Nutricionista Adriana Lauffer

Cálcio e osteoporose

calcio-e-osteoporose

A osteoporose representa um desafio significativo para a saúde pública global, afetando aproximadamente 200 milhões de pessoas em todo o mundo, com maior prevalência em mulheres após a menopausa. Esta condição caracteriza-se pela deterioração progressiva da microarquitetura óssea, resultando em ossos frágeis e aumento do risco de fraturas.

Embora o cálcio seja reconhecido como um nutriente fundamental para a saúde óssea, a relação entre sua ingestão, absorção e o desenvolvimento da osteoporose é consideravelmente mais complexa do que se acreditava anteriormente. Este post aprofunda a relação entre nutrição, metabolismo do cálcio e saúde óssea.

O que é osteoporose

A osteoporose é uma doença metabólica caracterizada pela diminuição da densidade mineral óssea (DMO) e comprometimento da qualidade estrutural do tecido ósseo. O esqueleto humano passa por constante remodelação ao longo da vida, através de um processo equilibrado de reabsorção (mediada por osteoclastos) e formação óssea (conduzida por osteoblastos).

Com o envelhecimento, especialmente nas mulheres após a menopausa devido à redução dos níveis de estrogênio, este equilíbrio é perturbado, favorecendo a reabsorção óssea. Embora os fatores genéticos contribuam com aproximadamente 60-80% da variabilidade na massa óssea, elementos modificáveis como nutrição e atividade física desempenham papéis cruciais na prevenção e manejo da osteoporose.

Metabolismo do cálcio e saúde óssea

O cálcio constitui aproximadamente 40% do conteúdo mineral ósseo total e serve como reservatório para manter níveis séricos estáveis deste mineral, essenciais para funções vitais como contração muscular, transmissão nervosa e coagulação sanguínea. A homeostase do cálcio é rigorosamente regulada por hormônios como o paratormônio (PTH), calcitonina e a forma ativa da vitamina D (1,25-dihidroxicolecalciferol).

A ingestão diária recomendada de cálcio varia conforme a idade e estágio de vida:

  • Adultos (19-50 anos): 1000 mg/dia
  • Mulheres acima de 51 anos e homens acima de 70 anos: 1200 mg/dia
  • Mulheres grávidas ou lactantes: 1000-1300 mg/dia

No entanto, é importante ressaltar que a absorção intestinal de cálcio, que ocorre principalmente no duodeno e jejuno proximal, varia consideravelmente (entre 10-40%) e depende de múltiplos fatores, incluindo idade, status de vitamina D, composição da dieta e necessidade fisiológica.

Fatores que influenciam o metabolismo do cálcio

Sinergia de outros nutrientes com o cálcio

O metabolismo do cálcio depende da interação de diversos nutrientes:

Vitamina D: aumenta a absorção intestinal de cálcio de aproximadamente 10-15% para 30-40% através da regulação da síntese de proteínas transportadoras. Níveis séricos adequados de 25(OH)D (30-50 ng/mL) são essenciais para a otimização da saúde óssea.

Vitamina K: a vitamina K2 (menaquinona) ativa proteínas como a osteocalcina e a proteína Gla da matriz, direcionando o cálcio para a matriz óssea e prevenindo deposições vasculares inapropriadas. Estudos observacionais e de intervenção sugerem que a vitamina K2 reduz o risco de fraturas em 30-80%.

Magnésio: cofator para mais de 300 enzimas, incluindo a fosfatase alcalina, essencial para a mineralização óssea. O magnésio também influencia a secreção e a sensibilidade ao PTH. A razão cálcio:magnésio ideal na dieta é de aproximadamente 2:1, em contraste com a proporção de 3:1 ou maior comum em dietas ocidentais.

Potássio: dietas ricas em potássio produzem um ambiente alcalino que reduz a excreção urinária de cálcio. A ingestão de 4700 mg/dia de potássio, conforme recomendado pelas diretrizes nutricionais, está associada a maior DMO e menor risco de osteoporose.

