fibrosos (abacaxi, aspargos, couve)
  • Alimentos com texturas mistas (sopas com pedaços, cereais no leite)
  • Alimentos pegajosos (caramelo, pão de queijo, queijo derretido)
  • Alimentos com cascas ou sementes (uvas, tomate, kiwi)
  • Alimentos duros ou crocantes (nozes, pipoca, torradas)
  • Alimentos que se esfarelam (biscoitos secos, bolo seco)
  • Frutas desidratadas (uva passa, damasco, ameixa seca)
  • Vegetais crus ralados (cenoura, beterraba, repolho ralados)

Quando buscar ajuda especializada

É fundamental que as modificações dietéticas para disfagia sejam orientadas por uma equipe interdisciplinar, incluindo médico, fonoaudiólogo e nutricionista. Além disso, sinais de alerta que exigem atenção médica imediata incluem:

  • Perda de peso involuntária significativa
  • Episódios frequentes de pneumonia ou infecções respiratórias
  • Febre após as refeições
  • Tosse persistente durante a alimentação
  • Recusa alimentar
  • Desidratação

Em casos de disfagia grave onde a alimentação oral não é segura ou suficiente, outras vias de alimentação como sondas entéricas podem ser necessárias temporária ou permanentemente.

Conclusão

A disfagia representa um desafio significativo, mas adaptações dietéticas apropriadas podem transformar a experiência alimentar, tornando-a segura e prazerosa. Acima de tudo, uma abordagem personalizada e multidisciplinar é essencial para o sucesso do tratamento nutricional, considerando não apenas as necessidades fisiológicas, mas também os aspectos psicológicos e sociais da alimentação. Portanto, se você ou alguém que você conhece enfrenta dificuldades para engolir, busque orientação profissional para desenvolver um plano alimentar adequado às necessidades específicas, garantindo assim nutrição adequada e melhor qualidade de vida.

Referências

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