Zinco, cobre e manganês: micronutrientes essenciais para a síntese adequada de colágeno e mineralização óssea. A deficiência destes elementos está associada à redução da DMO e maior risco de fraturas.

Nutrientes que atrapalham o metabolismo do cálcio

Sódio: o consumo elevado de sódio (>2300 mg/dia) aumenta significativamente a excreção urinária de cálcio. Estudos demonstram que cada 2,3 g de sódio adicional na dieta resulta em uma perda extra de aproximadamente 40-60 mg de cálcio na urina.

Fósforo: embora essencial para a saúde óssea, o consumo excessivo de fósforo, especialmente na forma de aditivos alimentares e refrigerantes com ácido fosfórico, pode perturbar o equilíbrio cálcio:fósforo. Dietas ocidentais típicas apresentam razões de cálcio:fósforo de 1:2 ou até 1:4, quando o ideal seria aproximadamente 1:1.

Carga ácida da dieta: dietas com alta carga ácida potencial renal, característica de padrões alimentares ricos em proteínas animais e pobres em frutas e vegetais, aumentam a mobilização de cálcio ósseo para tamponamento ácido. Este processo pode contribuir para a desmineralização óssea ao longo do tempo, especialmente em idosos com função renal reduzida.

Fontes alimentares de cálcio

Prós e contras do cálcio dos laticínios

Laticínios tradicionalmente são promovidos como fontes primárias de cálcio, fornecendo aproximadamente 300-400 mg por porção (200 ml de leite ou 30g de queijo). A biodisponibilidade do cálcio no leite e derivados é moderada (aproximadamente 30-32%) e, como parte de uma dieta balanceada, estes alimentos contribuem positivamente para a saúde óssea.

No entanto, evidências científicas recentes sugerem algumas considerações importantes:

  1. O consumo excessivo de proteínas, incluindo aquelas derivadas de laticínios, pode teoricamente aumentar a carga ácida renal, potencialmente elevando a excreção urinária de cálcio. Porém, este efeito é compensado, em parte, pelo próprio cálcio presente nos laticínios e pelo fósforo, que reduz a calciúria induzida por proteínas.
  2. A relação entre consumo de laticínios e risco de fraturas apresenta resultados inconsistentes em estudos observacionais de longo prazo. Uma meta-análise de estudos prospectivos envolvendo mais de 270.000 participantes não encontrou associação significativa entre a ingestão de laticínios e risco de fraturas, sugerindo que outros fatores dietéticos e de estilo de vida também são determinantes importantes.
  3. O consumo moderado de laticínios (2-3 porções diárias) como parte de uma dieta equilibrada rica em frutas, vegetais e grãos integrais parece ser uma abordagem prudente, baseada nas evidências atuais.

Fontes alternativas de cálcio

Diversas fontes vegetais fornecem cálcio com biodisponibilidade comparável ou superior à do leite:

Vegetais crucíferos e folhosos de baixo teor de oxalatos: couve, brócolis, repolho chinês e rúcula apresentam biodisponibilidade de cálcio de 50-60%, superior à do leite (30-32%), devido ao baixo conteúdo de oxalatos e à presença de compostos que favorecem a absorção, como o sulforafano.

Tofu preparado com sulfato de cálcio: fornece 300-400 mg de cálcio por porção de 100g, com biodisponibilidade comparável à do leite.

Sementes e oleaginosas: gergelim, amêndoas e chia são fontes significativas de cálcio e magnésio, com a vantagem adicional de fornecerem ácidos graxos essenciais e antioxidantes que beneficiam a saúde óssea.

Bebidas vegetais fortificadas: alternativas à base de soja, amêndoa, aveia ou arroz, quando fortificadas, fornecem quantidades de cálcio comparáveis às do leite (300-350 mg/porção), embora a biodisponibilidade varie conforme o tipo e o agente fortificante utilizado.

Dicas práticas para otimizar a absorção de cálcio e a saúde óssea

Cuidados com alimentação

Uma abordagem nutricional abrangente para a prevenção e manejo da osteoporose inclui:

  1. Diversificação das fontes de cálcio: combinar fontes animais e vegetais para otimizar não apenas a ingestão de cálcio, mas também de outros nutrientes sinérgicos.
  2. Aumento do consumo de frutas e vegetais: visando 8-10 porções diárias para melhorar o equilíbrio ácido-base e fornecer micronutrientes essenciais para a saúde óssea.
  3. Moderação no consumo de sódio: limitando a ingestão a <2300 mg/dia para minimizar a excreção urinária de cálcio.
  4. Ingestão adequada de proteínas: mantendo a ingestão proteica em 1,0-1,2 g/kg/dia, priorizando fontes de alta qualidade.
  5. Redução de refrigerantes e alimentos ultra-processados: diminuindo a ingestão de fosfatos inorgânicos e aditivos que podem perturbar o metabolismo mineral.

Estilo de vida, absorção de cálcio e osteoporose

A saúde óssea depende de uma combinação de fatores além da nutrição:

Atividade física regular: exercícios com impacto e resistência estimulam a formação óssea através de estresse mecânico. Programas que combinam treinamento de força e exercícios de impacto (150 minutos/semana) demonstram aumento de 1-3% na DMO ao longo de 6-12 meses.

Exposição solar adequada: 15-30 minutos de exposição solar em braços e pernas, 2-3 vezes por semana, geralmente são suficientes para manter níveis adequados de vitamina D em indivíduos de pele clara. Pessoas com pigmentação cutânea mais escura ou que vivem em latitudes mais altas podem necessitar de exposição mais prolongada ou suplementação.

Cessação do tabagismo e moderação no consumo de álcool: o tabagismo reduz a absorção intestinal de cálcio e afeta negativamente a função dos osteoblastos, enquanto o consumo excessivo de álcool (>3 doses/dia) compromete o metabolismo da vitamina D e a formação óssea.

Conclusão

A relação entre cálcio, nutrição e saúde óssea é complexa e multifatorial. Embora o cálcio seja indiscutivelmente essencial para a prevenção da osteoporose, sua eficácia depende de uma matriz de outros nutrientes e fatores de estilo de vida.

As evidências científicas atuais indicam que uma abordagem dietética diversificada, que inclua fontes variadas de cálcio (tanto de laticínios quanto de fontes vegetais), abundância de frutas e vegetais, e atenção a nutrientes sinérgicos como vitaminas D e K, magnésio e potássio, oferece a estratégia mais eficaz para a saúde óssea ao longo da vida.

A prevenção da osteoporose é mais eficaz quando iniciada precocemente e mantida consistentemente, com ênfase não apenas na adequação de cálcio, mas em um padrão alimentar equilibrado e um estilo de vida ativo que favoreça a formação e manutenção óssea.

Para ler a participação da nutricionista em matéria sobre o Dia Mundial de Combate à Osteoporose (dia 20 de outubro), clique AQUI.

Referências Bibliográficas

Beck, B. R., Daly, R. M., Singh, M. A. F., & Taaffe, D. R. (2017). Exercise and Sports Science Australia (ESSA) position statement on exercise prescription for the prevention and management of osteoporosis. Journal of Science and Medicine in Sport, 20(5), 438-445.

Bischoff-Ferrari, H. A., Dawson-Hughes, B., Baron, J. A., Kanis, J. A., Orav, E. J., Staehelin, H. B., … & Willett, W. C. (2011). Milk intake and risk of hip fracture in men and women: a meta-analysis of prospective cohort studies. Journal of Bone and Mineral Research, 26(4), 833-839.

Bouillon, R., Marcocci, C., Carmeliet, G., Bikle, D., White, J. H., Dawson-Hughes, B., … & Lips, P. (2019). Skeletal and extraskeletal actions of vitamin D: current evidence and outstanding questions. Endocrine Reviews, 40(4), 1109-1151.

Calvo, M. S., & Tucker, K. L. (2013). Is phosphorus intake that exceeds dietary requirements a risk factor in bone health? Annals of the New York Academy of Sciences, 1301(1), 29-35.

Castiglioni, S., Cazzaniga, A., Albisetti, W., & Maier, J. A. (2013). Magnesium and osteoporosis: current state of knowledge and future research directions. Nutrients, 5(8), 3022-3033.

Hanley, D. A., & Whiting, S. J. (2013). Does a high dietary acid content cause bone loss, and can bone loss be prevented with an alkaline diet? Journal of Clinical Densitometry, 16(4), 420-425.

Institute of Medicine (IOM). (2011). Dietary Reference Intakes for calcium and vitamin D. Washington, DC: The National Academies Press.

International Osteoporosis Foundation (IOF). (2021). Facts and Statistics. https://www.osteoporosis.foundation/facts-statistics

Kerstetter, J. E., Kenny, A. M., & Insogna, K. L. (2010). Dietary protein and skeletal health: a review of recent human research. Current Opinion in Lipidology, 21(1), 16-20.

Khosla, S., & Hofbauer, L. C. (2017). Osteoporosis treatment: recent developments and ongoing challenges. The Lancet Diabetes & Endocrinology, 5(11), 898-907.

Lambert, H., Frassetto, L., Moore, J. B., Torgerson, D., Gannon, R., Burckhardt, P., & Lanham-New, S. (2015). The effect of supplementation with alkaline potassium salts on bone metabolism: a meta-analysis. Osteoporosis International, 26(4), 1311-1318.

Peacock, M. (2010). Calcium metabolism in health and disease. Clinical Journal of the American Society of Nephrology, 5(Supplement 1), S23-S30.

Price, C. T., Langford, J. R., & Liporace, F. A. (2012). Essential nutrients for bone health and a review of their availability in the average North American diet. The Open Orthopaedics Journal, 6, 143-149.

Rozenberg, S., Body, J. J., Bruyère, O., Bergmann, P., Brandi, M. L., Cooper, C., … & Reginster, J. Y. (2016). Effects of dairy products consumption on health: benefits and beliefs—a commentary from the Belgian Bone Club and the European Society for Clinical and Economic Aspects of Osteoporosis, Osteoarthritis and Musculoskeletal Diseases. Calcified Tissue International, 98(1), 1-17.

Schwalfenberg, G. K. (2017). Vitamins K1 and K2: The emerging group of vitamins required for human health. Journal of Nutrition and Metabolism, 2017, 6254836.

Singhal, S., Baker, R. D., & Baker, S. S. (2017). A comparison of the nutritional value of cow’s milk and nondairy beverages. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, 64(5), 799-805.

Teucher, B., Dainty, J. R., Spinks, C. A., Majsak-Newman, G., Berry, D. J., Hoogewerff, J. A., … & Fairweather-Tait, S. J. (2008). Sodium and bone health: impact of moderately high and low salt intakes on calcium metabolism in postmenopausal women. Journal of Bone and Mineral Research, 23(9), 1477-1485.

Wacker, M., & Holick, M. F. (2013). Vitamin D—effects on skeletal and extraskeletal health and the need for supplementation. Nutrients, 5(1), 111-148.

Weaver, C. M., & Peacock, M. (2019). Calcium. Advances in Nutrition, 10(3), 546-548.

Weaver, C. M., Proulx, W. R., & Heaney, R. (2009). Choices for achieving adequate dietary calcium with a vegetarian diet. The American Journal of Clinical Nutrition, 70(3), 543s-548s.

Weaver, C. M., Gordon, C. M., Janz, K. F., Kalkwarf, H. J., Lappe, J. M., Lewis, R., … & Zemel, B. S. (2016). The National Osteoporosis Foundation’s position statement on peak bone mass development and lifestyle factors: a systematic review and implementation recommendations. Osteoporosis International, 27(4), 1281-1386.

Yoon, V., Maalouf, N. M., & Sakhaee, K. (2012). The effects of smoking on bone metabolism. Osteoporosis International, 23(8), 2081-2092.

Zhao, Y., Martin, B. R., & Weaver, C. M. (2005). Calcium bioavailability of calcium carbonate fortified soymilk is equivalent to cow’s milk in young women. The Journal of Nutrition, 135(10), 2379-2382.